Capa: A Casa Enxaimel é resultado de um processo evolutivo, com ritmos diferentes nas várias regiões do planeta, e este processo existe até os dias atuais, o qual acompanha as necessidades da sociedade, a tecnologia e tipos de materiais nos locais e industrializados, com atualizações.
Lembramos que a casa enxaimel construída no Vale do Itajaí é um fragmento do processo que se iniciou no Sul da Europa Central e Balçãs, no Vale do Danúbio, em território da Alemanha, a aproximadamente 7.500 anos atrás, ou seja a 5.500 a.C. período no qual, arqueólogos estão estudando e pesquisando as primeiras povoações feitas com as construções das primeiras casas, a partir da estrutura de madeira. Depois desta região, o neolítico chegou à Moldávia e à Bacia de Paris. A migração seguiu para o Norte da Europa Central (norte da Alemanha) e Norte da Europa somente entre 4.200 e 4000a.C, nas imediações da Baixa Saxônia e Mar do Norte e onde estavam localizados a Pomerânia e o Mar Báltico. O processo evolutivo da técnica construtiva é viva e contínua e nele não cabe o conceito neoenxaimel.
Outro dia ouvimos uma expressão, durante a transmissão de um programa de rádio do qual participávamos, expressão essa que conhecemos no âmbito de uma pergunta feita para nós, pouco antes de palestrarmos em Itapiranga – extremo Oeste de Santa Catarina, sobre a técnica construtiva enxaimel. Refletimos sobre a pauta e decidimos comentá-la: Neoenxaimel.
Atualmente, a expressão neoenxaimel vem ganhando espaço no Brasil, (só no Brasil) por arquitetos, pesquisadores da academia, leigos, e também construtores – para denominar alguma coisa que se reporta a um tipo de construção que, cenicamente, “lembre” a técnica construtiva enxaimel trazida pelos pioneiros alemães ao País. Essa técnica atualmente, na Alemanha é resultante de uma evolução tecnológica e social, cuja origem ocorreu no período neolítico, há 7.500 anos atrás. Onde não haviam cavernas e tinham muitas florestas, o novo agricultor e pastor oriundo da revolução agrícola, limpava o lugar para a lavoura e a pastagem e com a madeira, construíam seus primeiros abrigos.
Já não vimos essa mesma prática muito próxima de nós?
Por meio das construções atuais denominadas neoenxaimel, aparentemente pretende-se apresentar alguma coisa aparentemente alinhada à técnica construtiva e à cultura dos pioneiros alemães, com objetivos focados no aspecto econômico e comercial destes cenários – denominado por Vieira (2013) de kitsch.
O neoenxaimel sugere que há uma nova maneira de construir o enxaimel. Não se trata da mesma técnica construtiva ou uma variação desta. Mas sim, de um decorativismo cênico aplicado sobre uma outra técnica construtiva. O resultado é um cenário que lembra a aparência final de uma edificação enxaimel, mas sem a estrutura de madeira independente do fechamento – uma das características de sua originalidade – seja antiga ou nova. Os primeiros pesquisadores sobre enxaimel na cidade de Blumenau e região denominavam esse tipo de construção, por décadas, de pseudoenxaimel ou enxaimeloide.
O que é pseudoenxaimel e neoenxaimel?
A técnica construtiva foi trazida para a região pelas mãos dos imigrantes alemães, no entanto, essa técnica existe no mundo inteiro – como por exemplo – no Japão.
As edificações Fachwerkhaus – enxaimel – nunca deixaram de ser construídas na Alemanha. Erroneamente muitos afirmam tratar-se de “coisa velha” e questão de saudosismo de poucos intelectualmente evoluídos. Ledo engano.
A primeira vez que ouvimos a expressão neoenxaimel foi em Itapiranga, Oeste de Santa Catarina, em setembro de 2018, durante o momento de perguntas efetuadas no decorrer de uma palestra sobre o enxaimel. Depois, ouvimos a expressão novamente em 2020, durante um debate, do qual participamos, efetuado ao vivo, na Rádio Arquitetura.
Também constatamos que há uma produção acadêmica por meio de artigos, dissertações e teses. Algo bem recente como linguística.
