“Levávamos nossa arte com força e determinação”: músicos relembram o que foi o MPBlu

Objetivo do Movimento da Música e Poesia Blumenauense (MPBlu) era divulgar trabalhos autorais de artistas independentes e locais

A partir de uma mistura de tropicalismo, manguebeat, samba, rock and roll, dramas, paixões e muito humor, surgiu o Movimento da Música e Poesia Blumenauense. Criado em 2002, o MPBlu era formado por artistas locais que tinham um objetivo em comum: difundir seus trabalhos autorais na cidade.

O MPBlu foi um movimento artístico inteiramente organizado por artistas independentes, sem apoio do poder público ou de qualquer outra instituição. Levantando a bandeira da música autoral, o MPBlu veio do underground blumenauense e fazia parte de uma contracultura, pela capacidade de provocar pensamentos críticos e culminar questionamentos na sociedade.

Banda Saiabmamas no Farol Lanches, em 2002. Foto: Equipe de apoio logístico do MPBlu.

O movimento durou até 2005 e era construído através de uma ajuda mútua entre os artistas que estavam começando suas carreiras. As bandas dividiam aparelhagem, conseguiam lugares para se apresentar, produziam materiais de divulgação, iam atrás da imprensa e produziam seus próprios eventos.

“A gente viu que para conseguirmos tocar música própria tínhamos que nos ajudar. Assim, começamos a elaborar esse movimento”, conta Iran Silveira, que era compositor da banda Colonos Rebeldes.

Música popular blumenauense

“Agitador cultural que gosta de uma encrenca, no bom sentido”, assim é como Daian Schmitt, ex integrante da banda Tutanos, define Blenio Pires, um dos idealizadores do MPBlu. Já Blenio, modestamente, afirma que a sua contribuição foi apenas sugerir que fosse dado um nome para o que já era um movimento na cidade, ou seja, a música popular blumenauense por si só.

De acordo com Daian, o MPBlu surgiu do encontro de três frentes de compositores. Na primeira, estavam os Colonos Rebeldes, com Blenio Pires e Iran Silveira. Na outra, Daian Schmitt, Aroldo de Souza, que fazia parte da banda Revolver, e Orly Alves, da Trovadores do Vento. Por fim, na terceira frente, estava o pessoal do Milho no Trilho, com Édio Ranieri e Charles Steuck.

Apresentação dos Colonos Rebeldes com participação de Aroldo e Orly, no Espaço Cultural Angeloni, em 2004. Foto: Equipe de apoio logístico do MPBlu.

O palco do MPBlu

O Farol Lanches, localizado na rua Almirante Tamandaré, foi o grande palco do MPBlu. Aroldo de Souza, ex integrante da banda Revolver, morava ao lado da lanchonete e estava sempre pelas redondezas tocando violão. Depois de um tempo, o local se tornou o ponto de encontro dos músicos blumenauenses.

No local, os artistas mostravam suas composições novas e trocavam experiências musicais. Um assunto muito discutido nesses encontros era a necessidade de espaços na cidade para mostrar o trabalho autoral. A partir disso, se formou o núcleo de mentores do MPBlu.

A primeira reunião oficial aconteceu no Farol e, logo no primeiro momento, decidiram o nome e também marcaram o evento de lançamento do movimento. Os artistas contam que a criação do MPBlu foi algo muito natural, quando se deram conta, já estava acontecendo.

“O movimento se reunia toda quarta no bar Farol, que já era tanto o reduto do Aroldo, do Daian como também o meu. A hora que o Farol fechava todos iam para a praça do Estudante continuar a roda de violão”, relembra Orly Alves, ex integrante da Trovadores do Vento.

Banda Revolver se apresentando no Farol Lanches em 2002. Foto: Equipe de apoio logístico do MPBlu.

Um movimento inédito

Iran Silveira brinca que o MPBlu era como uma “cooperativa de bandas”. O movimento  e foi o primeiro na cidade a unir bandas locais com foco para a música autoral. As letras das canções carregavam um conteúdo crítico, que espelhava a realidade dos músicos.

“Construímos juntos algo que era a expressão do momento que vivíamos nas curvas do Itajaí-açu. São memórias que vão da Praça do Estudante, Fundação Cultural, Teatro Carlos Gomes à prainha e terminais urbanos da cidade. Levávamos nossa arte com força e determinação”, relembra Blenio.

No entanto, o MPBlu não juntou apenas musicistas, mas também artistas plásticos, poetas e atores. Esses artistas tinham interesse em se envolver no projeto porque também estavam lutando pela tentativa se expressar diante de um cenário cultural restrito.

“Naquela época, o cenário era desolador para quem fazia arte em Blumenau. As pessoas não costumavam ter olhos para essa cultura que se formava nas ruas da cidade”, relembra Iran.

Colonos Rebeldes e participação de Aroldo e Orly, no Espaço Cultural Angeloni em 2004. Foto: Equipe de apoio logístico do MPBlu.

