Das Kino - Um olhar crítico sobre o cinema

Jéssica Frazão é doutoranda na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e escreve sobre cinema, artes e produção audiovisual.

Uma análise sobre as propostas dos candidatos a prefeito para o cinema de Blumenau

Em pesquisa às propostas dos candidatos à Prefeitura de Blumenau, acessíveis no portal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), me dediquei a conhecer quais seriam voltadas, efetivamente, para a área do cinema e do audiovisual.

Dos 12 candidatos, João Natel (PDT) propõe ações mais incisivas. No seu plano de governo, considera-se o fomento e incentivo ao cinema na cidade, a partir de projeções de filmes regionais, nacionais e internacionais, democratizando o acesso a este conteúdo audiovisual nos bairros de Blumenau.

A importante proposta de criação de uma Film Comission também deve ser mencionada, uma vez que se pretende colocar Blumenau na rota de interesse das produções, promovendo turismo cinematográfico. Blumenau é uma cidade que, como mencionei em colunas anteriores, já foi pioneira na produção e exibição cinematográficas, a nível regional e nacional.

Além disso, Natel é o único candidato a propor a reativação da Fundação Cultural de Blumenau, que perdeu status e independência, ao ser transformada em uma Secretaria de Cultura durante a reforma administrativa do governo de Mário Hildebrandt, no ano de 2019. Apesar de aparente boa intenção, na prática, a reforma significou perda de autonomia e menos diálogo com a comunidade artística, visto que o poder decisório fica unicamente nas mãos do próprio prefeito e seu comitê.

Não posso, todavia, apenas tecer críticas ao candidato à reeleição. Além do candidato do PDT, ele foi o único que, pelo menos, apresentou uma proposta para o audiovisual: a de implementar o Museu da Imagem e do Som na cidade, utilizando estruturas já existentes. É somente uma pena que durante seu mandato, não houve qualquer menção dessa natureza e nem movimentação para implementação do que agora é prometido em campanha.

Salvaguardar a memória audiovisual, de fato, é importante. Porém, igualmente importante é a necessidade de incentivo aos artistas e produções locais, aos festivais e mostras de cinema, e à formação de público. Tendo em vista o que o governo de Hildebrandt fez com a Fundação Cultural, a promessa de um MIS em Blumenau não anima muito, pois a cultura não pareceu ter sido prioridade em seu governo, até então.

Editais de cultura municipais são fundamentais para a arte e cultura local, e alguns dos candidatos sabem disso. Nesse sentido, trago uma ressalva sobre o Prêmio Hebert Holetz. Apesar da justa homenagem ao importante nome do cinema local, ao qual também já dediquei uma coluna, a realidade de quem tenta o edital em cinema e vídeo não é nada fácil.

De uns anos para cá, o edital passou a ser bienal e contempla apenas um mísero projeto por vez, em uma cidade do porte de Blumenau. Precisamos urgentemente de mais apoio ao meio e de mais projetos aprovados por vez, considerando um maior repasse à cultura. Que candidatura abraçará o tema?

Quem propõe, por exemplo, a escrita de um roteiro ou algo em modalidade de pesquisa, tem pouquíssimas chances de ser contemplado, porque irá competir com quem propõe uma produção audiovisual completa, e deve fazer mais com menos. Na prática, isso significa tirar leite de pedra. Dar conta de um processo que vai desde a pré até a pós-produção, com pouco repasse, é extremamente complicado. Quem já fez um filme sabe a dificuldade que é.

Outra questão problemática do edital é pontuar os projetos por sua relevância cultural, um critério confuso. Conversando com colegas da área do cinema e da performance na cidade, percebemos como outras áreas culturais, como as danças folclóricas e os clubes de caça e tiro, são facilmente reconhecidas por sua relevância cultural em Blumenau. Não estou dizendo que estas não são manifestações importantes, apenas que é preciso valorizar, igualmente, as áreas artísticas que propõem um olhar transgressor às tradições.

Elogio, contudo, a melhoria da questão burocrática do edital, a exemplo da atual não necessidade de anuências, que em muito ajudou os artistas. Esperamos, para 2021, uma Blumenau que não espere que as ações de formação artística e cultural aconteçam apenas por intermédio da contrapartida exigida no Prêmio Hebert Holetz, e sim em variadas condições, por respeito às necessidades locais.

Os poucos candidatos que mencionam as palavras “Cinema” e “Audiovisual” em seus planos de governo, o fazem de forma genérica e imprecisa. A maioria não menciona e nem possui qualquer proposta para o cinema e audiovisual, demonstrando desconhecimento da área e, consequentemente, da História da cidade.

“Incentivar produções culturais”, “valorizar/apoiar os artistas locais”, como li em vários planos de governo, podem até servir como termos guarda-chuva, mas deixam claro uma total falta de diálogo com o setor, não procurando conhecer suas demandas reais, nem pensando um processo de construção coletiva.

Propostas sérias garantem espaço e fomento para produções blumenauenses e brasileiras independentes, bem como a formação e difusão, para contemplar a cadeia produtiva do cinema nas mais diversas perspectivas. Pensando nisso, como ampliar a possibilidade da experiência cinematográfica na cidade?

Para democratizar estas experiências para públicos que desconhecem as produções blumenauenses e catarinenses (sim, elas existem!), para garantir um espaço para aqueles que não têm acesso aos cinemas dos shoppings ou querem outra alternativa (locais que não valorizam as produções locais e nacionais e que só visam lucro), deve-se sugestionar propostas por uma estrutura e organização próprias, não de forma generalizadora, como faz a maioria dos partidos, inclusive mais à esquerda, para decepção de quem se identifica e espera soluções da área progressista.

É preciso visar a formação efetiva de comissões, grupos especializados, festivais, mostras, cineclubes, cursos, oficinas e fomento dos artistas, e não apenas como propostas voltadas para a realidade escolar, como vi em planos de governo. Será que não passou da hora da FURB ter um Bacharelado em Cinema e Audiovisual, por exemplo? Por que não há interesse dos futuros gestores em continuar com o Festival de Cinema de Blumenau, que já ocorreu anteriormente em 2012 e foi muito bem-sucedido?

Blumenau já foi cinematograficamente rica em possibilidades. Podemos voltar a ser. Os artistas, estudiosos do cinema, curadores, programadores e mediadores da cultura existem, aqui me incluo. Escutem-nos!


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