Há pesquisas suficientes no País sobre a técnica construtiva enxaimel, para então, se compreender o que é neoenxaimel?
O neo-enxaimel, é um estilo arquitetônico inspirado no enxaimel, uma antiga técnica de construção de casas, trazida pelos imigrantes. Tendo se proliferado pelo centro destas cidades e alterado a estética urbana, esta arquitetura foi novamente trazida ao presente dentro de um contexto histórico e social bastante diferente daquele das antigas casas. Além disso, para sua implantação não houve qualquer comprometimento histórico, resultando em uma arquitetura inautêntica e até mesmo Kitsch, devido ao seu caráter comercial. VEIGA (2013)
No Brasil, há uma pequena produção acadêmica sobre a técnica construtiva enxaimel, quase sempre desprovida de embasamentos mais profundos sobre a evolução da técnica, por ser um tema muito recente. E, no interior da pesquisa existente, o estudo é setorizado dentro de períodos históricos e é fracionado e analisado através destes segmentos, desconsiderando sua sequência evolutiva ao longo da linha histórica – que teve início no neolítico e segue até o tempo presente. Há definições prontas a partir de composições e de olhares diferentes sobre fragmentos dessa evolução da técnica construtiva dentro de determinados períodos históricos, desconsiderando sua continuidade, para compreensão ampla e o entendimento evolutivo da definição da técnica no tempo presente, resultante deste processo e não um novo enxaimel ou neoenxaimel.
O enxaimel foi bastante utilizado em países do centro e norte da Europa, desde fins da Idade Média até a Revolução Industrial. A técnica caracteriza-se basicamente pela construção de paredes formadas por uma estrutura com peças de madeira horizontais, verticais e inclinadas encaixadas umas nas outras, sem o uso de pregos; os espaços vazios entre as madeiras eram depois preenchidos, geralmente, de taipa. No século XVIII, o tijolo começaria a ser usado como material de preenchimento das paredes das casas em cidades no norte da Alemanha. (VEIGA, 2014).
Quando publicamos o livro “Fachwerk – A Técnica Construtiva Enxaimel”, com parte da organização da pesquisa de mais de 25 anos sobre o assunto, na época, o objetivo foi suprir lacunas e contribuir com informações sobre a técnica construtiva enxaimel, uma das mais antigas do Planeta e presente em quase todos os continentes – com diferentes resultados.
Veiga (2014) escreveu um artigo sobre neoenxaimel com forte crítica ao “cenário” comercial praticado em muitas cidades e também em Blumenau, nas quais já existiu um considerável conjunto de edificações construídas originalmente com técnica enxaimel. Estas não foram preservadas, tendo sido retiradas, paulatinamente, das paisagens rurais e urbanas, sem muita reflexão.
Com isto, há o surgimento de definições com bases voláteis, insólitas e fracionadas, desprovidas de fundamentações sólidas, e, muitas vezes, criando expressões insustentáveis como neoenxaimel, cujo conteúdo pretendido já era destacado e apontado décadas anteriores na região de Blumenau, com outra denominação: pseudoenxaimel e enxaimeloide, contendo, em si, o lastro crítico, na época usado por boa parte de pesquisadores e técnicos. Lembramos da construção da praça Victor Konder, junto à prefeitura de Blumenau, que também é outro exemplo.
Pioneirismo – Pesquisa – Técnica construtiva enxaimel no Vale do Itajaí
Observando o trabalho de Veiga (2014), pode-se afirmar que a ausência de profundidade das pesquisas existentes no País e o entendimento sobre o enxaimel no Vale do Itajaí, no final da década de 1970, contribuíram para o surgimento de conclusões não tão verídicas para sustentar as análises de expressões recentes, surgidas a partir da década de 2010, como, por exemplo, neoenxaimel. A definição do conceito está correta, mas o contexto social que o fez surgir, não. Este termo é muito mais recente e apresenta outra conotação – como significado dentro dos períodos históricos.
