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VÍDEO – Conheça o ferreomodelista que recriou em maquete a Blumenau da época da estrada de ferro

Maquete do blumenauense Roberto Bernhard Disse possui 12,5 metros de muitas histórias e lembranças

Ferreomodelismo é o nome da arte de montar sistemas de transporte ferroviário em uma escala reduzida. Os modelistas criam ou recriam cenários para o entorno da estação e edificam maquetes, que são compostas por um trabalho de muita dedicação e paciência.

Para resgatar a memória da velha Estrada de Ferro de Santa Catarina (EFSC), desativada em 1971, o ferreomeodelista Roberto Bernhard Disse teve a ideia recriar a antiga Blumenau do século XX em sua maquete.

Maquete de Blumenau na época da estrada de ferro. Foto: Kamile Bernardes / O Município Blumenau.

Na maquete, que já acumula 12,5 metros quadrados, ele construiu as oficinas da EFSC, que ficavam localizadas onde atualmente é o campus 2 da Fundação Universidade Regional de Blumenau (Furb).

Dentre as reproduções de Roberto, está o Armazém de Cargas, a Oficina de Vagões, a Garagem das Locomotivas, além da casa do Chefe da Oficina e também a primeira Estação de Blumenau, construída em 1909 e demolida no início dos anos 80 para a construção da atual prefeitura da cidade.

Estação de Blumenau. Foto: Kamile Bernardes / O Município Blumenau.

Confira vídeo da maquete

A maquete funciona a partir de um antigo sistema analógico alemão, da marca Märklin. Para manter a rede elétrica funcionando, o ferreomodelista abriga mais de mil metros de fios embaixo da mesa, que por meio de vários painéis, controlam desde a velocidade dos trens até a iluminação dos vagões.

Como tudo começou

A história de Roberto com o ferreomodelismo começou quando tinha apenas seis anos. Em 1965, ele ganhou um circuito de trens de brinquedo dos avós germânicos, que trouxeram os objetos da Alemanha para presentear o neto. Porém, o presente ficou guardado por muitos anos.

Em 2018, a filha e o genro queriam fazer uma decoração diferenciada para expor na vitrine do pet shop que possuem. Na ocasião, Roberto lembrou dos trenzinhos comprados pelos avós alemães. Foi nesse momento, 53 anos depois de ter ganhado o presente, que ele de fato começou a ser utilizado.

A partir disso, ele e o genro começaram a verificar se as peças ainda funcionavam e, para a surpresa de ambos, o resultado foi positivo. A partir disso, começaram a procurar mais  objetos na internet para ampliar o sistema. Em 2020, no auge da pandemia de Covid-19, foi quando Roberto mais se dedicou ao ferreomodelismo.

Maquete de Blumenau na época da estrada de ferro. Foto: Kamile Bernardes / O Município Blumenau.

Recriar Blumenau

Durante 40 anos, o blumenauense foi servidor da Furb. Ao fim de sua carreira, atuou como bibliotecário na universidade. No entanto, o que ele não imaginava é que a função seria essencial para o seu futuro hobby. Por meio da paixão pela literatura e entusiasmo pela pesquisa, Roberto começou a procurar mais informações sobre o ferreomodelismo.

Em uma de suas leituras, encontrou um texto que foi determinante para o que ele viria a construir. De acordo com ele, o livro dizia que quando o ferreomodelismo se torna um hobby e começa a tomar uma forma maior, é necessário ter um objetivo traçado. Com isso, o ex-bibliotecário passou a refletir sobre qual seria o seu propósito.

Determinado dia, a esposa, Milena Eluize Fiamoncini Disse, sugeriu que ele reproduzisse as antigas Oficinas da EFSC em Blumenau.

Miniatura da Oficina da EFSC em Blumenau. Foto: Kamile Bernardes / O Município Blumenau.

Paixão pela EFSC

Por volta de 1984, muito antes de ter o ferreomodelismo como hobby, Roberto já cultivava um certo interesse pela estrada de ferro. Antigamente ele era fotógrafo e fez alguns registros da Oficina da EFSC. O curioso é que por anos ele guardou as imagens, sem nem imaginar que futuramente aquelas construções se materializariam em uma maquete feita por ele mesmo.

