Após denúncias de assédio, UFSC arquiva investigação e aposenta servidor de 35 anos em Blumenau

Advogado já foi alvo de denúncias também em Indaial e Balneário Camboriú

Um advogado indaialense foi aposentado como servidor do Campus Blumenau da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) aos 35 anos por “motivos de saúde”. A decisão foi divulgada pouco após denúncias de assédio contra o funcionário da biblioteca serem arquivadas pela instituição.

O coletivo feminista de alunas reuniu as denúncias de assédio. Dentre as alegações estão casos jovens que se sentiram desconfortáveis pela abordagem do ex-servidor, que foram mal atendidas por ele e relatos de casos de assédio fora da UFSC Blumenau.

Relembre outro caso recente: Cerca de 20 alunas da UFSC Blumenau denunciam servidor por assédio e importunação

Denúncias de assédio

Três denúncias anônimas foram formalmente registradas por estudantes. Em uma delas a jovem foi devolver um livro na biblioteca quando o servidor a teria constrangido ficando em pé atrás dela. Ele teria feito “comentários constrangedores” e tentado segurar a mão dela enquanto ela mexia no mouse. Em seguida, ele teria tentado impedir a passagem dela no corretor “tentando puxar assuntos com piadas e brincadeiras constrangedoras”.

“Depois que ele me entregou o livro fui embora e meu namorado fez a seguinte pergunta: o [servidor] estava dando em cima de você? Portanto, até ele que estava lá fora, viu que o [servidor] tinha outras intenções. Me senti desrespeitada e insegura, pois estava num ambiente estudantil e mesmo assim, senti medo de que ele tentasse algo”, relatou ela.

A segunda denúncia foi feita por uma aluna que relatou que foi mal atendida ao tentar devolver um livro. Ela diz ter sido ignorada por um tempo e que, ao ser atendida, ele foi “grosso e estúpido”. A estudante ainda afirmou que ele costumava ficar no Facebook ao invés de dar atenção a quem buscava atendimento.

A terceira estudante afirmou ter medo de ficar no campus da UFSC Blumenau até mais tarde, pois o servidor já teria parado no ponto de ônibus para oferecer carona, mesmo sem saber onde ela mora.

Uma quarta aluna chegou a relatar que também foi assediada por ele, mas que tinha medo de entrar em detalhes, pois poderia ser identificada e ser perseguida pelo servidor por conta do histórico dele.

Reunião de provas começou em 2020

Antes de registrarem denúncia na UFSC, as estudantes foram surpreendidas por denúncias feitas através das redes sociais. Uma moradora de Indaial reuniu diversos relatos de jovens que teriam sido assediadas pelo advogado. Ao ser rejeitado, ele tomava uma atitude agressiva e ameaçava as garotas.

Prints de mensagens escritas pelo advogado.

Muitos dos relatos vieram de mulheres que conheceram ele através de um grupo de caronas no Facebook. O advogado foi inclusive banido do grupo por conta das denúncias feitas aos responsáveis e o caso foi registrado pelo administrador.

Relatos envolvendo as caronas.

Em 2018 o advogado foi candidato a deputado estadual pelo Progressistas e em 2020 tentou ser eleito vereador em Indaial. Em ambas tentativas teve um número baixo de eleitores, mas a exposição pública acabou fomentando as denúncias.

Relatos feitos no Instagram na época da candidatura.

Outras denúncias

Além do inquérito policial em andamento em Indaial após a denúncia das vítimas, o advogado também já foi processado por abusar de uma adolescente no escritório que possui na cidade. O processo, porém, foi arquivado após a vítima desistir da denúncia.

“No decorrer das investigações muitas meninas se sentem acuadas por medo da influência que [ele] tem, outras inclusive, segundo relatos, foram ameaçadas diretamente por ele, dificultando assim o prosseguimento das investigações”, registraram as estudantes na denúncia.

Em 2021 um inquérito foi aberto pela Polícia Civil de Balneário Camboriú por crime contra a dignidade sexual, mas o caso tramita em sigilo de justiça.

UFSC arquivou denúncias de assédio

Em junho deste ano, a Corregedoria-Geral da UFSC arquivou a investigação envolvendo as atitudes do ex-servidor e as denúncias de assédio. De acordo com Fabrício Pinheiro Guimarães, “apesar da aparente gravidade, a maioria das situações descritas se referem a fatos supostamente ocorridos fora da UFSC e sem qualquer relação com o exercício das atribuições do cargo do acusado”.

Ainda assim, as estudantes que realizaram a denúncia reforçaram que, mesmo os casos sendo fora da universidade, amedrontam as alunas por “conhecerem a índole do servidor”.

“Ocorre que, as estudantes que conhecem os casos e as vítimas, se sentem aflitas e amedrontadas com o colaborador, até mesmo pela sua má conduta profissional e falta de educação com as estudantes, as quais evitam a utilização da B.U [biblioteca universitária] quando o mesmo se encontra no local”, registra a denúncia.

Na decisão, o corregedor recomendou que as esferas competentes sejam acionadas e que relatos feitos por estudantes da instituição foram encaminhadas à corregedoria para serem apuradas, mas que o denunciado terá “direito ao contraditório e ampla defesa, o que implica em acesso aos autos, participar de oitivas etc”.

Quanto a aposentadoria, registrada no dia 27 de junho, a instituição afirma que se deu por “incapacidade permanente para o trabalho, sem possibilidade de readaptação”, sem entrar em mais detalhes, já que se trata de um assunto pessoal.

