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Desafios na conservação do ribeirão Garcia: um estudo de caso abrangente

Dedicado ao dileto amigo Paulo Malburg (10/03/1932 – 17/02/2024)

Hoje passamos a discorrer sobre um estudo de caso que conheço bem, mas que pode ser adaptado e aplicado a muitas outras situações.

No ribeirão Garcia, em Blumenau, que mais merece ser denominado de rio, a maioria de suas nascentes ficam acima dos 800 m de altitude, algumas delas acima mesmo dos 900 metros! As águas precipitam-se dessas alturas para, em apenas 42 quilômetros, desaguar no rio Itajaí Açu praticamente ao nível do mar, no Centro de Blumenau.

Trata-se de curso d’água tecnicamente chamado de lótico, de correnteza forte, em oposição ao lêntico, este caracterizado por correntes mais suaves, mansas. O mesmo pode-se dizer de praticamente todos os seus afluentes, dentro dos 160 quilômetros quadrados de sua bacia.

Devido a essas características, o rio Garcia quase não apresenta areia no seu leito. No lugar da areia, predominam basicamente o areião, os seixos rolados (pedregulhos arredondados) e matacões (pedras) de todos os tamanhos.

Temos a sorte de as florestas nas nascentes dessa bacia hidrográfica estarem hoje totalmente desabitadas e protegidas pelo Parque Nacional da Serra do Itajaí, assim como a maioria dos morros ao longo de toda a bacia.

Ainda bem, pois, sem essas florestas protetoras, os bairros situados nesse vale, que já sofrem com enxurradas periódicas, poderiam ser simplesmente varridos do mapa. Com a proteção florestal ocorre, via de regra, o equilíbrio entre a quantidade de sedimentos carreados e a capacidade do rio de transportar esses sedimentos.

Em outras palavras, o material que chega ao rio descido das encostas e margens, por não ser em grande volume, não se acumula e o resultado é um rio equilibrado, não assoreado com poços profundos, ideais para banhos e mergulhos no verão. Mas, ideais também para a fauna aquática nativa e a boa qualidade das águas.

Nos lugares onde existe ocupação humana (mais desordenada que planejada), principalmente em vales de ribeirões afluentes como o Encano do Garcia, Jordão, vale da rua Rui Barbosa, Glória, Zendron, Araranguá, entre outros, a situação se inverte. A erosão come solta e o aporte de material que assoreia o Garcia aumenta em mais de mil por cento (avaliação cabalística deste autor).

Como consequência, o rio recebe mais material do que a capacidade de ele transportar esse mesmo material, resultando no assoreamento, ou seja, no “entupimento” do leito fluvial. Surge a necessidade das dragagens nos rios, assim como há a necessidade de desobstrução de artérias entupidas por depósitos de gordura no corpo humano.

As diversas dragagens para retirar o excesso de sedimentos e tentar dar mais vazão ao Garcia, assim como em praticamente em todos os demais cursos d’água, caso do rio Dona Emma, objeto de artigo anterior, foram feitas, do ponto de vista ambiental, da pior forma possível.

Qual elefante enfurecido em uma loja de cristais, uma máquina escavadeira vai rasgando caminho pelas margens, arrebentando tudo e destruindo a mata ciliar, hábitats, nichos e ambientes dentro e fora do rio. O material retirado do leito é depositado ali mesmo nas margens, ou seja, aprofundando o leito primário às custas da obstrução do leito secundário.

Como já mencionado aqui, ótima solução para o curto prazo, péssima solução para o longo prazo.

Qual cirurgião picareta que tira gordura de uma artéria do paciente e a deposita em outra, os governos costumam desobstruir as “artérias” fluviais às custas do entupimento de outra – o leito secundário dos rios. O bom cirurgião faz o serviço bem-feito e recomenda dieta e exercícios para prevenir novas obstruções de artérias, garantindo a saúde do paciente a longo prazo. Já os governos, além de fazer a obra errada, pouco se importam com as medidas preventivas para a saúde da paisagem, de onde vem o excesso de erosão que assoreia os rios.