Foto: Roberto Bernhard Disse
Foto: Roberto Bernhard Disse
Foto: Roberto Bernhard Disse
Foto: Roberto Bernhard Disse
Foto: Roberto Bernhard Disse
Foto: Roberto Bernhard Disse

Colocando a mão na massa

Após aceitar a sugestão e decidir que iria recriar as oficinas, ele foi até a Furb pesquisar nos arquivos da biblioteca. Lá encontrou muitas fotos antigas e, o principal: uma planta baixa dos prédios de 1974, época em que a Rede Ferroviária Federal doou o terreno para a universidade.

A partir disso, o homem calculou as distâncias, converteu as medidas para a escala HO, de proporção 1:87, e iniciou a construção dos primeiros prédios da maquete. A primeira construção foi o prédio grande da Oficina, de 100 metros quadrados. Como ainda não possuía prática para fazer modelos pequenos, decidiu iniciar pelo maior. 

Ao todo, o trabalho levou 120 horas para ficar pronto. A partir disso, Roberto nunca mais parou de construir miniaturas para a maquete.

Prédio grande da Oficina da EFSC. Foto: Kamile Bernardes / O Município Blumenau.

Casa do senhor Baumgarten

Cada uma das construções possui uma história diferente e ocupa um lugar especial na memória de Roberto. Contudo, uma situação específica é a mais especial para o ferreomodelista.

No ano de 2020, ele desejava reproduzir a casa do senhor Erich Baumgarten, que era chefe da oficina da estrada de ferro. De acordo com Roberto, a Furb demoliu a casa nos anos 80. Na época, ele já trabalhava na universidade e, por isso, possuía uma vaga lembrança da residência.

No entanto, os dois únicos registros fotográficos que existem da casa não são nítidos o suficiente para ser possível enxergar todos os detalhes. E apenas a sua memória não era o suficiente para conseguir reproduzir o imóvel fielmente.

Registro fotográfico da casa do senhor Baumgarten, localizada no fim da rua. Foto: Arquivo Histórico de Blumenau.
Imagem anterior com zoom na casa do senhor Baumgarten. Foto: Arquivo Histórico de Blumenau.

Entretanto, em conversa com a historiadora Sueli Petry, Roberto soube que o filho do senhor Baumgarten ainda está vivo. Ela não sabia dizer como ele se chamava, mas tinha conhecimento de que era advogado.

Com isso, Roberto se perguntou como faria para encontrá-lo, uma vez que existem muitas pessoas com o sobrenome Baumgarten na cidade.

Todavia, por sorte, o filho do ferreomodelista também é advogado, e conseguiu encontrar o telefone de um profissional com tal sobrenome e número de registro bem baixo na OAB. Então, com o número em mãos, Roberto fez a ligação e foi atendido pela secretária de Heimo Walter Baumgarten.

Devido ao contexto pandêmico, o advogado estava confinado em casa e por isso não poderia atendê-lo pessoalmente. Uma semana depois, a secretária retornou a ligação afirmando que havia explicado para Heimo do que se tratava e ele permitiu que Roberto fizesse uma ligação.

Durante a chamada, Heimo Baumgarten contou que nasceu na residência e morou lá até completar 18 anos, que foi quando a Estrada de Ferro fechou e a família se mudou do local. Apesar de também não possuir nenhuma foto da residência, Heimo alegou recordar muito bem da casa de sua infância.

Fotografia da casa do senhor Baumgarten. Foto: Arquivo Histórico de Blumenau.

Diante da situação, Roberto teve a ideia de fazer alguns desenhos e mandar para ele por WhatsApp, para que a partir de sua memória, pudesse sugerir alterações. Entretanto, o plano não deu certo pois o senhor Heimo não sabia usar o aplicativo de mensagens.

Sendo assim, Roberto retornou para a secretária a fim de procurar mais uma solução alternativa. Ela sugeriu que ele fizesse os desenhos e enviasse para ela, que iria imprimir e entregar ao advogado semanalmente. Posteriormente, ela escaneava e mandava de volta para Roberto, com as sugestões de alteração que Heimo havia anotado.

“Ter construído a miniatura casa dessa forma e a história de como cheguei até ele para mim é fascinante, porque do nada eu consegui falar com o cara que nasceu naquela residência. E, além disso, ele me passou as características por desenhos no meio de uma pandemia”, fala Roberto.

