A arquitetura religiosa de um povo ou cidade reflete sua cultura, tecnologia e práticas em um recorte de tempo, dentro de sua história. Também aconteceu assim, nos primeiros tempos da Colônia Blumenau e depois, a partir das inúmeras cidades desmembradas desta, na primeira metade do século XX.
Dentro da história da Colônia Blumenau, no princípio, durante a ocupação dos primeiros lotes coloniais, a partir da segunda metade do século XIX, foram construídas igrejas temporárias, posteriormente, com o uso da técnica conhecida por eles – o enxaimel – e o estilo do período, produziram suas primeiras edificações religiosa em solo brasileiro. Com o passar de algumas décadas, ocorreram algumas mudanças no método e uso da técnica de construir. Adotaram o estilo vigente com as paredes autoportante.
Passaram a adotar, quase dentro de uma unanimidade, o estilo Romântico (século XIX) com características do Neogótico. Estilo com traços do Gótico e mais a influência das culturas exóticas do oriente e do Egito, caracterizando, então, o estilo Eclético (mistura de estilos e linguagens). Não foi diferente com uma das primeiras igrejas do Vale do Itajaí – a Igreja do Espírito Santo, Igreja Protestante de Confissão Luterana do Stadtplatz da Colônia Blumenau, ou, de sua centralidade.
Para registro histórico, a pedra fundamental da igreja foi lançada no dia 23 de setembro de 1868. Exatos 9 anos após a essa data, em 23 de setembro de 1877, a igreja foi inaugurada e batizada com o atual nome – Igreja do Espírito Santo. O primeiro Pastor foi Rudolph Oswald Hesse que assumiu a comunidade desde o ano de 1857.
Um pouco sobre a Igreja do Espírito Santo
Igreja Protestante de Confissão Luterana
A Igreja Espírito Santo foi construída na primeira centralidade do Vale do Itajaí e dentro de um plano cuidadosamente planejado e elaborado pelas primeiras lideranças locais – primeiros imigrantes. Está localizada em uma das “pontas” de um “eixo”, onde na outra, está o antigo porto fluvial, uma das principais portas de entrada dos imigrantes que chegaram durante as primeiras décadas da história local à região, principalmente aqueles oriundos do porto de Itajaí. Atualmente – no endereço: R. Amazonas, n° 199 – no bairro Garcia – Blumenau-SC e não mais no centro como ficou registrado em um dos seus nomes “Igreja Luterana Centro”.
Por que? Explicaremos.
Esta igreja é a primeira igreja luterana construída no Vale do Itajaí, então considerado o grande território da Colônia Blumenau. Como mencionado, por ser uma igreja luterana, foi construída sem torre, a qual foi construída anos depois (após o golpe de estado, historicamente conhecido como Proclamação da República) e foi finalizada em 1929, para abrigar o sino. O sino foi fabricado em Bochum, na Alemanha, em 1873.
Como era comum na época de sua construção, os membros da comunidade eram sepultados aos fundos das igrejas, assim também foi feito na Colônia Blumenau. Onde atualmente pode-se visitar um museu a céu aberto, cemitério histórico contando com registros das primeiras famílias da comunidade e cujo registro é muito bem organizado na secretaria da igreja.
Também nessa igreja, casaram-se e estiveram nos cultos, os pioneiros da Colônia Blumenau, como por exemplo Pedro Wagner (suas segundas núpcias) e seus filhos – pioneiro na região, chegado muito antes da vinda do fundador – Hermann Blumenau.
“(…)Peter Wagner / Pedro Wagner tinha 8 filhos neste momento. Não se passou nem um mês após o falecimento de Agnes e se casou com sua vizinha – filha da Família Metzner que se chamava Frederika. Eram vizinhos de porta. Ele tinha 44 anos e ela tinha 16 anos. Casaram-se no dia 4 de junho de 1862 na Igreja Evangélica de Blumenau,
Nos primeiros tempos, na Colônia Blumenau, Herr Renaux foi trabalhar em Salto Weissbach. Após um tempo, mudou-se para Brusque, onde foi gerenciar a filial da empresa Asseburg e Willerding. Conheceu Selma em Gaspar, que era auxiliar de Professora em Blumenau. Casaram-se no dia 19 de fevereiro de 1884 na Igreja Evangélica de Blumenau – inaugurada em 1877. Quem celebrou o casamento da filha de Johann Peter Wagner / Pedro Wagner com Carl Christian Renaux foi o Pastor Heirich Sandreczki, enviado pela missão evangélica de Basel. Neste tempo a igreja evangélica era construída, mas sem torre, pois a religião oficial continuava sendo a Católica.” WITTMANN, 2016.