A inevitável necessidade de desassoreamento é tipo de obra que faz a festa na cabeça do político sedento de voto. Acontece que isso pode ser feito com ínfimo impacto ambiental, se comparado com os desastrosos e irresponsáveis métodos tradicionais. Como? Assunto que requer o espaço da próxima coluna, na semana que vem.

Simples. Em primeiro lugar basta selecionar pontos estratégicos desse rio e nesses pontos concentrar a retirada de material. Alguns desses pontos podem ser, por exemplo, no caso do Garcia, na margem oposta aos fundos da rua Avelino Pering, foz do ribeirão Krooberger ou Rui Barbosa, dois ótimos pontos nos fundos da Associação Artex e na curva logo abaixo da ponte da rua Osasco, entre outros poucos pontos.

Nesses pontos, de preferência na margem interna de curvas ou cotovelos, podem ser formados grandes “piscinões naturais” (nada de concreto!). Com isso, o rio passa a ter um local para retrabalhar e depositar o excesso de material que está no leito logo acima de cada piscinão.

Com o tempo, o excesso de sedimento, formado principalmente de pedregulho de boa consistência e dureza, irá preencher aos poucos esses piscinões, até a próxima retirada de material, que pode ser concentrada em grandes volumes de uma só vez, ou continuamente, em volumes menores, como se faz com dragagem de areia.

O material dali retirado pode ser aproveitado em obras de engenharia, bases de estradas, asfalto, etc. Jamais deve ser depositado no pouco que restou de leitos secundários, que devem ser mantidos para auxiliar nas vazões das próximas enxurradas. JAMAIS !!! (desculpem o grito).

Em troca de alguns poucos pontos selecionados, poupa-se o enorme impacto causado pelo modelo tradicional, como dissemos, devastador, qual elefante enfurecido em loja de cristais.

Como as máquinas atuarão apenas em alguns pontos específicos e deixam de destruir quilômetros de margens e matas ciliares, as tocas de peixes e lontras, cágados, anfíbios, inúmeros invertebrados, locais de desova, espraiados e abrigos de alevinos que serão os futuros peixes, camarões de água doce e muitas outras espécies de animais aquáticos ou terrestres vizinhos aos cursos d’água, deixarão de ser violentamente impactados como acontece no modelo atual.

Se paralelo a isso ocorrer o controle da poluição hídrica, o rio volta à condição muito próxima da original com a consequente boa qualidade do ecossistema fluvial e das suas águas. E água de qualidade é um dos bens mais preciosos para o ser humano.

Uma dragagem nesses padrões torna-se não apenas muitíssimo menos impactante, fica mais barata e ainda fornece, a exemplo da extração de areia, excelente material para obras públicas ou privadas e a boa vazão do rio fica garantida. Paralelamente, com o aproveitamento desse material, diminui-se a necessidade de mais avanço em pedreiras e saibreiras, diminuindo os impactos nesses outros locais, muitas vezes situados a quilômetros, bem longe do rio.

O melhor de tudo, pelo menos para o ponto de vista do bom político e para o ponto de vista de todos os contribuintes de impostos: diminui-se o impacto ambiental com CUSTOS MENORES!

Seria uma solução ótima para curto prazo e também ótima para longo prazo. Nada de “a natureza e nossos netos que se danem”. Com isso, com melhor equilíbrio ecológico, todos saem ganhando, a atual e as futuras gerações, inclusive o próprio político sedento de votos!

Baú ambiental e ilustração

Foto: Lauro Bacca

Trecho do rio Garcia no Bairro Progresso em Blumenau, mostrando a troca do seis por meia dúzia. O leito do rio foi aprofundado e um pouco alargado, mas, às custas do aterro do leito secundário junto às margens. Todos os ambientes importantes para a vida foram destruídos em ambas as margens por muitos quilômetros. Quem passa ali hoje e vê a exuberante vegetação de árvores às margens jamais irá imaginar que a paisagem não é natural.

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