Um dos desenhos feitos por Roberto e enviados para a correção de Heimo Baumgarten. Foto: Kamile Bernardes / O Município Blumenau.

Levou seis meses para Roberto conseguir todas as informações e finalmente terminar a planta da casa. A construção demorou mais dois meses. Quando a casa estava pronta, o resultado foi mostrado a Heimo Baumgarten, que afirmou estar perfeita e exatamente igual à antiga residência.

Para Roberto é muito gratificante pensar que conseguiu reproduzir uma casa que possui tão poucos registros, além da sensação de ter presenteado Heimo, que com 89 anos conseguiu uma recordação da casa de sua infância.

“Ele me pediu para fazer várias fotos porque ele não tem nenhuma foto da antiga casa, e agora ele tem o resgate da memória aqui na maquete”, afirma Roberto, com orgulho.

Casa do senhor Baumgarten, chefe da Oficina da EFSC. Foto: Kamile Bernardes / O Município Blumenau.

Casinhas dos guarda-chaves

Guarda-chave é o profissional responsável pela sinalização da chegada do trem e por vigiar e manobrar as chaves nos desvios ou entroncamentos dos trilhos. As chamadas “casas dos guarda-chaves” eram espaços pequenos, que com o fim da EFSC foram destruídos.

O que restou das antigas casinhas são apenas duas fotos. Porém Roberto precisava das medidas, e não sabia o que fazer para conseguir. Até que, depois de muito pensar, se deu conta de que poderia descobrir o que precisava a partir de mata-juntas, tábuas e um pouco de lógica.

Reprodução das casinhas dos guarda-chaves. Foto: Kamile Bernardes / O Município Blumenau.

Roberto se recordou de que as mata-juntas costumam ter uma largura padrão de 5 cm e as tábuas de 25 cm. Com isso, através das fotos, ele contou quantas mata-juntas e tábuas tinham e desvendou o tamanho das casinhas. Atualmente, há 16 casas de guarda-chaves na maquete, e estão localizadas nos pontos que apresentam desvios mais acentuados.

Reprodução das casinhas dos guarda-chaves. Foto: Kamile Bernardes / O Município Blumenau.

Armazém da EFSC

A reprodução do Armazém de Cargas da Itoupava Seca foi um processo demorado. Neste caso, o ferreomodelista tinha conhecimento das medidas e duas fotos do local, mas ambas não mostravam a parte traseira da construção. Como Roberto não inicia uma construção sem antes ter todas as informações sobre aquilo que irá reproduzir, ele precisou afunilar o processo de pesquisa.

Durante as tentativas de descoberta, conversou com um amigo historiador que conhecia um ferroviário que ainda estava vivo. Com mais de 80 anos, o chefe da estação ferroviária da Itoupava Seca informou não se recordar de como era a parte traseira do local.

Quando Roberto estava quase pensando em desistir de recriar o armazém, o mesmo amigo lhe enviou, despretenciosamente, uma foto antiga e aérea da empresa Teka. Analisando a foto, Roberto percebeu que dando zoom na imagem era possível ver o armazém. Assim ele conseguiu a informação que faltava: a construção possuía quatro portas grandes de correr em sua parte traseira.

Armazém de cargas da Itoupava Seca. Foto: Kamile Bernardes / O Município Blumenau.

Exercício de paciência

Durante o processo de construção de cada prédio, Roberto aprende algo novo. No início, ele não sabia como poderia fazer os telhados das casas, pois desejava que ficassem com um aspecto realista. Para sanar a dúvida, decidiu ir até a Furb falar com uma turma de arquitetura.

Os alunos, que também costumam construir maquetes, revelaram o segredo para Roberto: papel corrugado. No começo, ele achou ser algo simples, porém, durante o processo, percebeu que o trabalho seria demorado. Dividido em etapas de riscar, colar, pintar e amassar, Roberto leva em torno de 6h apenas para a construção dos telhados dos prédios.

“Tudo é demorado nesse trabalho, e não se deve ter pressa. Gosto de todas as etapas e aproveito cada uma delas”, afirma o ferreomodelista.

Miniatura do Casarão Boing. Foto: Kamile Bernardes / O Município Blumenau.

