Ditadura militar de 1964 fez vítimas também em Santa Catarina
Colunista lembra que ex-prefeito de Balneário Camboriú e deputado estadual estão entre as vítimas do regime que hoje é celebrado
“Se um só traidor tem mais poder que um povo, que este povo não esqueça facilmente”. Mercedes Sosa
A imprensa nacional informou: o presidente Jair Bolsonaro (PSL) determinou que o Ministério da Defesa faça as “comemorações devidas”, no próximo dia 31 de março, pelos 55 anos do golpe militar.
O golpe que derrubou o então presidente João Goulart deu início à ditadura militar que governou o país por exatos 21 anos. Neste período, não houve eleição para presidente, o Congresso Nacional foi fechado, as liberdades individuais foram suspensas e a imprensa, censurada. As vozes que se levantavam contra a ditadura eram silenciadas pela morte e tortura.
Apesar de incoerente, a atitude de um presidente em um país democrático, eleito pelo voto popular, pelas urnas eletrônicas e sem manipulação, não surpreende mais. Triste tempos estes!
Não surpreende pois, como deputado, Jair Bolsonaro inúmeras vezes elogiou a ditadura militar, saudou torturadores e afirmou que a ditadura tinha matado e torturado pouco.
O posicionamento do agora presidente não é somente lamentável, pois a Presidência da República é uma instituição e, como tal, deve portar-se sempre em defesa da democracia e das liberdades individuais, como também aponta um desconhecimento e uma irresponsabilidade terrível frente às verdades históricas do que foi aquele sombrio e sanguinário período.
Ná nada para comemorar no dia 31. Há vergonha, dor e tortura. Diferente do que o presidente apregoa, a ditadura no Brasil e na América Latina não se deu por interesses nacionais ou em defesa da democracia. Foi um golpe de estado abertamente apoiado pela CIA, a Agência de Espionagem Americana que recentemente foi visitada pelo atual presidente brasileiro.
O golpe de 1964 teve um único objetivo: garantir a influência do governo americano na região. Deve ser denunciado, e não comemorado.
As atrocidades cometidas pela ditadura militar de 1964 foram investigadas pela Comissão Nacional da Verdade, uma iniciativa do Estado Brasileiro para investigar fatos, causas e consequências de violações de direitos humanos.
Em Santa Catarina, a Comissão Estadual da Verdade (CNV) foi criada pelo governo do estado no ano de 2013, e contou com representantes dos três poderes, além de representantes da sociedade civil.
A comissão apresentou seu relatório em 2014 e fez o levantamento de vítimas que sofreram graves lesões aos direitos humanos. Segundo o relatório, 697 pessoas foram presas pela ditadura militar em Santa Catarina. A grande maioria, prisões ilegais e sequestros.
Há dois casos conhecidos: a morte do ex-prefeito de Balneário Camboriú, Higino João Pio, assassinado em Florianópolis, e o desaparecimento do ex-deputado estadual Paulo Stuart Wright.
Higino João Pio foi o primeiro prefeito de Balneário Camboriú, eleito em 1965. Em função de disputas políticas locais e de ter ligações pessoais com o ex-presidente João Goulart, foi acusado de irregularidades administrativas. Foi inocentado pela Câmara Municipal ainda no ano de 1964.
Dia 22 de fevereiro de 1969, Higino e outros funcionários da prefeitura foram presos por agentes da Polícia Federal. Conduzidos para a Capital, foram interrogados nas dependências da Escola de Aprendizes de Marinheiros de Florianópolis. Após prestarem depoimento, os funcionário foram dispensados.
Higino foi mantido incomunicável. A família foi notificada de seu suposto suicídio no dia 3 de março. As fotos do prefeito morto apresentam ele com os pés no chão, o queixo apoiado em uma vão e os braços dobrados. O Relatório da CNV, com base na análise de dois peritos, concluiu que ele foi assassinado pela ditadura.
O ex-deputado Paulo Stuart Wright nasceu em Joaçaba, era filho de missionários presbiterianos norte-americanos. Casado, pai de dois filhos, era formado em Sociologia. Em 1962, foi eleito deputado estadual. Trabalhava organizando cooperativas de pescadores em todo o estado de Santa Catarina.
Em 1964, teve o mandato cassado. Paulo Stuart Wright tinha 40 anos de idade quando foi sequestrado pelas forças de repressão em São Paulo. Preso no DOICODI do II Exército em 1973, está desaparecido desde então. A CNV apontou indícios que Paulo Stuart Wright foi torturado até a morte.