Ao contrário de outros exemplos não muito positivos envolvendo o patrimônio histórico e cultural da região, o templo original e primeiro, Igreja do Espírito Santo, não foi retirado do espaço para dar lugar a um novo, quase sempre, de gosto duvidoso. Exemplo.
Atualmente, a Igreja do Espírito Santo é um dos pontos focais relevantes dentro da paisagem histórica – tão importante para todo o Vale do Itajaí, que é o Centro Histórico de Blumenau – do Stadtplatz da forte Colônia Blumenau. A Igreja Espírito Santo é também conhecida como a Igreja Luterana da comunidade do centro, porque fazia parte do complexo do Stadplatz – a primeira centralidade da Colônia Blumenau – mais ou menos, o mesmo território do atual do Vale do Itajaí, onde estavam os principais pontos focais da colônia – na época – como o Boulevard Hermann Wendeburg – Palmenalle Strasse, Casa Câmara e Cadeia, escolas, porto e as principais casas comerciais do século XIX e início do século XX, da colônia. A igreja era frequentada pela elite das primeiras décadas históricas de Blumenau, que eram predominantemente luteranos.
Arquitetura
O projeto da Igreja do Espírito Santo foi assinado pelo engenheiro Heinrich Krohberger, dentro da linguagem neogótica, com planta octogonal (23 de setembro de 1877). Observamos a “não funcionalidade” da planta octogonal. Predominou o efeito decorativo, destaque para os adornos de origem asiática.
Pode-se dizer que pretendeu seguir o cultural estilo Neogótico, mas com pouca exploração de suas principais características. O Gótico e Neogótico foram e são a “arquitetura nacional cultural” do alemão e do austríaco e portanto veio para o Brasil com os pioneiros alemães, em construções autoportantes de tijolos maciços e pedras.
Na igreja do Espírito Santo foram adotados os vitrais, em quantidade pequena, sendo estes doações de famílias locais. A posição dos vitrais está voltada para o Sul, onde a luminosidade do sol é menor. Tentou-se fazer uma arquitetura dentro da cultura vigente da época com todos os seus significados, porém com a presença de inovações – novas. Adotando a mudança da planta (octogonal) e a forma de uso da abóbada central.
Explorou-se muito pouco a liberação das paredes da estrutura principal como acontecia com as grandes catedrais góticas e também em algumas neogóticas, repletas de vitais. Neste caso, as paredes são autoportantes o que restringe o uso de grandes vãos e talvez, explique o pouco uso de vitrais. Se fosse diferente, teria mais leveza e transparência no resultado final do espaço e consequentemente, mais luz no ambiente interno. Isto não significa que não possua uma beleza na plástica arquitetônica, única, com identidade arquitetônica definida, munida de um grande lastro histórico.
O ponto mais alto da abóbada, onde ocorre o encontro de vários arcos ogivais, presos neste ponto, circundado por fechamento em veneziana, promovendo a saída do ar quente, que naturalmente sobe, promovendo assim uma circulação de ar e ventilação.
O acesso principal é composto pelo conjunto de três portas com arcos ogivais e três rosáceas em um volume saliente frontal, que lembra o de uma torre, observando a não verticalização. As janelas frontais apresentam, através de sua forma alongada, e com arcos ogivais, a característica vertical do conjunto.
O órgão que se encontra no balcão, atualmente – foi construído no ano de 1933, na capital do Brasil da época – cidade do Rio de Janeiro. O fabricante foi Guilh. Berner.
Em síntese…
A Igreja do Espírito Santo fazia parte do complexo do Stadtplatz – a primeira centralidade da Colônia Blumenau – mais ou menos, o mesmo território do atual do Vale do Itajaí, onde estavam os principais pontos focais da colônia – na época – como o Boulevar Hermann Wendeburg – Palmenaller Strasse, Casa Câmara e Cadeia, escolas, porto e as principais casas comerciais do século XIX e início do século XX. Esta centralidade enfraqueceu com o fortalecimento da comunidade católica assentada na Rua XV de novembro. Esta comunidade construiu nas proximidades da igreja católica a Casa São José, que era um espaço multiuso frequentado por todos os católicos da Colônia Blumenau, construído com o material do antigo Galpão do imigrante, denominado Casa São José. Este espaço era hotel, rodoviária, restaurante, teatro, salão de baile, café, muito frequentado, tornando-o naturalmente uma centralidade e com isto, fez surgir a especulação imobiliária para os imóveis desta região da Rua XV de Novembro, responsável também por tirar a Casa São José da paisagem e da História, sem com isto impedir que a Igreja do Espírito Santo ficasse fora deste centro gravitacional. Mesmo assim continuou com a denominação “Igreja luterana do centro”.
