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Thomas Fischermann: “Grande parte de Blumenau se apresenta como uma caricatura”

Em entrevista ao Município Blumenau, correspondente alemão comenta repercussão de textos publicados sobre a cidade

Thomas Fischermann é correspondente do jornal alemão Die Zeit no Brasil. Mora no Rio de Janeiro e costuma viajar com frequência para grandes centros do país atrás de reportagens. Nos últimos meses, porém, desviou a rota para conhecer Blumenau e produzir uma série de colunas para o site em português da Deutsche Welle.

As impressões do jornalista, expressas no formato de crônicas e relatos pessoais, geraram grande repercussão na cidade – algumas agressivas. O último texto, publicado nesta quarta-feira, critica a apropriação cultural feita por Blumenau de elementos da Baviera. Com sarcasmo, Fischermann disparou: “A Oktoberfest em Blumenau? Este pastiche com motivos bávaros e lederhosen e fanfarras e milhões de litros de cerveja”?

O Município Blumenau conversou por telefone nesta quinta-feira com Fischermann, que está na Alemanha a trabalho. O jornalista disse que ama Blumenau, que só por aqui se faz boa cerveja no Brasil. E até concorda com algumas das críticas recebidas. Mas mantém o tom crítico. Acredita que Blumenau vende uma caricatura de si mesma. E que pretende abordar a história e as contradições locais em reportagens mais densas no Die Zeit. Confira a entrevista abaixo:

Fischermann (ao fundo) contou em texto como foi desfilar na Rua XV ao lado do vereador Sylvio Zimmermann (D) Foto: Sylvio Zimmermann/Especial

O que você achou da repercussão de seus textos em Blumenau?
Foi uma surpresa, porque eu achei que esse texto é nada tão especial. Foram algumas observações que eu fiz e escrevi. Mas, às vezes, toca num assunto que interessa às pessoas.

Você cita algumas reações virulentas do pessoal daqui. Te surpreendeu a forma como as pessoas se ofenderam?
De verdade, isso acontece com quase todos os meus textos. Hoje em dia você sempre ganha seus 15 minutos de ódio. Para qualquer texto que você escreva. Eu já estou acostumado, mas também não levo isso a sério. Pode mandar xingamentos, sim. Não tenho problemas com isso. Mas eu publiquei vários textos. Isso começou com uma ideia dos meus leitores. Eles diziam que estou morando há muitos meses no Rio de Janeiro, que estou indo para São Paulo, para Brasília, para a Amazônia, mas eu, especialmente como alemão, teria que conhecer mais o Sul, Santa Catarina.
Então eu fui. Combinei com a Deutsche Welle e publiquei acho que um total de quatro colunas sobre Blumenau. Me encontrei com bandas de música, fiz uma entrevista com o Vox3, por exemplo. Me interessava por várias coisas. A longo prazo, com mais calma e mais pesquisa, quero publicar uma coisa mais séria sobre Blumenau, sobre esses assuntos da identidade, da identificação. Eu acho bastante interessante, também para nós aqui na Alemanha. Mas essas colunas eu não levei tão a sério.

Quando você diz algo mais sério quer dizer uma reportagem, algo mais denso?
Falei com várias pessoas, e tem muitas conversas interessantes que eu não vou utilizar nessas colunas para a Deutsche Welle. A coluna é uma coisa leve, eu faço uma observação, o relato de um encontro individual, e é isso. Para o Die Zeit, o jornal para quem trabalho aqui na Alemanha, eu faço relatos, reportagens e análises um pouco mais profundas. Mas isso demora. De verdade, eu não discordo tanto de várias críticas que eu recebi de Blumenau. É claro que lá tem pessoas que estão mantendo uma parte da nossa cultura, que na Alemanha nós não temos mais. Eu acho isso importante, porque hoje em dia, aqui na Alemanha, a gente também se pergunta: “O que é a nossa cultura? O que é alemão”? Mas isso é mais para frente, para uma deliberação um pouco mais avançada.