“Conforme a legislação, a aposentadoria se deu por incapacidade permanente para o trabalho, sem possibilidade de readaptação. Por isso, não é possível estabelecer relação entre a aposentadoria do servidor – por motivos de saúde, atestados por Junta Médica Oficial – e as denúncias imputadas a ele por comportamentos fora e no ambiente de trabalho”, registrou a instituição.

Contraponto da UFSC

A reportagem tentou contato com o advogado por telefone, e-mail e redes sociais, mas não teve retorno até a publicação da reportagem. Por falta de chance de direito de resposta, o nome do ex-servidor não foi citado na reportagem.

Confira a nota da UFSC na íntegra:

A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) informa que o referido servidor foi aposentado em 27 de junho de 2023, conforme portaria publicada no Diário Oficial da União de 30 de junho de 2023: “nos termos do Art. 40, § 1º, Inciso I, da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional n° 103/2019, combinado com o inciso II, § 1º do Art. 10º da Emenda Constitucional nº 103, de 13 de novembro de 2019, com proventos proporcionais a 60% da média aritmética, calculados com base no Art. 26, § 2, Inciso I” (PORTARIA Nº 419/DAP, DE 27 DE JUNHO DE 2023).

A instituição tem conhecimento de manifestações contra o ex-servidor, apresentadas por meio da Plataforma Integrada de Ouvidoria e Acesso à Informação Fala.BR, da Controladoria Geral da União (CGU) em 2022. No entanto, a manifestação foi feita por terceiro e com informações insuficientes para a abertura de uma investigação. Houve dois pedidos de complementação de informações ao solicitante, que não foram respondidos, levando ao arquivamento automático pela plataforma.

Em meados de 2022, uma manifestação feita por estudantes da UFSC foi recebida pela Corregedoria para investigação preliminar. Em termos gerais, as estudantes reclamaram da qualidade do atendimento do servidor e de atitudes que teriam gerado constrangimento. Essas manifestações ou relatos foram arquivadas pela Corregedoria-Geral da UFSC sem a instauração de procedimento disciplinar, por entender que não havia elementos suficientes de materialidade e pelo decurso do tempo entre a manifestação e um dos fatos relatados, que teria ocorrido em 2017, o que dificultaria a apuração.

Cabe esclarecer que a Corregedoria é uma unidade setorial do Sistema de Correição do Poder Executivo Federal (Siscor), sujeita à orientação normativa e à supervisão técnica da Controladoria Geral da União (CGU), conforme Decreto nº 5480/2005 e Portaria Normativa CGU Nº 27, de 11 de outubro de 2022, sendo que o seu titular tem o nome aprovado pela CGU.

Não houve e nem há, em relação ao ex-servidor, nenhum procedimento que dependesse de análise ou julgamento pelo atual reitor da UFSC.

Conforme a legislação, a aposentadoria se deu por incapacidade permanente para o trabalho, sem possibilidade de readaptação. Por isso, não é possível estabelecer relação entre a aposentadoria do servidor – por motivos de saúde, atestados por Junta Médica Oficial – e as denúncias imputadas a ele por comportamentos fora e no ambiente de trabalho.

Importante registrar que a Pró-reitoria de Desenvolvimento e Gestão de Pessoas (Prodegesp/UFSC), no momento da aposentadoria, tomou todos os cuidados necessários, verificando se existiam impedimentos formais. Na ocasião, o servidor não respondia a nenhum Processo Administrativo Disciplinar (PAD).

A Instituição tem em seus valores a construção de relações sociais harmônicas, o que implica seu compromisso com políticas de enfrentamento a todas as formas de violência, em especial a violência contra mulheres e grupos vulneráveis.

A comunidade acadêmica deve denunciar toda e qualquer situação ou ocorrência que possa ser considerada irregular, em algum nível. É importante realizar o registro dessas situações e formalizar denúncia para que sejam feitos os encaminhamentos necessários. Dessa forma, atua-se como um agente de mudanças, evitando que as irregularidades ocorram novamente com outras pessoas. A UFSC reafirma seu compromisso na busca por um ambiente saudável e acolhedor para toda a comunidade acadêmica.

Canais de denúncia:
Fala.BR – Plataforma Integrada de Ouvidoria e Acesso à Informação
ouvidoria@contato.ufsc.br / (48) 3721-9955
corregedoriageral@contato.ufsc.br / (48) 3721-6988

Outro servidor da UFSC já teve denúncias de assédio

No início de junho o jornal O Município Blumenau publicou outro caso envolvendo denúncias de assédio por parte de um servidor da UFSC Blumenau. Este atuando no setor de Tecnologia da Informação (TI).

Ao menos 20 estudantes do campus blumenauense receberam mensagens privadas dele após o servidor conseguir os dados delas através do sistema da universidade. Nas abordagens ele questionava a vida sexual das jovens e as ameaçava.

Reprodução

Algumas chegaram a trancar o curso e sair da instituição por conta da insistência do servidor. Outras se formaram e seguem procurando meios de expor o caso. Mais de 20 meninas se uniram para formar uma comissão e levar o caso à reitoria, mas não ficaram satisfeitas com o resultado.

Após as denúncias serem registradas na reitoria, a UFSC chegou a afastar o servidor por 60 dias. Em seguida, o prazo foi prorrogado e ele passou cerca de 4 meses afastado, mas retornou ao trabalho após o período. Durante o afastamento, ele seguiu recebendo o salário de aproximadamente R$ 3,4 mil.

Em nota, a instituição afirmou que “realizou todos os procedimentos administrativos”. As alunas foram orientadas a registrar um boletim de ocorrência e um Processo Administrativo Disciplinar avaliou o caso, que foi encaminhado para a reitoria e aguarda decisão.


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