Procura por casamentos homoafetivos cresce em Blumenau

Garantido apenas por uma resolução, casais buscam garantir direitos com o registro

A cada ano que passa, aumenta a procura de casais homoafetivos pelo casamento civil. O registro, que garante diversos direitos aos dois, passou a ser garantido também à comunidade LGBTQ+ em maio de 2013, quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Resolução 175 que proíbe que tabeliães e juízes se recusem a registrar a união.

Em Blumenau não foi diferente. De acordo com os dois cartórios que realizam o casamento civil na cidade, a busca de registros entre casais homoafetivos vêm crescendo muito nos últimos anos.

Segundo Alessandra Vieira, auxiliar do Cartório Gaya, a procura de homens ainda é maior do que das mulheres. Na última semana, dois casais gays foram registrados durante o 7º Casamento Coletivo de Blumenau.

As blumenauenses Thais Sevegnani e Laila Aline Kreuzer escolheram 2019 para oficializar a união de sete anos. Ambas educadoras (Thais de Educação Física e Laila pedagoga), elas acabaram se mudando para Itapema recentemente por conta de um processo seletivo.

Entretanto, fizeram questão de casar em Blumenau. O relacionamento delas tem como marco a Ponte de Ferro, já que Thais morava na Ponta Aguda e Laila perto da Prefeitura de Blumenau, e precisavam cruzar a via para se encontrar.

“Nós adorávamos ficar nesta ponte juntas. Olhando e curtindo o instante. A gente se deu bem desde que nos conhecemos. As ideias, as concepções políticas, eu não poderia ter conhecido pessoa melhor”, declara Thais.

Debora Eloisa

Entretanto, nem sempre foi assim. Elas costumam dizer que o relacionamento “começou ao contrário”. Ambas dividiam uma amiga em comum, Debora, e morriam de ciúmes da outra. Se Debora saía com uma, não podia chamar a outra.

Moradora de Indaial, Debora acabou convidando as duas para irem até a casa dela em março de 2012. Segundo Thais, tudo mudou no segundo que elas se viram. A amizade começou a florescer e ela foi até a casa de Laila cuidar dela quando estava doente.

No início foi difícil, pois Laila levou muito tempo para assumir para os pais a orientação sexual. Thais, que já havia lidado com isso aos 14 anos, se manteve pacientemente ao lado da namorada por quatro anos até que elas pudessem conviver em paz com as famílias.

“Nosso casamento não foi só trocar alianças, vai muito além disso. Teve toda uma quebra de barrerias e preconceitos das famílias. Foi uma sessão de perdão. Nossas mães falaram muito durante a celebração. Choramos do início ao fim, parecia um velório”, brinca.

Laila (esq.) cortando o bolo de casamento ao lado de Thais. Foto: Debora Eloisa

A festa de casamento também foi uma forma de dar visibilidade ao assunto. Thais destaca que, durante a celebração, elas lembraram os convidados dos índices de violência contra a comunidade LGBTQ+ em Santa Catarina.

“Nós chegamos lá, mas também representamos todas as mulheres lésbicas que queriam estar ali e não conseguiram porque foram violentadas ou mortas”, destaca.

De início, elas planejavam convidar cerca de 15 amigos para o casamento, mas logo amigos da faculdade e familiares começaram a ligar dizendo que ficaram sabendo e queriam comparecer. Foram 70 pessoas, com direito a entrada, troca de alianças, bolo e fotos.

“Visibilidade no nosso meio LGBT é tudo. O casamento não é só uma troca de alianças, foi uma chance as pessoas verem quem realmente somos. E não mais me tratar como a ‘amiga da Laila’. Agora a mãe dela, quando me apresenta, fala ‘essa é a esposa da minha filha'” comemora.

Debora Eloisa

Além de uma questão de oficializar a relação, Thais e Laila buscaram a garantia dos direitos. Especialmente por temerem que a jurisprudência que garante o casamento homoafetivo seja derrubado no futuro.

“Estamos juntas há sete anos e sabemos que, se acontecer alguma coisa, a outra não teria direitos sem passar num processo na justiça. Como é muito recente e ainda há muito preconceito, tivemos medo de perder isso”, explica Thais.

Juntas, elas compraram uma Kombi e planejam viajar antes de iniciar uma família. Elas ainda não decidiram se vão optar pela adoção ou pela inseminação, mas estão tranquilas por saberem que poderão registrar o nome das duas na certidão da criança.

Uma década de união estável

Renato Medeiros e Felipe Tiago Sardá oficializaram a união antes de 2011, quando o casamento homoafetivo passou a ser liberado – mas ainda não era garantido. Há 10 anos, em janeiro de 2009, eles formalizaram uma união estável por um propósito bem específico: para que Renato pudesse compartilhar o plano de saúde com o companheiro.

Entretanto, o relacionamento deles começou em 2003, quando a internet ainda era muito diferente do que a que conhecemos hoje. Foi no mIRC, um programa de chat do qual muitos jovens nem ouviram falar, que Renato e Felipe trocaram as primeiras mensagens.

Renato já morava em Blumenau desde 1995, mas Felipe residia em Rio do Sul. Eles marcaram um encontro no município do Alto Vale do Itajaí e logo começaram a se ver todos fins de semana, mas Felipe ainda estava terminando o ensino médio.

Quando chegou a hora de prestar vestibular, Felipe acabou indo parar ainda mais longe de Renato: cursou engenharia civil na UFSC, em Florianópolis, onde morou por cerca de seis anos. No fim de 2008, ele finalmente pôde se mudar para Blumenau e os dois passaram a morar juntos.

Renato (esq.) e Felipe estão juntos desde 2003. Foto: Arquivo pessoal

No final de janeiro de 2019, o documento oficializando a união do casal foi assinado. Apesar de a decisão ter surgido por uma questão burocrática, para garantir os direitos deles como companheiros, foi um grande passo para oficializar a relação.

No meio do caminho, o trabalho voltou a distanciá-los. Felipe recebeu uma proposta para trabalhar em uma obra em Londrina, no Paraná, onde ficou por quase três anos. Apesar dos cerca de 500 quilômetros que os separavam, eles ainda conseguiam se ver todo fim de semana graças às reuniões da empresa que também aconteciam em Blumenau.

Hoje, eles estão mais unidos do que nunca. Além de terem completado uma década de união estável, Renato e Felipe administram juntos um supermercado no bairro Progresso. Felizmente, eles não relatam terem sido vítimas de preconceito da comunidade blumenauense.

“Se sofremos, não percebemos. Somos bem resolvidos com nós mesmos e temos muito apoio da família. Quando os teus pais te aceitam, o restante nem importa mais, porque você tá bem amparado”, relata Renato.

Questionado se tem vontade de transformar a união estável em um casamento civil, direito que agora é garantido à eles, Renato afirma que já considerou a possibilidade, mas no momento não vê necessidade.

“Até pensamos em fazer isso no ano passado. Porém, conversamos com nosso advogado e não chegamos a nenhuma conclusão se seria melhor fazer ou não. No caso de herança ou partilha ele acha mais viável fazer um testamento ao invés de casamento”, explica.

Arquivo pessoal
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