As casas de enxaimel catarinenses, que eram únicas e autênticas, verdadeiros resquícios materiais de um importante período da história brasileira – o da imigração estrangeira em massa – perderam sua aura ao serem copiadas visando o consumo turístico. A partir do final dos anos de 1970, inicia-se na cidade de Blumenau – a maior cidade na região do Vale do Itajaí –, uma política cultural voltada para o turismo, que visava reconstruir a imagem da cidade como uma cidade germânica. Esta política cultural, que se utilizava fortemente do discurso de resgate da identidade e da tradição, culminou, entre outras coisas, na construção de uma arquitetura artificial, o chamado neo-enxaimel , o qual limitava as formas da antiga e obsoleta técnica de arquitetura popular para denominar também um estilo arquitetônico, uma vez que estas novas edificações não foram construídas utilizando a antiga técnica: elas apenas mimetizavam sua aparência, sem qualquer comprometimento histórico. Assim, propaga-se uma ideia errônea com relação ao enxaimel, sendo bastante comum ver situações que se referem a ele como um estilo, enquanto que ele sempre foi uma técnica construtiva. (VEIGA, 2013).
O contexto histórico dos fatos sequenciais na cidade de Blumenau foi diferente da narrativa feita por Veiga (2013). A expressão sugerida em seu trabalho surgiu na região somente na década de 2010 – como algo “novo” e não como algo arbitrário, como tinha a conotação da expressão usada anteriormente para denominar uma edificação que recebia o decorativismo do enxaimel sobre uma estrutura qualquer – o pseudoenxaimel. Em Blumenau, mesmo construções com estas características, já eram denominadas com os conceitos enxaimeloide ou pseudoenxaimel.
Em 1974, quando o ex-prefeito de Blumenau Félix Theiss assumiu a administração, e este priorizou a formação de uma equipe técnica formada por arquitetos, a fim de implantar o Plano Diretor da cidade de Blumenau desenvolvido na administração anterior, do ex-prefeito Evelásio Vieira – Lazinho, foi contratado o arquiteto recém-formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Vilmar Vidor, que assumiu a coordenação do Planejamento Urbano de Blumenau, e chamou mais colegas seus, da área de Arquitetura e Urbanismo, para trabalharem na cidade. Esta equipe técnica coordenada por Vidor fez um trabalho pioneiro de pesquisa, levantamentos e estudos das tipologias pertencentes ao patrimônio histórico arquitetônico, não somente de Blumenau, mas do Vale do Itajaí. A pesquisa se desenvolveu em várias frentes e áreas com o perfil interdisciplinar – no âmbito da Universidade – FURB, na Administração pública – Prefeitura Municipal de Blumenau e, também, no âmbito do Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano de Blumenau – IPPUB. Toda esta movimentação, bem ou mal, influenciou a administração seguinte – a do prefeito Renato de Mello Viana, sob o aspecto da construção dos cenários do pseudoenxaimel, como era denominada a prática da construção do fake – até o século XXI. Neste período, Vilmar Vidor estava na Universidade Sorbonne, em Paris, França, cursando seu doutorado.
Durante os duros anos da década de 70, embalados pelo “generoso” milagre econômico e pela exacerbada ditadura militar, vivenciados mais arduamente nos grandes centros, cujo policiamento ostensivo constrangia qualquer cidadão, resolvi mudar de vida e de lugar.
Neste momento de decisão/transição, Blumenau preenchia meu imaginário como lugar paradisíaco, ambientalmente puro, lugar propício ao desenvolvimento de grandes ideias e à cristianização de futuro promissor. (…)
Nunca me arrependi desta decisão de mudança para Blumenau. É minha terra de coração e continuará a sê-lo enquanto a dinâmica, a perspicácia e a vontade de toda a gente desta cidade permanecerem voltadas para melhorar e qualificar a vida de todos. Entretanto, um lamento final: por que tanto desleixo com o enxaimel, arquitetura que personaliza, identifica e projeta a cidade para o mundo todo? (VIDOR, 2000)
O Arquiteto Vilmar Vidor também fundou a Associação de Proprietários de Imóveis Antigos, trouxe o renomado pesquisador alemão, o qual ministrou curso prático de restauro (40h), Manfred Gerner, coordenou o primeiro levantamento de edificações pertencentes ao patrimônio histórico arquitetônico da região – Projeto Memorvale. Foi pioneiro na pesquisa do enxaimel por mais de três décadas, na região do Vale do Itajaí. Durante este tempo, a expressão usada para a arquitetura produzida com alvenaria estrutural, com ripas coladas nas paredes, caracterizando o decorativismo fake era conhecida como pseudoenxaimel, enxaimeloide e não neoenxaimel.
