“Quem sai perdendo com a censura de Marighella somos nós brasileiros”
Colunista critica decisão do não lançamento de filme, que virará série na Rede Globo
Sobre a proibição do filme Marighella no Brasil
Estrearia nos cinemas do Brasil, em 20 de novembro de 2019, dia da Consciência Negra, o filme Marighella, dirigido por Wagner Moura e estrelado por Seu Jorge. A obra, entretanto, teve sua estreia cancelada, e deve virar série em quatro episódios na Rede Globo em 2020.
Este é mais um exemplo de produto audiovisual censurado, situação vivenciada frequentemente junto à Agência Nacional do Cinema (Ancine) neste ano.
Em condição semelhante a Bacurau, Marighella faz sucesso no exterior. Aplaudido no 69° Festival Internacional de Cinema de Berlim e selecionado em vários festivais, o filme é baseado em biografia escrita pelo jornalista Mário Magalhães sobre Carlos Marighella.
O biógrafo comenta que o longa narra uma história que não querem que seja conhecida, condenando o protagonista ao esquecimento. São constantes, justamente por isso, os empecilhos e boicotes impostos à sua exibição no Brasil, seguindo a mesma cartilha de bloqueio às produções audiovisuais sobre temas que desagradam o governo de Jair Bolsonaro.
Wagner Moura, assinando pela primeira vez a direção de um filme, sofreu muitos ataques nas redes sociais por ter dirigido um filme sobre Marighella. Na narrativa, acompanhamos os últimos cinco anos de vida do inimigo número 1 da ditadura civil-militar, desde o golpe em 1964 ao seu assassinato em 1969. Um homem que “honrou a causa que adotou”, como diria os Racionais Mc’s.
Além da hostilidade ao Moura, o próprio filme foi negativado em massa no site IMDb (com denúncias de utilização de robôs), antes mesmo de ser lançado no país. Em resposta, o IMDb desativou as avaliações na página.
A escolha da estreia ter sido programada para o dia 20 de novembro não foi aleatória. Para Moura, retratar Marighella como negro foi fundamental. Além de apresentar uma narrativa de vida enquanto ato de resistência e coragem, “não há como discutir qualquer questão social no Brasil sem falar sobre questões raciais”, completa.
Algumas pessoas, críticas ao filme, foram incisivas ao dizer que Marighella não era negro. No entanto, não há dúvida, nas palavras de Magalhães, que Marighella era negro e sofreu situações de racismo na vida.
Filho de pai italiano e de mãe negra, Carlos Marighella é uma genuína demonstração da mestiçagem do povo brasileiro. Dadas as tentativas de embranquecê-lo, a antropóloga e historiadora Lilia Moritz Schwarcz comenta que sempre há uma qualificação positiva da mestiçagem, como se fosse um sinônimo de igualdade ou de ausência de discriminação.
Sabemos que manifestações desta natureza, negando a condição negra do guerrilheiro, validam as permanentes tentativas de reforço ao mito de democracia racial e de embranquecimento da população negra do país.
O audiovisual confirma, há muito tempo, valores e princípios pautados na ideia de branquitude, evidenciados por silenciamentos e constantes representações estereotipadas do negro.
Por isso, debater classificações como “pardo”, “mestiço”, “mulato”, “crioulo”, “mameluco”, bem como questões de colorismo, é importante e necessário. O Brasil e um país racista e precisamos admitir isso.
Quando um filme dá voz aos artistas pretos, vemos logo objeção por um grupo de indivíduos, um esforço de silenciamento que deve ser combatido e que a equipe de Marighella faz com primazia.