Qualquer um que digitar “Enchentes de Blumenau” no Google chega à página do sítio eletrônico do AlertaBlu, entre outras, onde consta a lista de todas as enchentes ocorridas no município e região, desde a primeira delas, de 29/10/1852, à qual é atribuída a cota de 16,3 metros acima do nível normal do rio Itajaí Açu.

Essa medição está completamente equivocada, é errada e não confere com os fatos históricos. Esse erro, infelizmente, tem se repetido e se perpetuado à exaustão, seja na internet, seja em dezenas de publicações impressas, um erro tão grande quanto não foi grande essa enchente, conforme veremos a seguir e esta é a segunda vez que este autor aborda esse assunto.

Em 1858, em visita às colônias alemãs no Sul do Brasil, o médico alemão Robert Avé-Lallemant junto com o próprio Dr. Hermann Blumenau, mais outro alemão, embarcou na vila de Itajaí no único transporte disponível na época, uma precária canoa impulsionada por dois remadores rio acima, com destino à sede da Colônia.

Era impossível chegar à Colônia Blumenau em apenas um dia, por isso, pararam para pernoitar em Gaspar na casa da família Schramm, muito acolhedora, segundo o relato deixado. Foi ali que eles viram a marca da enchente de 1855, “a maior de todas” (grifo deste colunista). “É quase incrível que as águas tenham se estendido até esse ponto”, escreveu Avé-Lallemant.

Ora, se a enchente de 1855 chegou a 13,3 metros em Blumenau e foi “a maior de todas”, torna-se improvável que a enchente de três anos antes, ou seja, 1852, tenha atingido uma cota três metros mais alta. A diferença é grande demais para ser atribuída aí um equívoco ou erro de medição, mesmo considerando que a observação de Avé-Lallemant foi feita em Gaspar, junto à foz do rio Gaspar Grande, onde houve o pernoite na casa da família Schramm.

Em agosto de 1852 o mundialmente renomado naturalista Fritz Müller foi o adquirente do lote Colonial número um da Colônia Blumenau, junto com seu irmão August Müller, que comprou o lote número dois, ambos situados no atual Bairro Garcia, cerca de meia hora a pé da sede da Colônia, que se localizava na altura da atual rua das Palmeiras, ou seja, considerando as condições das picadas na mata na época, menos de dois quilômetros desta.

Fritz Müller deixou minuciosos relatos escritos sobre os difíceis primeiros tempos em que suava a camisa às bicas, no duro trabalho de preparo de seu lote colonial. Um desses relatos foi uma longa carta, datada de janeiro de 1853, enviada à querida irmã Rosinha, na Alemanha.

Na carta, Fritz Müller, sem perder o bom humor, se queixa do contínuo tempo chuvoso que os impedia de trabalhar. “Alemães que estão no Brasil há 20 anos, não tinham ideia de terem passado uma temporada tão má”, escreveu, portanto, remetendo a memória histórica para 20 anos antes.

“Nos últimos dias de outubro – continua Fritz Müller – acresceu a esse tempo chuvoso uma enchente tão grande como há muitos anos não acontecia. O nosso Garcia subiu além de 20 pés acima do nível normal. Na minha colônia (…) não houve danos maiores. No lote do Augusto, uma grande parte do mato derrubado, que aqui se chama roça, ficou debaixo d’água. Pior passaram os muitos colonos que moravam abaixo dos nossos sítios e que haviam construído os seus ranchos nas partes mais baixas (grifo nosso); muitos desses ranchos ficaram completamente debaixo d’água e muita coisa se perdeu”.

O respeitado historiador José Ferreira da Silva, sabedor da localização dos lotes dos irmãos Fritz e August Müller, na publicação intitulada “As enchentes no Vale do Itajaí”, informa que “aquela região começa a ser alagada quando o nível de enchente alcança os 9 metros. Deveriam, portanto, as águas do Itajaí, terem chegado a mais de 10 metros acima do normal”, concluiu Ferreira da Silva.

Foi em 1852 que começou, de fato, a colonização de Blumenau, com a entrega dos primeiros dez lotes da Colônia. Esta, na ocasião, resumia-se, quando muito, ao que hoje é a rua XV de Novembro até a região da foz do ribeirão da Velha e, principalmente, da região da Foz do Garcia até no máximo uns dois quilômetros a montante, onde foram entregues os primeiros dez lotes.

Se uma enchente de 16,3 metros, tivesse de fato ocorrido naquela época, a totalidade da incipiente colônia teria sido atingida (100%), não restando sequer um palmo de terra já ocupada fora da cota de inundação. Numa cota dessas a casa-rancho de Fritz Müller teria sido completamente coberta sob essa cota

Todo o baixo Garcia, área de localização dos primeiros lotes, da foz até pouco além da altura da atual rua Goiás, bem como os terrenos hoje lindeiros à rua XV, tudo teria ficado debaixo da água e da lama, inclusive a casa do Dr. Blumenau e dependências da sede da Colônia na rua das Palmeiras.

A casa do Dr. Blumenau foi atingida e destruída, sim, mas, na enchente de 1855, “a maior de todas” como mencionado acima e não há relato de que a sede da colônia tenha sido ainda mais duramente atingida em 1852.

Se a cota de 16,3 metros tivesse realmente acontecido, isso teria sido registrado, o que não foi o caso. Não há qualquer menção a uma enchente nessas proporções em 1852. É possível, ainda, que, tamanha calamidade, justo no primeiro ano de existência de fato da Colônia, pudesse ter inviabilizado o grande projeto do Dr. Blumenau.

A conhecida especialista em enchentes, Dra. Beate Frank, informou a este autor que as cotas de enchentes adotadas pelo então Projeto Crise da Furb, que sistematizou todas as informações, foram baseadas nos diversos relatos deixados, como o mencionado trabalho de José Ferreira da Silva e, principalmente, nos estudos do “enchentólogo” blumenauense, Jago Lungershausen.

Sabedores do rigor técnico desses atores citados, arriscamo-nos a uma hipótese que possa explicar tamanho disparate quanto à cota da enchente de 1852. Por muitas décadas, praticamente cem anos, todos os relatos e coletas de dados, cotas de enchente, inclusive, eram anotados à mão, escritas em diários da colônia, relatórios, planilhas, tudo em papel.

É bem possível que alguém tenha anotado, para a enchente de 1852, 10,3 metros, cota totalmente coerente com os fatos aqui resumidos. No entanto, algum rabisco perdido, ou mesmo uma minúscula mancha acidental no lugar “certo”, tenha dado a ilusão de um pequeno traço acima e à esquerda do algarismo zero, fazendo com que 10,3 metros parecessem 16,3 metros.

O responsável por um equívoco histórico que perdura há décadas pode também ter sido, quem sabe, um acidental cocô de mosca junto a um zero, numa velha planilha, sobre um antigo papel!

Independente de qual seja a explicação, esse erro deve e precisa ser corrigido.

Na calamitosa enchente de março de 1974 o rio Tubarão, da noite para o dia, simplesmente mudou de curso em alguns lugares como nesta foto, obtida acima da devastada cidade de Tubarão. Não é de hoje que a natureza vem dando seus duros recados aos ouvidos moucos de nossos governantes. Foto Lauro Eduardo Bacca, em 09/07/1974.


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