Disseminando o conhecimento da técnica da estrutura enxaimel que até a sua chegada, não era estudada na região. O professor Vilmar Vidor promoveu o início da formação técnica e o estudo do enxaimel na região do Vale do Itajaí.
Enxaimel – Pseudoenxaimel
O desenvolvimento da técnica enxaimel aconteceu no sul do Brasil, por indivíduos europeus que trouxeram consigo, arquivados em suas memórias, conhecimentos produzidos no cotidiano, nos respectivos lugares de origem. O enxaimel não é uma criação alemã, assim como as construções ecléticas não são germânicas, nem italianas, nem açorianas, mas têm sua base nestes lugares. De base alemã, italiana ou portuguesa engendram-se localmente outras formas e funções na construção e no cotidiano da arquitetura local/regional. (…)
No Brasil, especialmente no Vale do Itajaí, em Santa Catarina, e no Vale dos Sinos no Rio Grande do Sul, a reprodução do “fachwerk” dito aqui enxaimel, teve continuidade, porém limitada e modificada pelos condicionamentos locais. Em decorrência do clima subtropical não era necessária a inclinação superior de 45 graus dos planos da cobertura, mas tornou-se necessária a construção de uma varanda, característica das construções nos lugares de clima quente úmido. (VIDOR, 2007)
A pesquisa sobre o enxaimel e demais tipologias pertencentes ao patrimônio histórico arquitetônico na cidade de Blumenau, como assunto de pauta prioritário, dentro da administração pública – IPPUB, da Universidade – FURB e dos cursos de Arquitetura e Urbanismo e Serviço Social, propiciou o surgimento de conselhos, associações e uma legislação formal municipal, alinhada às entidades e legislações estaduais e federais, com objetivo de enaltecer, registrar, coibir ações que atingissem este conjunto patrimonial e prestação de assessoria técnica à sociedade no que tange a preservação, com ações práticas e incentivos. Em 22 de dezembro de 1994, o prefeito de Blumenau, Renato de Mello Viana, sancionou a Lei Complementar n° 79, regulamentada pelo Decreto n° 5.100 em 8 de março de 1995. Esta lei instituiu o programa de proteção e valorização do patrimônio histórico-arquitetônico do município, concedendo incentivos tributários ao proprietário de imóvel que fizesse parte do Cadastro do Patrimônio Histórico (Projeto Memorvale) que também fosse útil às ações de instituições de preservação na escala estadual e federal. Para atender aos objetivos do programa, foram criados o Conselho Municipal de Patrimônio Histórico Arquitetônico e o Fundo Municipal de Conservação do Patrimônio Histórico Arquitetônico.
O Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano de Blumenau (IPPUB) é o órgão gerenciador do programa. Cabe a ele executar o levantamento, no qual é apurada a idade, estilo arquitetônico, características próprias de engenharia, peculiaridades arquitetônicas, referência social e cultural da família do proprietário são os critérios para que os imóveis passem a integrar o cadastro de imóveis de valor cultural, histórico e arquitetônico. (JSC, 1995)
A Igreja de Itoupava Rega Central construída em 1911, localizada no distrito da Vila Itoupava. Foi restaurada e tombada pelo Estado de Santa Catarina como Patrimônio Cultural Edificado em 1996. Na mesma época. Participamos da equipe deste restauro da igreja que foi coordenada pelo Arquiteto Egon Belz, dentro do IPPUB.
Interessante o depoimento da professora e profissional da área técnica, arquiteta, urbanista e doutora Claudia Siebert, sobre esse momento, no qual o processo do entendimento sobre o patrimônio histórico arquitetônico, na cidade de Blumenau e região, acontecia e cita a lei de 1981, sendo que a lei foi reformulada, abrangendo o entendimento do que é patrimônio e ampliando a esfera do incentivo, que existiu e existe até os dias atuais.
