Vítimas denunciam abusos sofridos por fotógrafo conhecido do Vale do Itajaí

Relatos de jovens envolvem pedofilia, assédio, importunação sexual e estupro

Alerta de gatilho: a reportagem a seguir pode reacender traumas e não é aconselhável para pessoas sensíveis ou que já tenham vivido ou presenciado situações semelhantes.

Uma investigação envolvendo as polícias Federal e Civil, a pedido do Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC), está averiguando denúncias de décadas contra um fotógrafo de Balneário Camboriú. Vítimas relatam assédio, importunação sexual e estupro envolvendo crianças e adolescentes.

Há mais de 20 anos, Jorge Moura agencia modelos e coordena misses e misteres na região de Balneário Camboriú. Ele também já atuou como colunista em jornais, assim como assessor de imprensa.

O caso estourou no litoral catarinense no dia 25 de março e desde então mais meninas e mulheres estão relatando terem sido vítimas do fotógrafo. As vítimas tinham entre 4 e 27 anos na época dos crimes. Algumas denúncias chegam a ter quase três décadas.

Com apenas 12 anos, Cassandra* foi uma das primeiras clientes de Jorge. A família da adolescente veio do interior do Paraná no início de 1993. O sonho de se tornar modelo surgiu quando ela recebeu um panfleto na escola e ela logo procurou um trabalho para pagar o curso.

“Naquela época essa era a maior conquista que uma mulher podia ter. Queria ser famosa, ajudar minha família. Era uma menina vinda do mato que não sabia nada da cidade grande. Na minha ingenuidade, nunca pensei que ele faria algo der errado”, conta a vítima, hoje com 41 anos.

A família relutava com o desejo da jovem, mas ela seguiu buscando o sonho. Portanto, quando foi abusada sexualmente pelo fotógrafo, ela não teve outra reação a não ser fugir e nunca mais entrar em contato com ele. Após o trauma, a única foto que ela ainda tinha foi jogada fora.

“Ele dizia que eu não tinha altura suficiente nem rosto de modelo. Por isso precisava fazer uma cara sensual para ficar famosa. Ele tocou minhas partes íntimas e tentou beijar minha boca e só parou quando viu que eu estava congelada chorando. Dizia estar tentando só me ajudar e tentou me manipular falando da minha família”, relata a vítima.

Após o abuso, Cassandra desenvolveu depressão e passou a se automutilar e considerar suicídio. Para piorar a situação, ela perdeu o pai para o álcool aos 15 anos. Foi apenas aos 30, após buscar apoio na religião, que ela teve coragem de contar para a mãe o que passou.

“Eu achava que todo mundo que se aproximava de mim só queria se aproveitar. Me usar e jogar fora. Todos meus relacionamentos davam errado e achava que tudo era minha culpa. Aquele homem interferiu com o meu destino e roubou o meu sonho, assim como o de tantas outras crianças“, desabafa.

Décadas de abusos

Mesmo com o passar dos anos, o relato das vítimas segue similar. Ele entra em contato com meninas que estão iniciando a carreira e oferece ensaios, prometendo conseguir trabalhos ou encaminhar elas para concursos de miss.

Um estúdio no Centro da cidade é o ponto onde muitos dos abusos aconteceram. Muitos dos pais eram proibidos de subir para acompanhar a produção das fotos, com a justificativa de que inibiria os jovens de posar para as fotos.

Estúdio funcionava no segundo andar deste prédio. | Foto: Google Street View/Reprodução

Outro endereço em comum era a praia de Barra Sul, para onde elas eram levadas para realizar fotos. Para trocar de roupa, o carro do fotógrafo era utilizado, ou então o banheiro de um quiosque próximo.

Mães de meninas relatam que o fotógrafo já foi flagrado gravando as adolescentes trocando de roupa no estúdio. O espaço contava apenas com um biombo, o que permitia que ele as observassem por um espelho.

Além de pedir por poses e caras sensuais, o fotógrafo também solicitava que as adolescentes não usassem sutiã, com a justificativa de que marcava as roupas. As fotos normalmente eram tiradas usando roupas de praia ou muito justas, expondo o corpo das meninas.

“Minha filha não acredita mais que é capaz”

Uma das meninas que precisou usar o carro do fotógrafo para troca de roupas foi Melissa*. Com apenas 7 anos, ela também acreditava estar no caminho para se tornar uma modelo de sucesso. O sonho continuou até as investigações virem à público.

A mãe da menina conta que já haviam tentado alertar a família de que Jorge vendia as fotos na internet. Entretanto, ele negou as acusações, dizendo que as pessoas que diziam isso tinham inveja de Melissa e de como ela estava ganhando destaque na internet.

“Eu sabia que qualquer pessoa podia pegar as fotos do Instagram e fazer isso. Mas não esperava isso de quem fotografava minha filha. Não desconfiava de nada. Ele era uma pessoa maravilhosa e ajudava muito a gente“, relata a mãe.

Fotos feitas por Jorge foram encontradas em sites voltados à pedofilia. | Foto: Reprodução

Foi apenas após as acusações virem à público que ela passou a pesquisar os sites de pedofilia infantil e encontrou as fotos da filha. A mãe também relata que sabe que Jorge fazia vídeos durante as sessões, mas que nunca compartilhou as imagens com ela.

“Todas as fotografias ele me mandava, mas nunca vi os vídeos. Ele também dizia que ganhava as roupas e o nosso pagamento das lojas, mas depois descobri que era tudo mentira. Ele quem comprava e nos pagava”, conta.

Atualmente com 9 anos, Melissa levou alguns dias até entender a gravidade do crime. A mãe conta que inicialmente ela chorava, preocupada com o que podia acontecer com o fotógrafo que a tratou com tanto carinho.

“Depois de ver e ouvir muita coisa, ela disse que quer que ele seja preso. O que mais me deixa triste é saber que ele tem tantas passagens pela polícia, até por estupro, e está livre. Acreditávamos tanto no sonho da minha filha, e agora ela não acredita mais que é capaz”, lamenta.

Fotógrafo já era investigado

Por se tratar de um caso envolvendo pedofilia, a investigação segue em sigilo. Portanto, a polícia não revelou detalhes. Entretanto, inquéritos já foram instaurados e há condenações no nome dele.

De acordo com o delegado Eduardo Dallo, da Delegacia da Criança e Adolescente de Balneário Camboriú, ele já foi investigado pela Polícia Civil no passado, mas a investigação foi para a Polícia Federal por se tratar de pedofilia internacional.

Na semana passada, dia 29 de março, vítimas e familiares se reuniram no Fórum de Balneário Camboriú para registrar a denúncia conjunta e cobrar que a investigação seja feita de forma minuciosa.

Foto: Letícia Dias

A repercussão e união foi importante para que mais mulheres e mães tivessem coragem de denunciar o fotógrafo, influente na cidade. Mais de 30 boletins de ocorrência já foram registrados denunciando ele.

O Programa Abraço à Mulher, que presta apoio a mulheres vítimas de violência ou em vulnerabilidade social de Balneário Camboriú, se colocou à disposição para fazer o acolhimento e acompanhamento das vítimas e suas responsáveis gratuitamente.

A reportagem tentou entrar em contato com Jorge Moura por telefone. Entretanto, ele não retornou as ligações. O jornal segue aberto para o posicionamento do acusado ou de seu representante jurídico, obedecendo assim preceitos éticos do jornalismo.

*O nome das vítimas foi alterado para proteger a identidade delas.


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