A barragem furada e inacabada

Escrevendo essas linhas, com certa apreensão, vou me informando da situação das chuvas e das barragens. Fui voluntário medidor de pluviosidade para a Defesa Civil por vários anos depois da tragédia de 2008.

Sempre gostei de medir as chuvas, improvisando pluviômetros bem confiáveis usando vidros de conserva de boca larga onde quer que eu morasse. Por isso sei que no Jordão, em Blumenau, já caíram, até a manhã de segunda-feira, 240 milímetros de chuva. Em oito dias, já choveu o equivalente a um mês e meio da média para outubro.

Toda essa chuva caindo no estado nos últimos dias nos lembra da necessidade de um aprendizado contínuo do processo de convivência com enchentes e suas consequências. Muita coisa já melhorou. No entanto, posso estar redondamente enganado, mas, a sensação é de que no episódio atual de chuvas, alguma coisa está confusa no que diz respeito ao manejo das barragens.

Isso sem mencionar a confusão com a Barragem Norte, localizada em José Boiteux com o descaso de sucessivos governos estaduais e federal e desrespeito total à situação das comunidades da Terra Indígena Laklaño-Xokleng, situada poucos quilômetros acima daquela barragem.

Para nos aliviar de pretensos dois metros de água em Blumenau jogamos dezenas de metros de água para cima das comunidades indígenas, fazendo chegar água onde jamais ela havia chegado e até hoje as compensações não foram cumpridas devidamente por parte dos aludidos governantes.

Barragem Norte: a maior de todas

A Barragem Norte, a maior de todas, armazena 357 milhões de metros cúbicos de água, cerca do dobro das outras duas barragens somadas. Essa barragem tem a vazão controlada apenas por duas comportas, situadas em dois túneis localizados na margem direita do rio Itajaí Norte, nos quais as águas entram por duas estruturas com concreto gradeado que os engenheiros chamam de tulipas.

Na semana passada o secretário da Defesa Civil ficou receoso de mandar fechar as comportas da barragem Norte, pois, com instalações e mecanismos depredados e sem manutenção desde 2014 poderiam, depois de fechados, ficar emperrados, não mais abrindo para o devido esvaziamento das águas represadas. Isso acontecendo, segundo ele, as águas iriam encher até começar a escapar pelo vertedor, não sendo então mais possível esvaziá-la, pelo menos a curto prazo.

Acontece que na base do lado esquerdo dessa barragem existem três entradas de água em aberturas que os engenheiros chamam de células, de 1,65 m por 1,65 m cada uma. Assim que o reservatório começar a encher, toda a água que entrar por essas células, passa livremente, pois, ali, não existe controle por comportas ou registros de fundo.

A vazão por essas três aberturas pode chegar a 240 metros cúbicos de água por segundo, volume equivalente ao que passa por Blumenau e talvez mesmo Itajaí, em tempos normais.

Com isso, o receio do Secretário da Defesa Civil não faria mais sentido, pois, mesmo que as duas comportas da margem direita ficassem emperradas depois de fechadas, com o cessar das chuvas, o esvaziamento da barragem seria garantido pelas três aberturas permanentes da margem esquerda.

Ainda que atendendo a parâmetros técnicos que devemos respeitar, trata-se de uma barragem furada, vaza sempre. Aos técnicos cabe a resposta de, se também ali forem instaladas comportas para controle de vazão, a eficiência do sistema de controle de enchentes melhoraria ou não.

Seja como for, a Barragem Norte, passados 31 anos de sua fajuta “inauguração”, nunca foi completada. Ela continua sendo uma barragem furada, com aquelas três galerias abertas permanentemente no lado da margem esquerda. E ainda bem que nunca verteu, pois, se isso acontecesse, poderiam ocorrer problemas no canal extravasor, que até hoje não foi devidamente terminado.

Desde a fajuta inauguração até hoje, passados longos 31 anos (quase oito períodos de governo de quatro anos!!!), a Barragem Norte permanece inacabada e sendo pivô de muita confusão. Como se vê, não apenas os indígenas têm sido engabelados pelo desprezo e não cumprimento de acordos por parte de sucessivos governos. Os não indígenas abaixo dela também.


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