“Angelina, quando eu me formei na UFPR em 1983 e vim para Blumenau trabalhar na Secretaria de Planejamento da Prefeitura, havia isenção de IPTU para “casas típicas” ou “enxaimosos”, como apelidávamos à época (LEI Nº 2.262/77), e para edificações em enxaimel (LEI Nº 2.762/1981). Mas não havia isenção de IPTU para edificações que fossem consideradas patrimônio histórico sem ser enxaimel. Então, foi encaminhada à Câmara de Vereadores o projeto de lei que concedia isenção de IPTU para o patrimônio histórico, que foi aprovado como LEI Nº 3.142/84. Arquiteta Urbanista, professora Dra. Claudia Siebert, 18 de julho de 2024.
A Lei Complementar de incentivo ao proprietário ainda existe
Atualmente é a Lei N° 794, que existe para legitimar o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural Edificado de Blumenau – COPE e o Fundo Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural Edificado de Blumenau – FUMPACE, amplamente divulgada e de conhecimento de parte da sociedade interessada, no século XX. Naquele tempo, os proprietários eram organizados em uma Associação de Moradores de Imóveis Antigos e possuíam uma cadeira cativa nos Conselhos da Prefeitura Municipal de Blumenau, principalmente no COPE.
Lei Complementar N° 794 – Fundo
O Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural Edificado de Blumenau – COPE, órgão de caráter permanente, de natureza deliberativa e consultiva, integrante da estrutura administrativa municipal, vinculado à Secretaria Municipal de Planejamento Urbano, é responsável pela Política de Preservação do Patrimônio Cultural Edificado de Blumenau, e será composto de forma paritária, com representantes do Poder Executivo e da Sociedade Civil. (Redação dada pela Lei Complementar 1257/2019)
Compete ao COPE:
I – fixar critérios, definir diretrizes e estratégias para a implementação da Política de Preservação do Patrimônio Cultural Edificado de Blumenau, observada a legislação que rege a matéria;
II – decidir sobre o tombamento de imóveis considerados como Patrimônio Cultural;
III – sugerir ao Chefe do Executivo a formalização de convênios, contratos e acordos em nome do FUMPACE, observadas as formalidades legais;
IV – deliberar sobre a proposta orçamentária, as metas anuais e plurianuais e sobre os planos de aplicação de recursos do FUMPACE, bem como controlar sua aplicação e execução, em consonância com a legislação pertinente;
V – deliberar, acompanhar e fiscalizar a aplicação dos recursos do FUMPACE, solicitando, caso necessário, o auxílio da Secretaria Municipal da Fazenda;
VI – analisar e deliberar sobre os projetos para edificação dos bens imóveis classificados como P3;
VII – cumprir e fazer cumprir, no âmbito municipal, a Política de Preservação do Patrimônio Cultural Edificado do Município, bem como toda a legislação pertinente;
VIII – convocar, através da maioria de seus membros, justificando por escrito ao Presidente do COPE, reunião extraordinária;
IX – promover e articular, quando necessário, reuniões com os demais Conselhos existentes no Município;
X – emitir resoluções de suas decisões;
XI – aprovar o Regimento Interno e promover suas alterações, quando necessário, que será homologado por ato do Poder Executivo;
CAPÍTULO III
Do Fundo Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural Edificado de Blumenau – FUMPACE
Seção I
Da Natureza, Gestão e Competência
O Fundo Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural Edificado de Blumenau – FUMPACE, órgão de natureza contábil, tem como objetivo centralizar e gerenciar os recursos orçamentários para a restauração, preservação e utilização dos bens de interesse cultural, vinculado à Secretaria Municipal de Planejamento Urbano, que lhe dará estrutura de execução e controle contábeis, sendo o Secretário Municipal de Planejamento Urbano, o ordenador de despesas.
Parágrafo único. A movimentação bancária dos recursos do FUMPACE será realizada em conjunto pelo Secretário Municipal de Planejamento Urbano e pelo Diretor de Planejamento Urbano. (Redação dada pela Lei Complementar nº 1257/2019)
Os recursos do FUMPACE, em consonância com as diretrizes e normas do COPE e demais legislações que regem a matéria, serão aplicados, obrigatoriamente, na proteção, conservação e restauração dos bens de Patrimônio Cultural Edificados, tombados pelo Município, especialmente em:
I – ajuda financeira aos proprietários de imóveis tombados que, comprovadamente não tenham condições para fazê-lo, para preservação do Patrimônio Cultural Edificado – PCE tombado, na forma do regulamento.
