Das Kino - Um olhar crítico sobre o cinema

Jéssica Frazão é doutoranda na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e escreve sobre cinema, artes e produção audiovisual.

Netflix apresenta primeira série brasileira bilíngue: libras e português

Série criada em 2014 chegou neste mês a Netflix

“Num universo onde o som não existe, jovens surdos enfrentam os desafios de uma sociedade desenhada apenas para ouvintes”. Esta é a sinopse de Crisálida, a primeira série brasileira ficcional bilíngue, em Libras e Português, que chegou ao catálogo da Netflix.

Motivo de orgulho para a região, esta importante e necessária produção sobre a comunidade surda foi produzida em Florianópolis. Quem é de Santa Catarina sentirá familiarização com imagens da ponte Hercílio Luz, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), da Beira-Mar Norte, do Mercado público, entre outras.

Divulgação / Netflix

A série, criada em 2014, é de autoria de Alessandra da Rosa Pinho, aluna de Letras Libras da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e retrata situações psicológicas e sociais vividas pelos surdos. A produção pretende alterar a habitual percepção que a população brasileira, distante desta realidade, geralmente têm sobre a comunidade surda.

Segundo o IBGE (2010), há cerca de 9,7 milhões de surdos no nosso país, uma parcela expressiva. Perceber e se aproximar da comunidade, identidade, língua e cultura surda, além de ser um ato político, contribui para a não continuidade de um contexto de exclusão imposto aos surdos pelo universo ouvinte.

Alessandra da Rosa Pinho, também produtora-executiva da série, comenta que Crisálida é uma série sobre surdos, mas não somente para surdos. Ela foi pensada também para ouvintes, para que possam reconhecer o espaço dessas pessoas na sociedade e perceber que elas existem.

Em quatro episódios independentes, acompanhamos o cotidiano, as dificuldades, os preconceitos, as relações familiares e amorosas e a importância da Língua Brasileira de Sinais na ponte entre universo surdo e ouvinte.

Um intérprete de libras e um consultor surdo foram chamados pelo diretor Serginho Melo para conectar, de forma apurada, as histórias durante os capítulos. Existem várias expressões do cotidiano dos ouvintes que os surdos desconhecem. Houve, portanto, o cuidado em adaptar cenas e textos. Para acompanhar a narrativa da série, ouvintes podem habilitar a legenda.

Muito interessante é a questão da expressão facial e corporal dos atores surdos, já desenvolvida pela comunicação, independente de atuação. O diretor comenta sobre o fato de o sinal em Libras para “estou entendendo” ser igual ao de “não estou entendendo”. O que muda, neste caso, é a expressão facial: Se a pessoa não está entendendo ela faz uma expressão negativa. Se estiver entendendo, ela faz uma expressão positiva.

Muitos destes atores estão hoje sendo convidados para outros trabalhos, apesar do histórico referente aos obstáculos e falta de inclusão e oportunidades que enfrentam no mercado de trabalho. A série, além de abordar a temática, valoriza os atores surdos e sua comunidade no seu elenco.

Antes de virar série, Crisálida começou como curta-metragem, de mesmo nome, contemplado em 2014 por um Edital do Fundo Municipal de Cinema de Florianópolis, o Funcine, na categoria piloto para série de TV.

Em 2019, Crisálida também foi contemplada pelo Prêmio Catarinense de Cinema, para possibilitar a gravação da segunda temporada. Porém, além da situação que lidamos com o Coronavírus, a equipe de produção aguarda a liberação de projetos paralisados pela Ancine. Os produtores comentam que, até mês passado, não havia qualquer posição sobre isso.

Crisálida é mais um exemplo do debate que sempre faço por aqui sobre a importância de defender as Políticas Públicas para o setor audiovisual. Um setor que gera emprego, renda, traz visibilidade para as comunidades, reforça as várias expressões artísticas e culturais que representam a diversidade do Brasil e que tem importância significativa na economia criativa do país.

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