Das Kino - Um olhar crítico sobre o cinema

Jéssica Frazão é doutoranda na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e escreve sobre cinema, artes e produção audiovisual.

“Escolha de José Padilha para dirigir série sobre Marielle Franco é violenta e desrespeitosa”

Colunista comenta sobre indicação de José Padilha para direção do programa

A plataforma de streaming Globoplay divulgou recentemente que entrará para o seu catálogo uma série de ficção sobre a trajetória da vereadora e ativista negra Marielle Franco, assassinada cruelmente a tiros em 2018, fato ainda não esclarecido.

Dividida em duas temporadas, a série, que será gravada nos Estúdios Globo e tem previsão de lançamento para 2021, foi alvo de críticas, principalmente após a indicação de José Padilha (“Tropa de Elite 1 e 2”; “O Mecanismo”) para fazer a direção da obra. Imaginava-se que a história de Marielle viraria roteiro de filmes e séries. No entanto, a escolha do diretor para executar um projeto com esta temática não agradou. Por que indicar Padilha para a direção é tão violento e desrespeitoso?

Quando os responsáveis pela série são três pessoas brancas, Antonia Pellegrino, produtora, George Moura, roteirista, e José Padilha, diretor, a série reascende os debates em torno das questões de racismo estrutural.

Antonia Pellefrino e Padilha

O desrespeito da série existe quando observamos a desvalorização de artistas negros e negras no projeto, quando naturalizamos a posição de poder de um diretor branco que, como já sabemos pelos seus trabalhos anteriores, transforma agentes violentos em heróis nacionais. Como bem aponta o site Alma Preta, Padilha é “o homem que deu e dá ferramentas simbólicas para a construção do fascismo e genocídio da juventude negra no país”.

A opressão da série existe quando a branquitude se apropria e se promove em cima das pautas, histórias e subjetividades da comunidade negra, sem sequer refletir sobre como isso pode ser um problema. É preciso sensibilidade para tratar dessa história. Invisibilizar, portanto, homens e mulheres negras e LGBTI+, é um desrespeito a tudo que Marielle defendia.

Antonia Pellegrino, responsável pela indicação de Padilha para direção, conseguiu piorar a situação quando, defendendo-se das críticas, disse que escolheu Padilha por não existir, no Brasil, “um Spike Lee, uma Ava DuVernay”, que são diretores estadunidenses negros de enorme relevância.

Marielle Franco

Ao contrário, podemos afirmar que temos, no Brasil, muitos “Spike Lees”, só esperando para ter uma chance. A produtora, roteirista e diretora Sabrina Fidalgo nos traz alguns nomes: “Adélia Sampaio, Carmen Luz, Lilian Solá Santiago, Jeferson De, André Novais de Oliveira, Gabriel Martins, Viviane Ferreira, Yasmin Thayná, Glenda Nicácio, Thiago Almazy, Lázaro Ramos, Jéssica Queiroz, Irmãos Carvalho, Jô Bilac, Grace Passô, entre muitos outros”.

Por conta da repercussão negativa, Antonia Pellegrino se desculpou publicamente na última quarta-feira, dia 11. “Gostaria de agradecer a todas as pessoas negras, do cinema ou não, coletivos, blogs, movimentos e sites que apontaram meu erro e me fizeram enxergar o que a branquitude não o fez”, comentou.

Em reação, Pellegrino disse que a Globo e a Antifa Filmes, ironicamente o nome da produtora de Padilha, decidiu convidar mais negros e negras para fazer parte da equipe da produção audiovisual. Sabemos, entretanto, que um projeto comprometido com a luta por justiça de Marielle Franco jamais poderia ser dirigido por José Padilha, não só porque lugar de fala importa, mas porque não parece adequado o diretor querer recuperar sua biografia, bastante prejudicada depois de “O mecanismo”, fazendo uma obra sobre Marielle.

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