II – campanhas, palestras, cursos e material de divulgação e valorização sobre a importância dos bens culturais constantes do acervo da cidade;
III – estudos, levantamentos, projetos e execução de obras de proteção, conservação e restauração do Patrimônio Cultural Edificado – PCE tombado, de propriedade do Município de Blumenau, na forma de regulamento. (Redação acrescida pela Lei Complementar nº 1443/2022)
No âmbito dessa movimentação institucional e debates no município e na região, a administração pública municipal do governo de Renato de Mello Viana, erroneamente, e não tendo dado ouvidos à sua equipe técnica, com foco somente na economia ofereceu incentivos às pessoas que tornassem sua edificação, sendo comercial, industrial ou residencial, dotada do fachadismo “enxaimel”. A reação dos técnicos, arquitetos e pesquisadores locais foi inevitável, e fez-se uso de expressões como o pseudoenxaimel e enxaimeloide, comum nas falas técnicas, em congressos, palestras e seminários sobre o tema.
As práticas de inovações da área do turismo surgiram quando, na década de 1980, assumiu como secretário de Turismo de Blumenau, na administração do prefeito Dalto dos Reis, Antônio Pedro Nunes, proprietário da primeira agência de turismo do Estado de Santa Catarina e que fazia excursões periódicas de turistas para a Alemanha. Foi o idealizador e o coordenador das primeiras edições da Oktoberfest Blumenau, acreditando que o potencial turístico da cidade estava além das tipologias pertencentes somente ao patrimônio histórico-arquitetônico presente na paisagem da cidade e região, mas também, presente em outras práticas culturais e na gastronomia. De suas viagens de trabalho turístico à Alemanha trouxe planos e ideias.
Nas administrações seguintes, e sem a contribuição do arquiteto Vilmar Vidor, surgiram instituições que se apropriaram da narrativa patrimonial, mas não das ações práticas e, de certa maneira, houve momentos de constrangimento derivados do embate de interesses dentro do espaço da cidade. Restou o levantamento do Memorvale, com cópias deixadas na Prefeitura Municipal, no Arquivo Histórico de Blumenau e na FURB, sem muita divulgação de sua existência. Antes de seu falecimento, em entrevista a um programa televisivo de Blumenau, o Arquiteto Vilmar Vidor mencionou que, do montante das edificações levantadas restava, aproximadamente, 1/3 na paisagem e 2/3 já haviam sido demolidas.
Neoenxaimel
Expressão que reporta à presença do fazer um “novo enxaimel” e de algo que não tem relação com a técnica construtiva enxaimel. Como poderá ser considerado “Novo”?
No estudo e análise do trabalho de Veiga (2013), há enganos de cronologia e também de ações públicas, culturais e sociais em torno do tema pesquisado. O trabalho menciona que o neoenxaimel passou a existir a partir da década de 1970, motivado pelo setor turístico e comercial, gerando transformações na paisagem edificada da cidade de Blumenau e região. Historicamente, este processo de fato existiu, porém, a partir da década seguinte, quando o secretário de Turismo de Blumenau, proprietário da primeira agência de turismo do Estado de Santa Catarina e idealizador da Oktoberfest Blumenau, Antônio Pedro Nunes, assumiu a secretaria. Foi na década de 1970 que Blumenau recebeu o trabalho de arquitetos e outros técnicos – a “equipe técnica” que se iniciou a pesquisa sobre a técnica construtiva enxaimel na região e se alardeou sua importância para a manutenção da memória local. Este processo fez surgir o debate no âmbito de diferentes esferas da sociedade, fazendo surgir a expressão pseudoenxaimel e enxaimelóide, usada de maneira pejorativa e se opondo a qualquer coisa que não fosse original, diferentemente do significado da expressão analisada por Veiga (2013) em suas conclusões – reportando a algo “novo” para fins comerciais e somente essa conhecida.
