O dr. Julio Cesar Refosco, atualmente coordenador do curso de Engenharia Florestal da Furb, há muitos anos, estudou o comportamento do rio Itajaí do Norte, ou, simplesmente, rio Itajaí-Norte, cuja bacia hidrográfica tinha sofrido um forte desmatamento.
Esta bacia, até o início de sua colonização, no final dos anos 1890, tinha 100% de cobertura florestal, que rapidamente caiu para cerca de 60% em 1966. Vinte anos depois, a cobertura florestal dessa bacia despencou mais rapidamente ainda, para cerca de 40%.
Comparando a vazão média do rio Itajaí-Norte entre 1966 e, vinte anos depois, em 1986, o dr. Júlio verificou que a vazão média desse rio havia aumentado quase 50%!
Caberia então uma pergunta: se a vazão do rio Itajaí-Norte aumentou com o desmatamento, então, como fica a velha sabedoria popular (e científica também), que diz que, quando as florestas são destruídas, as águas diminuem?
O ramo da Ciência chamado de Hidrologia Florestal nos dá a resposta. De fato, depois de um desmatamento, as nascentes começam a verter água acima do ponto em que normalmente vertiam, então, num primeiro momento (grifo nosso), acaba tendo mais água nas nascentes, logo, também, nos rios.
Com o passar dos anos acontece o contrário: as nascentes vão recuando gradativamente e o resultado é menos água nos rios, principalmente fora dos períodos de chuvas.
Se o dr. Refosco demonstrou que a vazão MÉDIA do rio Itajaí-Norte AUMENTOU depois do desmatamento, ele está certo. Onde existe floresta, uma grande porcentagem das águas das chuvas fica interceptada nas copas das árvores e na serrapilheira formada pelas folhas, galhos e troncos caídos sobre o solo (vide artigos anteriores nesta coluna), logo, infiltra MENOS ÁGUA no solo, mas, infiltra.
Com o desmatamento, a parcela de água das chuvas que deixou de ser interceptada nas copas e na serrapilheira e deixou de ser evaporada de volta para atmosfera, infiltra-se no solo, aumentando, num primeiro momento, repetimos, o estoque de água nos lençóis freáticos.
Mas, como explica o russo especialista em Hidrologia Florestal Alexander Molchanov, depois do desmatamento, aos poucos, os solos vão ficando menos permeáveis. No caso de pastagens, isso se deve à compactação pelo pisoteio do gado.
No caso de agricultura mal-conduzida, a principal causa é a perda de matéria orgânica no solo, matéria orgânica esta, importantíssima para garantir maior permeabilidade, portanto maior infiltração de água no solo. No caso de cidades mal planejadas (quase todas as cidades brasileiras, nesse caso), o asfalto e concreto impedem quase que totalmente a infiltração e o abastecimento de água nos solos deixa de existir.
As consequências, que aqui resumimos de forma extremamente simplificada, logo fazem-se sentir. Quando chove, não há mais a interceptação de água das chuvas nas florestas (que em seguida iriam evaporar de volta para a atmosfera), então, maior quantidade de água atinge os solos.
Porém, com o passar do tempo, devido à pouca permeabilidade desses mesmos solos, essa água que não infiltra tende a escorrer pela superfície causando mais erosão e avolumando-se mais rapidamente e em maior quantidade nos rios, provocando maiores cheias e enxurradas e isso é que faz a vazão MÉDIA dos rios ser maior.
Cessado o período de chuvas, aquela água que deixou de infiltrar no solo vai fazer falta nos lençóis freáticos, tornando os efeitos das secas mais acentuados. Então, temos mais vazão MÉDIA nos rios, porém, vazão mal distribuída: aumenta mais quando chove e o rio fica mais seco quando não chove.
Com técnicas adequadas de uso e ocupação dos solos, é possível diminuir significativamente os desequilíbrios causados pelo mau uso da paisagem pelo ser humano moderno. Tentaremos voltar a esse assunto proximamente.
Com essa pequena série de artigos sobre proteção ambiental e enchentes homenageamos o incansável jornalista e ambientalista paulista Randolpho Marques Lobato, mentor do primeiro Congresso Brasileiro sobre Cheias, Enchentes e Inundações, Cursos d’água e Urbanismo acontecido em Blumenau no início dos anos 1980, que ajudei a coordenar. Um ano depois o mesmo Congresso teve a segunda edição na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, nos quais muito aprendi para poder escrever essas linhas. Na imagem, Randolpho Lobato em visita ao morro Spitzkopf em Blumenau, anos 1980, em Blumenau. Foto L. E. Bacca, anos 1980.