Você teve uma má impressão de Blumenau?
Não, eu amo Blumenau! Eu adorei as minhas visitas, incluindo a Oktoberfest. Não é isso. Eu vi um pouco os comentários, não fiz uma análise numérica. Mas na minha impressão foram 50% positivos e 50% negativos. Recebi muitos e-mails dizendo: “Olha, você disse uma coisa que aqui em Blumenau ninguém tem a coragem de dizer”. Nem sei se eu pessoalmente concordo com isso. Porque eu acho que em Blumenau, como em qualquer lugar do Brasil, todo mundo fala o que quiser. Mas eu recebi esse tipo de reação muito positiva, né? Houve várias pessoas que se desculparam pelo comportamento de seus compatriotas, pelos xingamentos. Mas do meu lado é tudo calmo, essas reações são normais.
Mas eu achei interessantes os argumentos em críticas um pouco mais avançadas. Várias pessoas disseram, por exemplo, que eu, como correspondente, deveria entender melhor a história de Blumenau para entender por que as pessoas são um pouco defensivas com essa cultura e essa herança alemã. Eu acho que já entendo um pouco. Fiz conversas bem sensíveis sobre o passado um pouco mais obscuro de Blumenau. Eu sei sobre o passado do nazismo em Blumenau, por exemplo. E que várias famílias foram envolvidas com isso, famílias que hoje em dia têm influência na cidade. Então, uma matéria mais séria levantaria esses pontos também. Mas uma coluna assim, não.

Qual é a nova Alemanha que Blumenau ignora ou até rejeita?
No passado, lendo as cartas do Doutor Blumenau para seus compatriotas, e depois também o intercâmbio de correspondências e viagens entre colonizadores de Blumenau e Alemanha, outras partes do mundo, você vê um intercâmbio cultural bem mais intenso do que hoje. Essa é a minha impressão, claro que não tenho uma visão total da produção cultural de Blumenau. Mas em relação com o que está acontecendo lá na Vila Itoupava, por exemplo, com essa coisa bem folclorística, e essa Oktoberfest, que é uma coisa divertida, é uma coisa para o turismo. Mas um pouco fake também. É tudo uma criação de um passado da Alemanha, até imaginado. Como eu disse na minha última coluna, em Blumenau quase não há imigrante da Baviera. Tem pouquíssimos. É uma cultura do passado apropriada para o lugar. Isso é bem diferente que uma cultura ativa.
Falei, por exemplo, com várias bandas. Elas não gostam que na Oktoberfest e nos outros eventos tem que manter o repertório de música antiga. Eles não podem inovar, quase não podem incluir outros estilos de música. Isso é surpreendente para mim, porque qualquer cultura tem que interagir com outras influências. E o Brasil é um dos países, falando em música, mais ricos que eu conheço no mundo. Uma interação entre essas fontes alemãs e essas influências brasileiras contemporâneas poderia resultar numa inovação na música alemã que até poderia ter repercussão na Alemanha mesmo.

Você pode ter ficado com uma impressão caricaturizada de Blumenau porque veio durante a Oktoberfest? Muitas pessoas o acusam de ter vindo aqui e ficado pouco tempo na cidade e ter feito generalizações.
Claro, isso sempre vai acontecer. Eu também posso ficar dois ou três meses, mas a mesma crítica sempre vai ficar. Nunca vou entender Blumenau da mesma forma que um blumenauense vai entender. Como você resolve isso? Você fala com muitas pessoas. Falei com várias pessoas que moram lá já há muito tempo, foram criadas lá, você fala com todo mundo. Mas como correspondente, que chega num helicóptero, metaforicamente falando, você sempre tem uma visão superficial. Mas às vezes a visão do visitante, superficial, revela coisas que o habitante que mora lá há 60 anos não vai ver mais. Ao mesmo tempo, eu passei um tempo em Blumenau antes da Oktoberfest e agora, durante. Grande parte de Blumenau, especialmente a assessoria de imprensa, os oficiais e a prefeitura, sim, apresentam Blumenau como uma caricatura. A Oktoberfest de Blumenau é uma caricatura, uma caricatura de uma Baviera imaginada. E nada contra, é bem divertido. Eu gostei. Eu gostei da cerveja que vocês fazem. Acho que Blumenau é o único lugar que faz uma boa cerveja no país.