Em poucos anos, o neo-enxaimel, construído de forma a remeter a uma paisagem alpina, europeia, aos contos de fadas, ou para reforçar a ideia de cidade germânica, se alastrou pelo centro de Blumenau e também por outras cidades da região, como Joinville, Pomerode, Brusque, entre outras. A estética urbana do centro destas cidades foi, então, modificada com a implantação de uma arquitetura que não mais condizia com a realidade do presente, pois o enxaimel já se encontrava em desuso há muitas décadas. Muitos exemplares da centralidade de Blumenau ainda estão por ali, escondidos, ou rebocados, por vários motivos.
O neo-enxaimel, por ser uma cópia com objetivos comerciais e por ser algo implantado totalmente fora de seu contexto original, pode, então, ser considerado um típico fenômeno Kitsch dentro dos estudos de estética, uma vez que ele é inautêntico e se utiliza de sua estética unicamente como elemento para provocar emoções naquele que o vê; VEIGA (2013)
Parte dos ecos deste tempo de reflexão esteve no artigo publicado na revista alemã Weltruf, em 2016, com a imagem do “enxaimelóide” mais conhecido da cidade de Blumenau e mais fotografado, atual castelinho da Havan e a edificação à frente. Destacamos no artigo publicado que a edificação foi uma das poucas construídas no final da década de 1970, e também mencionada por Veiga (2016).
Ao longo dos mais de 30 anos de pesquisa que destinamos à técnica construtiva enxaimel, constatamos que há muita confusão, também, por parte dos pesquisadores, ao adotar termos como “estilo” e, neste momento, o uso de neoenxaimel. Quem usa essa expressão desconhece a técnica construtiva enxaimel, parte estrutural de uma edificação feita de madeira. Se não for assim, não é enxaimel.
Quanto ao assunto – realmente “novo” (atual), que faz parte da evolução desta técnica construtiva na Alemanha atual, onde o setor da construção civil alemã desenvolveu um sentimento unânime no que tange às questões envolvendo a importância da sustentabilidade dentro de um entendimento amplamente uniforme e geralmente aceito nos últimos anos.
De acordo com o Pesquisador Dr. Thomas Lützkendorf, a importância do planejamento, construção e gerenciamento de edifícios, bem como o desenvolvimento do estoque de edifícios para o desenvolvimento sustentável, deriva de determinadas considerações. O ambiente construído é o espaço vital, o ambiente de trabalho e a força produtiva, e vincula o capital. As estruturas e as estruturas urbanas têm um impacto significativo na qualidade de vida da sociedade, bem como na saúde, segurança, satisfação e desempenho das pessoas. Edifícios e estruturas de assentamentos também representam um valor cultural. Há alguns anos o neoenxaimel alemão segue as mais rígidas normas de sustentabilidade e a técnica construtiva enxaimel é uma das opções mais aceitas pela sociedade atual, no momento de escolher uma técnica construtiva alinhada aos tempos da sustentabilidade, pois possui versatilidade mediante a disponibilidade de diversos materiais alternativos para seu fechamento, sob o aspecto ecológico e seu uso relacionado à sustentabilidade do bem morar.
A madeira é o único material que pode atingir a sustentabilidade.
Concreto, vidro, cerâmicas, plásticos só emitem carbono em seus processos produtivos, enquanto que a madeira acumula carbono. Na desconstrução, também não gera lixo, com isso não demanda energia. Todo material pode ser reaproveitado.
Esta tipologia construída na Alemanha atual é contemporânea e nova; no entanto, não é “neo”, e sim, o resultado evolutivo de um processo que teve início no período neolítico, lá na revolução agrícola.
Artigo apresentado no 27° Congresso Mundial de Arquitetos – UIA 2021 RIO: 27th World Congress of Architects
A evolução da técnica construtiva enxaimel não parou e continua no século XXI.
Enxaimel e Sustentabilidade
Para acessar o artigo apresentado no congresso – clicar sobre:
2021 International Conference: 27th World Congress of Architects Enxaimel e Sustentabilidade International Proceedings
Um Registro para a História.
Sou Angelina Wittmann, Arquiteta e Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade.
Contatos:
@angewittmann (Instagram)
@AngelWittmann (Twitter)
Leituras Complementares – Clicar sobre o título escolhido
- Pesquisador alemão de Fachwerk – Manfred Gerner em Blumenau após 23 anos – Um pouco desta História.
