O natural pode e deve conviver com o urbano
Nos dois artigos anteriores, manifestei-me sobre o sumiço da bela prainha que havia na ponta da Ponta Aguda em pleno centro de Blumenau, sumiço este que pode ser atribuído muito mais as sucessivas e inconsequentes obras de interferências no rio do que a causas naturais.
Quando se considera o enrocamento feito no local da prainha, tornando aquela singular e bela curva do rio uma espécie de curva tão perfeita quanto desastrosamente artificial, então podemos falar de tiro de misericórdia na prainha, ou, como preferir, assassinato da prainha.
Assassinatos de paisagens naturais, especialmente as ligadas a cursos d’água, foram a tônica e a moda ao longo de muitas décadas, para não falar de séculos, na maioria dos países do mundo.
De uns tempos para cá, percebendo a necessidade de um desenvolvimento mais harmonioso com a natureza e o verde urbano, muitos países passaram a mudar de postura e adotar estratégias tecnicamente bem embasadas de renaturalização do urbano.
Em Seul, capital da Coreia do Sul, por exemplo, o riacho Cheonggyecheong, nos anos 1960, estava tomado por ocupações irregulares e construções extremamente precárias sobre palafitas que invadiam o rio, cenário muito parecido com o caos e a desorganização que, infelizmente, continuamos a observar ainda hoje na maioria das cidades brasileiras.
A partir dos anos 1970 uma pista elevada cobriu totalmente esse riacho, obra que virou símbolo do “progresso” daquele país. Lembrava muito, para quem conhece, a Avenida do Estado em São Paulo, que cobre de anacrônico concreto amplo trecho do rio Tamanduateí, naquela capital.
Enfrentando poderosa oposição dos meios empresariais, um prefeito corajoso e visionário resolveu mudar esse cenário e o Cheonggyecheong, afluente do rio Han, depois de dois anos e três meses de obras, voltou a correr ao ar livre, foi despoluído e replantado com muitas árvores e diversos outros vegetais. Transformou-se num verdadeiro oásis urbano, tanto para as pessoas quanto para a vida selvagem.
Desde sua inauguração em 2005 já recebeu 200 milhões de visitantes, virou uma das maiores atrações turísticas de Seul, alavancando mais a economia local do que quando era uma barulhenta avenida para passagem de 170 mil veículos/dia. Administradores do mundo inteiro viajam a Seul para estudar o caso e tentar replicar o modelo nas suas cidades.
Não será necessário gastar dinheiro público em viagens a Europa, Coreia ou outros países para ver esses exemplos. O modelo, ou melhor, os princípios básicos que norteiam a renaturalização de ambientes urbanos já estão ficando bem conhecidos.
Em Blumenau, no caso da prainha e proximidades, talvez já seja tarde, mas, pelo menos, quando a próxima enchente voltar a destruir (mais uma vez!) as equivocadas e anacrônicas obras que por ali estão sendo implantadas, que se aproveite para, na recuperação, fazer a coisa certa. De imediato, porém, se for retirado o enrocamento do local, já é um bom começo.
Nos demais cursos d’água não só de Blumenau, como em outras cidades (Brusque e Joinville, por exemplo) é possível com um bom planejamento, direcionar para a manutenção do fantástico natural que ainda resta na malha urbana de nossas cidades ou, se for o caso, renaturalizar os trechos já excessivamente dominados pelo concreto, pelos gabiões e obras similares.
Gigantescos deslizamentos de encostas como esse (observar o guia Raulino Rautenberg acima e o biólogo Antônio Maurício Schmidt abaixo, na altura da metade do deslizamento) foram objeto de estudos de campo que qualificaram a Serra do Itajaí como uma das regiões geologicamente mais frágeis de Santa Catarina.
Tal fato, junto com a qualidade de preservação das matas no lugar foram, entre outros, os grandes motivos que culminaram na decisão do governo federal criar ali o Parque Nacional da Serra do Itajaí, visando a conservação das águas classe 1, a biodiversidade e segurança das populações residentes mais abaixo contra o agravamento dos desastres naturais.
Foto Lauro E. Bacca, 1981.
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