Famílias acolhedoras: alternativa ajuda a evitar aglomerações em abrigos de Blumenau

Quase 70 crianças e adolescentes abrigados pela prefeitura precisaram ser realocados com servidores, parentes e voluntários

Após seis meses de pandemia, a recomendação continua sendo não sair de casa sem necessidade. Entretanto, como evitar aglomerações em abrigos para crianças e adolescentes? Apenas em Blumenau, 69 jovens são acolhidos pela prefeitura.

Apesar de o município contar com três espaços, apenas um permaneceu aberto neste período. Nele, sete jovens estão sendo acolhidos. Outros três fugiram do local e um está em tratamento na cidade de Joinville.

O restante deles está em casas, em ambientes familiares. Um com parentes, dois por serviços de apadrinhamento, 40 em casas de servidores da prefeitura e 15 em famílias acolhedoras. O objetivo é que eles fiquem em isolamento social e cumpram todas as medidas de prevenção.

Incorporada pela Secretaria de Desenvolvimento Social (Semudes), a Família Acolhedora é um serviço que busca dar um convívio familiar para crianças e adolescentes que foram afastados de suas famílias.

Seja por abandono ou por impossibilidade de continuar com seus familiares, eles ganham a oportunidade de conviver em um ambiente onde ainda possuem rotina, individualidade e atenção. O que nem sempre é possível em um abrigo.

“O abrigo é visto como algo distante. Com uma aura de piedade, de caridade. E as crianças ficam mais carentes e se desenvolvem menos do que quando estão em casas de famílias acolhedoras”, conta Nara Schramm, assistente social da Semudes.

Famílias acolhedoras estão sendo acompanhadas por meio de videoconferência.

Diferente de uma adoção, a criança passa apenas um período com as famílias acolhedoras. Legalmente, o jovem pode passar até um ano e meio na casa, até que o processo dela seja resolvido. Entretanto, em Blumenau a solução normalmente leva oito meses.

“Para mim não existe doação, partilha e serviço maior do que ser família acolhedora. Doar seu tempo e atenção para crianças que precisam”, reforça a assistente social.

As crianças têm plena consciência da situação e sabem que este é um lar passageiro. Entretanto, a convivência com as famílias acolhedoras ainda gera um apego emocional. Todos os jovens constroem, junto da família, um livro com a história daquele período. Além de uma lembrança carinhosa, é também um registro para as crianças menores conhecerem seu passado.

Atualmente, 11 lares blumenauenses estão cadastrados no serviço. Antes do início da pandemia do novo coronavírus, a reportagem de O Município Blumenau visitou três deles para conhecer de perto as experiências e conhecer as famílias.

“Todos deveriam passar por essa experiência”

Marly e Guido Hobolt moraram sozinhos no Garcia por quase dez anos. A filha de 32 foi para Londres e a de 24 está em Curitiba, depois de passar um tempo na Alemanha. “Nem visitam mais a gente, mas filho a gente cria por mundo”, brincam.

Os aposentados sentiram a casa vazia. Dois quartos sem ocupantes e piscina sem brincadeiras não fizeram sentido para o casal. Marly logo foi atrás de um programa para acolher crianças aos fins de semana e já conhecia a Família Acolhedora de outros municípios.

“O serviço caiu como uma luva. É bom para as crianças, mas para gente também. Uma casa tão grande que tava fazia. Agora o espaço está preenchido”, conta Guido. “Encheu a casa de luz”, complementa a esposa.

Depois de passarem um período com uma menina de dez anos, o casal deu um passo maior e acolheu três irmãs, entre um e nove anos. A iniciativa inspirou a vizinha, que também decidiu entrar no processo e ser Família Acolhedora.

“Muita gente se questiona se vai dar conta, mas a pessoa precisa lembrar que tem uma equipe para te ajudar. A rede de apoio está sempre disponível pelo telefone e temos um grupo de WhatsApp. A gente aprende e ensina”, conta Marly.

Irmãs dispensam quartos separados e estão sempre brincando juntas. Foto: Alice Kienen/O Município Blumenau

“Nunca tivemos receios. O que elas proporcionam para nós é muito maior do que qualquer coisa material. Agora a gente dorme quase caindo da cama, mas quando ela acorda pra gente e dá aquele sorriso…”, comenta Guido.

“Todo mundo dizia que éramos doidos”

A professora aposentada Ieda Maes mora no bairro Água Verde com os dois filhos. José já tem 31 anos e Maria Eduarda tem apenas 17. Já são três gerações vivendo no mesmo apartamento. Porém, a família decidiu que precisava contribuir.