- Arquitetura/Projeto Memorvale
- Enxaimel – Conversando – Vila Itoupava – 2 tipologias históricas
- Conversando sobre Enxaimel – Fachwerk
- “Restauro” de um Enxaimel – Museu Kinderzeche Dinkelsbühl – “Kinderzeche” – Zeughaus
- Técnica do Enxaimel
- Uma tipologia em enxaimel a menos – Bairro Vila Nova – Blumenau
- Restauro Enxaimel – Fachwerk – Iphofen – Unterfrankem Baviera
- Fachwerk, a técnica construtiva enxaimel
- 7ª Caminhada Noturna de Pomerode – Rota do Enxaimel – Turismo sustentável
- Uma Volta em Pomerode – Domingo a tarde
- Mansarddach – Uma tipologia de telhado trazida pelo imigrante
- Fachwerkbau in Südbrasilien – A Técnica Construtiva Enxaimel – Revista Weltruf
- Conversando sobre Enxaimel – Fachwerk 1
- Arquitetura Enxaimel – Palestra do XIII Encontro das Comunidades de Língua Alemã da América Latina
- Tradição de mais de 800 anos na Festa Pomerada – com Ivan Blumenschein
- Restauro Enxaimel – Fachwerk – Iphofen – Unterfrankem Baviera
- Análise de uma tipologia enxaimel do século XIV
- “Restauro” de um Enxaimel – Museu Kinderzeche Dinkelsbühl – “Kinderzeche”
- Blumenau – do Stadtplatz ao Enxaimel
- Fachwerk, a técnica construtiva enxaimel
- Fachwerkbau in Südbrasilien – A Técnica Construtiva Enxaimel – Revista Weltruf
- Enxaimel e História em Dinkelsbühl – Roteiro Alemanha 2016
- A Rota do Enxaimel – à bordo do Bruttus – Pomerode
Referências
- BEDAL, Konrad. Häuser und Landschaft – Fränkisches Freilandmuseum. Ansbach – Alemanha: Editora Schmidt Druck GmbH, 1999.
- Blog Lumi Polar. Fachwerk and Chalet: a Modern Interpretation of History. Disponível em: https://lumipolar.com/blog-article/fachwerk-and-chalet-a-modern-interpretation-of-history. Acesso em: 3h56.
- COELHO, Nilson. Construção Enxaimel Perde Espaço. Diário Catarinense, 20 de fevereiro de 2005. Blumenau.
- ECHNER, Bernd und Hilla. Fachwerkhauser des siegener industriegebietes. Munchen: Schirmer/Mosel, 1977.
- GERLACH, Gilberto S.; KADLETZ, Bruno K.; MARCHETTI, Marcondes. Colônia Blumenau no Sul do Brasil. 1. ed. São José: Clube de cinema Nossa Senhora do Desterro, 2019.
- GERNER, Manfred. Fachwerk Entwicklung, Instandsetzung, Neubau. 1. ed. München, Druck und Bindung: Printer Trento, Printed in Italy, 2007.
- HANSEN, Wilhelm; KREFT, Herbert. Fachwerk im Weserraum. Hameln, Alemanha: CW Niemeyer, 1980.
- HUF HAUS. Disponível https://www.huf-haus.com/de-de/hausideen/ Acesso em: em 28 de junho de 2020 – 22:24h
- Lumipolar. Fachwerk and Chalet: a Modern Interpretation ih History. Disponível em: https://lumipolar.com/house/dandy-287 . Acesso: 16h54.
- VEIGA, Maurício Biscaia. Arquitetura neo-enxaimel em Santa Catarina: a invenção de uma tradição estética. 174 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte, USP, 2013.
- VEIGA, Maurício Biscaia. Arquitetura neoenxaimel em Santa Catarina: a invenção de uma arquitetura típica. Revista Confluências Culturais. V3. N°1. ISSN 2316-395X. Joinville. Março de 2014.
- VIDOR, Vilmar. Arquitetura, cultura, identidade local. Revista de Divulgação Cultural. v. 17, n. 58, maio 1995 / abr. 1996, p. 47-50.
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