Chegando em novos lugares

Aroldo ressalta que tudo no movimento era realizado pelos próprios artistas: “Nós mesmos fazíamos os cartazes e saíamos para colar à noite. Depois, expandimos para os bairros e atingimos um público bem expressivo na cidade naquela época”.

À medida que os encontros e eventos iam avançando, surgiam mais músicos interessados em integrar o MPBlu. Bandas se formaram e os artistas começaram a se apresentar em diversos lugares. No início, tocavam apenas em bares, praças e, aos domingos, nos terminais da cidade, com o projeto “Fase Terminal”.

Banda Revolver se apresentando no projeto Fase Terminal. Foto: Equipe de apoio logístico do MPBlu.

Contudo, com o passar do tempo, foram recebendo convites para se apresentar em casas de shows tradicionais, como o Bistrô 69, por exemplo, e também em festivais. Através do movimento, algumas bandas participaram de duas edições do River Rock e também da 3ª edição do Psicodália, no Paraná, em 2003.

Uma escola de música e de vida

Orly relata que foi com o MPBlu que ele se descobriu como músico. Já tocava desde 1998, mas foi naquela fase que percebeu que era o que faria para o resto da vida. Com 16 anos, o artista largou o emprego e decidiu viver só de música, e é isso que faz até hoje, aos 37.

Orly integrando a banda Trovadores do Vento no Farol Lanches em 2002. Foto: Equipe de apoio logístico do MPBlu.

Quando iniciou no movimento, Aroldo era um músico iniciante e inexperiente, foi através do MPBlu que viveu as primeiras experiências de carreira. O cantor diz ter aprendido muito com os outros artistas que integravam o movimento, e também, na prática. Ele tocou com muitos músicos, em vários lugares e para públicos muito distintos.

“Como eu era iniciante e estava buscando um caminho para viver de música, aquilo me deu muita bagagem. Já faz 20 anos do movimento e eu nunca parei de tocar, continuo na estrada e foi o MPBlu que me deu esse impulso”, explica Aroldo.

Aroldo integrando a banda Revolver se apresentando no Farol Lanches. Foto: Equipe de apoio logístico do MPBlu.

O fim do movimento

Após praticamente 2 anos de muito trabalho, o MPBlu foi naturalmente chegando ao fim. De acordo com Iran, o último evento que carregou o nome do movimento foi um dos maiores e contava com 10 bandas da cidade.

Porém, o fim do MPBlu não significou a desistência dos músicos de Blumenau. Algumas bandas continuaram tocando juntas, outros seguiram em carreira solo e até duplas se formaram, como foi o caso de Aroldo e Orly.

“O próprio cansaço dessa batalha toda fez com que cada um fosse seguindo o seu caminho. Foi um fim natural, não foi planejado, nem brigado, nem melancólico. Pelo que eu lembro, só acabou acontecendo”, afirma Iran.

Banda Revolver se apresentando no Farol Lanches. Foto: Equipe de apoio logístico do MPBlu.

DVD de 10 anos do MPBlu 

Cartaz de divulgação do show de gravação do DVD do MPBlu.

Para o ano de 2012, Blenio desejava fazer um show comemorativo de 10 anos do movimento. Então, ele enviou uma mensagem para Daian, propondo a ideia. Daian aceitou, no entanto, disse que só faria caso fosse gravado um DVD. “Eu não tinha interesse em fazer apenas um show comemorativo, queria registrar a nossa história, ou pelo menos, uma parte dela”, afirmou Daian.

Portanto, para a realização do DVD, os músicos elaboraram um projeto para o Fundo Municipal de Apoio à Cultura. No dia 21/07/2012 às 21h aconteceu o show, no Teatro Carlos Gomes. Entre as atrações estavam o Orly, Revolver, Los Otros, Saiabmamas, Daian Schmitt, Colonos Rebeldes e Milho no Trilho.

“Uma coisa legal que aconteceu foi que uma parte considerável do público presente no evento não era o mesmo que frequentava os eventos do MPBlu de 10 anos antes. Era uma galera diferente”, relembra Daian.

Quem tiver interesse em conferir o resultado da produção, pode assistir ao DVD neste link.

Colonos Rebeldes na gravação do DVD de 10 anos. Foto: Mariana Florencio.

Legado de boas lembranças

Sobre o legado que o movimento deixou, Orly diz que ficaram as boas lembranças e o desenvolvimento dos músicos enquanto profissionais, no entanto, o cenário artístico na cidade não passou por muitos avanços.

“Acredito que o movimento não deixou muita coisa, o que ficou foram os artistas e suas obras, as noites de violão na praça, os amigos que fizemos. Praticamente todos os malucos da cidade se encontravam no MPBlu. Mas, infelizmente, o cenário artístico na cidade continua o mesmo ou até pior que quando começou o movimento.”

 

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