Quando Ieda escutou sobre as Famílias Acolhedoras, logo demonstrou interesse, mas esperou se aposentar antes de fazer parte. De dezembro de 2018 ate o início deste ano, já foram três acolhimentos. Em outubro de 2019, eles receberam dois pequenos: um menino de três meses e outro de um ano e sete meses.

José, Ieda e Maria Eduarda com os dois pequenos e o cão da família. Foto: Alice Kienen/O Município Blumenau

“Hoje o maior acordou e foi correndo para sala dar um beijo no irmão. Cada criança é uma experiência única. Todos os dias aprendemos algo novo e temos que tomar uma decisão diferente. Todo mundo se ajuda”, conta José.

Como a mãe já trabalhou com educação infantil, já está acostumada com o trabalho que as crianças dão. Segundo ela, o único sofrimento é quando os pequenos ficam doentes.

“Eu também gosto muito de criança, então acho ótimo. A primeira criança que ficou com a gente, nós brigávamos que nem irmão. Mas a gente também conversava e se divertia”, lembra Maria Eduarda.

A rotina precisa ser adaptada para atender as necessidades dos pequenos. Como Ieda voltou a trabalhar meio período, deixa eles em CEIs pela manhã. Ela conta com a ajuda dos filhos e da irmã.

“Todo mundo dizia que a gente é doido. Meu irmão já disse para fugir com as crianças para não levarem embora”, brinca Ieda. “A maioria diz que não teria coragem de devolver. Eu passo uma semana chorando, mas logo passa e a gente começa de novo”.

Segundo eles, a maior emoção é levar a criança ao Fórum para visitar a família. Saber que eles estarão bem e felizes, é o que ajuda a superar a separação. “Temos a consciência de que é provisório e de que eles vão para um lugar melhor”, conta o filho.

“Ela sempre pediu por um irmãozinho”

Naturais de São Paulo, Wendel e Priscila dos Santos moram em Blumenau há seis anos. Atualmente na Velha Central, eles são pais da Gabriela, de oito anos. E também já acolheram três crianças: uma de três anos, uma de cinco meses e um recém nascido.

Como eles sempre tiveram intenção de adotar, Priscila fazia trabalho voluntário em um abrigo da prefeitura. Quando uma amiga apresentou eles à Família Acolhedora, eles resolveram ir atrás. “Nosso papel é trazer um alento para essa criança até ela ter uma família. É um desapego complicado”, conta Wendel.

Já que a família pode escolher o perfil do jovem acolhido, eles optaram por crianças mais novas que Gabriela. Dessa forma, ela pode participar do cuidado e manter o espaço dela. “Tivemos medo, mas para ela tudo é uma aventura”, conta Priscila.

Recém-nascido veio para casa da família após 40 dias na UTI. Foto: Alice Kienen/O Município Blumenau

A parte mais difícil continua sendo a despedida. “A gente entende na cabeça, mas não no coração. Apesar do cansaço de cuidar de um bebê, doar nossa vida para uma criança é muito motivador. É a nossa inspiração”, diz a mãe.

Como o casal acolheu crianças pequenas, fez questão de caprichar no Livro da Vida que é produzido para os pequenos. Uma cópia também fica com a família. “Queremos que ela saiba o quanto foi amada. Que não estava sozinha. Não deixar uma lacuna na história deles”, explica Wendel.

A filha Gabriela, como qualquer criança, tem seus momentos. Apesar de participar e apoiar os pais, às vezes tem ciúmes da atenção que os bebês recebem. Segundo ela, falta uma menina, para ela poder brincar de casinha.

“A primeira reação de todo mundo é dizer que a gente é doido, mas todo mundo acha legal. E temos muito apoio dos nossos amigos e família. Se tivéssemos uma casa maior, adotávamos grupos de irmãos”, diz Wendel.

Como se tornar uma Família Acolhedora

Para se tornar uma família acolhedora, é necessário atender alguns requisitos. Não há restrição de gênero nem de estado civil. Pessoas solteiras também podem fazer parte, desde que se provem aptas a cuidar da criança ou adolescente. É preciso:

  • Ser maior de 21 anos;
  • Morar em Blumenau há mais de um ano;
  • Não ter interesse em adotar;
  • Não possuir antecedentes criminais;
  • Ser aprovado na avaliação da equipe técnica.

Interessados podem entrar em contato com o Serviço de Acolhimento em Famílias Acolhedoras pelo telefone (47) 3381-6603 ou pelo WhatsApp (47) 99264-2015. Para conhecer melhor o projeto e ter contato com outras famílias, também é possível participar de encontros. Porém, as reuniões presenciais estão suspensas por conta da pandemia.


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