Situações curiosas

É possível perceber que para ter a engenhosidade de Roberto, é também necessário prestar atenção nos detalhes e, principalmente, possuir muita curiosidade e vontade de aprender. Sendo assim, Roberto está sempre estudando para inserir coisas novas na maquete.

Recentemente, ele estava pensando em maneiras de fazer o rio Itajaí-Açu e, um dia, se deparou com uma maquete feita para apresentar um loteamento que estava sendo construído na cidade. Na miniatura, havia um lago enorme.

O ferreomodelista conta que passou mais de 1h analisando o trabalho e, em determinado momento, pediu permissão aos atendentes para colocar o dedo no tal lago. Com isso, ele descobriu que o material utilizado para dar o aspecto brilhoso, como se fosse água, é um plástico transparente e pintado com tinta acrílica.

“Os caras pensavam que eu queria comprar um lote, mas na verdade queria descobrir como tinham feito o lago, para eu poder fazer o rio Itajaí-Açu na minha maquete”, conta o ferreomodelista, aos risos

Lago que Roberto fez em sua maquete para testar e posteriormente fazer o rio Itajaí-Açu. Foto: Kamile Bernardes / O Município Blumenau.

Em outra situação, Roberto foi colocar uma película em seu celular se deu conta de que o material poderia servir como vidros para as janelas das casas da maquete.

Placa original da EFSC

Através de sua formação técnica em eletromecânica, Roberto também dedica seu tempo no conserto de algumas que adquire e que, por vezes, vêm estragadas. Porém, o gosto pelo ferreomodelismo o fez aprender muitas coisas e começar a restaurar outros objetos, inclusive, um que ele jamais imaginara: uma placa original de 1934 da Estrada de Ferro de SC.

Tudo começou quando encontrou uma casa de um antigo ferroviário, que tinha a placa exposta na fachada da residência. Contudo, os donos não aceitaram vender o objeto. Um tempo depois, o amigo historiador encontrou uma outra casa que também tinha a placa e o presenteou. No entanto, não dava para ver absolutamente nada, ele teve que restaurar completamente o artigo, que atualmente está exposto na parede em frente à maquete.

Placa original da EFSC, reformada por Roberto. Foto: Kamile Bernardes / O Município Blumenau.

Fábrica de amizades

Além de ser um hobby, para Roberto, o ferreomodelismo é também uma fábrica de amigos. Ele guarda com carinho todas as pessoas que cruzaram seu caminho através do passatempo e que, de alguma forma, o ajudaram na construção da maquete.

“O que partiu de um trenzinho de brinquedo acabou se tornando um leque enorme de amigos. Eu nunca imaginei que o que começou em uma brincadeira de natal se tornaria isso tudo”, confessa Roberto.

Amizade que inspira

Através do Facebook, Roberto conheceu uma das pessoas que mais o auxiliou na construção da maquete. Ricardo Luiz Busse tinha uma maquete com o mesmo sistema que o de Roberto e, por isso, passaram a trocar informações. Toda vez que possuía alguma dúvida, era para Ricardo que o blumenauense ligava.

O amigo deu várias sugestões para Roberto, como colocar morros, passagens de nível, pontes, um túnel e também uma igreja, que segundo ele eram peças fundamentais em uma maquete. Por influência do amigo, Roberto precisou ampliar o espaço da mesa que abriga suas miniaturas.

Miniatura da Capela São João Batista, localizada em Penha. Foto: Roberto Bernhard Disse.

Em agosto de 2021, Ricardo esteve na casa de Roberto e eles ficaram conversando durante toda a tarde. Alguns dias depois, ele ligou para Roberto dizendo que estava com Covid-19. Após mais três dias, ele foi intubado, teve uma parada cardíaca e faleceu.

Em homenagem ao amigo, Roberto construiu na maquete uma nova praça, que levará o nome de Ricardo.

Praça construída em homenagem a Ricardo Luiz Busse. Foto: Roberto Bernhard Disse.

“A única foto que tenho de meu amigo Ricardo Luiz Busse, que perdemos para a Covid-19. Ele muito me ensinou e inspirou no ferreomodelismo, por isso fiz a praça em seu nome, como uma singela homenagem”, explica Roberto.

Ricardo Busse, ferreomodelista falecido em 2021 devido a Covid-19. Foto: Arquivo pessoal.