Por Stêvão Limana
Perplexo, mil vezes perplexo. Aterrorizado, mil vezes aterrorizado. Perdido, mil vezes perdido.
Era por volta das 9h da quarta-feira, 5, eu estava no telefone, conversando com uma fonte para detalhar algumas informações que eu publicaria aqui na coluna, naquela tarde. Com o telefone na orelha, comecei a sentir que ele não parava de vibrar. Ignorei por alguns minutos, pensei que pudesse ser um “famigerado” grupo de amigos que achara algo em comum para conversar. Isso é raro, mas acontece muito, aliás!
Com a insistência das mensagens chegando, fui obrigado a deixar minha fonte no viva-voz e rolar a barra de mensagens do Whatsapp. Foi neste momento que eu arregalei os olhos e soube que o mundo estava prestes a cair.
Saí rapidamente da sala e contei a notícia para o diretor da rádio Mix, Tiago Spinelli. Ele estava de fone e não ouviu direito o que eu falava. Pedi para que ele tirasse o fone e a reação dele foi a mesma: pavor. Pai de uma menina, Montanha (como é conhecido), ficou sem palavras. Eu me despedi e fui direto ao estacionamento do Parque Vila Germânica.
Estava com um outro compromisso marcado para o mesmo horário, mas, como os dois locais eram próximos do “tal” local do ataque, hesitei em cancelar. Pensei que pudesse conciliar as duas coisas. Em determinado trecho da rua Humberto de Campos, parei minha scooter e dei meia volta. Pensava, comigo, que não haveria necessidade; que os colegas estavam por lá e dariam conta.
Até cheguei a fazer o trajeto reverso por alguns metros, quando senti algo que fez eu repensar e dizer: já que estou aqui, vou mais um pouco. Foi aí que comecei a cruzar com ambulâncias, viaturas do Corpo de Bombeiros e carros de passeio em alta velocidade. Os motoristas buzinavam e furavam o semáforo, provavelmente pais indo atrás de informações. Segui o mais rápido que pude.
Não consegui estacionar em nenhum local, então, decidi parar na calçada, mesmo. Com um olhar de apavoramento, fui até ao burburinho. Foi exatamente ali que parecia que eu estava entrando em alguma ficção escrita por Júlio Verne. Era um mundo paralelo; uma realidade de guerra regida por uma sinfonia de sirenes com notas de choro; que, infelizmente, revivo ao narrar por aqui.
O coração disparava; a barriga tremia e a perplexidade tomava conta. Saquei meu celular para tentar registrar vídeos, fotos, o pudesse ser feito no emaranhado de tensão. Eu sei, é complicado expor a tensão e dor dos outros, mas era o momento disso ser externado.
Comecei minha jornada de repórter às 9h40min relatando tudo à CNN Brasil. Notava uma certa ansiedade, do lado deles, por novas informações e detalhes. Eram inúmeras outras ligações no meu celular de rádios e tvs do país em busca dos fatos, e eu não entendia. Não entendia a gravidade do que foi aquilo, do impacto no Brasil e de tudo que ainda iria acontecer.
As horas foram passando, as entradas ao vivo chegando. Com diversos “processos” jornalísticos a serem realizados, acabei deixando minhas emoções de lado. Afinal, não poderia “atrapalhar” o que estava a ser dito por conta do meu juízo de valor.
Enfim, foram mais de 10 entradas ao vivo para todos os telejornais da CNN na quarta-feira e 4 para a rádio Gaúcha. Tudo era um misto de sentimentos. Eu estava em uma das maiores tragédias de Santa Catarina, falando com os meus “ídolos do jornalismo” como se estivesse dando bom dia ao porteiro. Foi aí que recebi um áudio do grande amigo, Daniel Scola, colunista da Zero Hora: lembre-se, Stêvão! Grandes coberturas revelam grandes repórteres. Foi um acalento, um renovo de energias para seguir.
As horas pareciam voar, uma piscada e já estávamos à noite. Não sentia fome, apenas sede. O posto de combustíveis ao lado da creche virou o “QG” da imprensa, local em que comprávamos água e usufruíamos das tomadas para carregar os equipamentos. Não me sentia cansado, arrisco que poderia até correr alguns quilômetros, ainda, no meio da cobertura. Mas, a sensação que eu tinha era de que tivessem sugado meu ânimo do corpo.
Por algum tempo evitei conversar com pais e familiares das crianças. Só me aproximava para saber o necessário, já que é muito fácil o jornalismo errar a mão e provocar a espetacularização de uma tragédia e eu também não estava muito bem para lidar com tudo aquilo, no exato momento.
– Dormir, como dormir? Descansar, como descansar?
Assim foi a madrugada inteira até o amanhecer de quinta-feira, momento de acompanhar o velório e a despedida dos familiares. A sensação que eu tinha é que a ficha ainda não havia caído, até ver um dos carros da funerária retirar o caixão de um dos meninos vitimados no ataque.
A cerimônia de sepultamento das crianças ocorria de forma individual. Mesmo com a peculiaridade de cada família, o sentimento de tristeza e o semblante pasmo era universal. As homenagens duraram cerca de 40 minutos, cada.
Durante a tarde os olhos voltaram a se concentrar em frente à creche. Logo quando cheguei, um mar de coroa de flores coloria o chão. Velas iluminavam desenhos e brinquedos de pelúcia.
A porta da escola virou local de peregrinação. Pessoas de todos os lados do país chegavam para prestar uma homenagem, algumas até acompanhadas por crianças. Frequentemente, grupos eram formados, davam-se as mãos e oravam em voz alta.
De toda a cobertura jornalística do fato, não foi nem entrar na escola, ir até ao pátio onde o crime ocorreu ou ver as mochilas das crianças mortas penduradas na parede que doeu tanto no meu coração. Prestes a entrar ao vivo para o CNN 360, eu desabei.
– Sim, toda aquela concentração e tentativa de inibir as emoções foram por água abaixo.
Chorei! Chorei muito ao ver um coleguinha de uma das vítimas chegar com um vaso de flores, beijar e colocá-lo no chão. Para mim, esta foi a cena que exemplificou e fez os meus olhos entenderem a profundidade que este ataque significou.
Desolado, mil vezes desolado. Devastado, mil vezes devastado. Esperançoso, mil vezes esperançoso.