Sempre que possível, efetuamos inúmeros registros da igreja, dentro de diversas datas – para a história.
A Igreja do Espírito Santo foi é tombada por sua importância cultural e histórica em Blumenau, na região e em Santa Catarina, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPHAN no grupo: Edificações e Núcleos Urbanos e Rurais relacionados com a imigração em Santa Catarina – sob o nome Igreja Luterana do Espírito Santo. Número do Processo é 1548-T-2007 registrado no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico: Inscrito em 09/2015, no Livro do Tombo Histórico: Inscrito em 09/2015 e no Livro do Tombo Belas Artes: Inscrito em 09/2015.
Também está tombada, pela Fundação Catarinense de Cultura FCC, como Igreja Luterana e Igreja do Espírito Santo, sob o número de Processo: 122/2000 e decreto de tombamento: n° 5.913, de 21/11/2002.
Para esclarecer:
“A maior parte dos exemplares enxaimel estão localizados nas áreas rurais de Blumenau e municípios vizinhos, onde essa arquitetura se difundiu ainda mais e permanecem preservadas. Após esse primeiro período, até o fim do século XIX, Blumenau passou por uma grande mudança em sua arquitetura. As pequenas e singelas casas começam a ser substituídas por edificações maiores, com dois pavimentos e estrutura em alvenaria autoportante, representando uma arquitetura mais refinada, mais confortável, que procura refletir o sucesso da colônia e os anseios da época pelo progresso. Na Rua XV de Novembro, a principal rua no centro da cidade, existe um conjunto de edificações singulares dessa época. ” Fonte FCC
A casa enxaimel surgiu nas áreas urbanas e rurais e teve evoluções distintas nos lugares urbanos e rurais. Classificamos esta evolução em nosso livro “Fachwerk – A Técnica Construtiva Enxaimel”. As primeiras igrejas em algumas comunidades foram construídas de maneira vernacular, com a técnica enxaimel. Existiu edificações construídas com a técnica construtiva enxaimel monumental para diversos usos, desde salões de baile, hospitais, hotéis e restaurantes. A casa construída com a estrutura enxaimel evoluiu da “casinha” para casa bem elaboradas e de diversos usos. Com a complexidade social a partir do surgimento de novas classes sociais na região, início do século XX, estes novos comerciantes e industriais, em contato com a Europa, Alemanha, trouxeram o “novo” no que tange arquitetura em pleno período conhecido pela denominação “Neos”, que aconteceu com mais assiduidade, nas nucleações urbanas maiores da Colônia Blumenau. Com intuito de acompanhar esta tendência, muitos rebocaram sua casa enxaimel. Mesmo na Rua XV de Novembro, citada pelo FCC, há inúmeras tipologias de outros tempos, construídas em enxaimel, rebocadas.
Restauração
A Igreja do Espírito Santo está passando por um processo de restauro, a partir do trabalho de uma equipe, que iniciou em 6 de julho de 2019, quando a comunidade luterana assinou o contrato com a construtora responsável pela primeira fase dos trabalhos – Construtora Hahne, cujo capital foi captado mediante um edital público. No primeiro estágio do restauro foi priorizado o telhado, torre e vitrais. Neste tempo a previsão era de que a igreja ficasse fechada para a comunidade por cinco meses. Nesse período, cultos, batismos, casamentos e outras celebrações aconteceram no ambiente do salão da comunidade que foi adaptado.
O projeto de restauro previu a recuperação do telhado coberto com telhas planas, tipo “rabo de castor” em estrutura de madeira, onde internamente se apresenta com a forma de arcos ogivais, sustentando a cúpula composta por arcos que formam oito gomos. O restauro também abrangeu os seus cinco vitrais, o lanternim, o galo e a indicação dos quatro pontos cardeais. Com isto também foi feito uma grande manutenção e ampliação do órgão, um dos dois existentes em Blumenau que foi enviado para Porto Alegre. O órgão começou a ser desmontado no dia 12 de setembro de 2019 sob a coordenação de Édson Groth da Orgelklang de Porto Alegre. De acordo com o novo organista da comunidade luterana centro, Cleonir Geandro, o órgão recebeu mais tubos com dois registros novos que são de oboé, trompete e fagote.
Para terminar, foram feitas adequações às normas de acessibilidade e segurança, melhorias na drenagem próxima à edificação e da iluminação interna e externa, bem como a atualização das tecnologias.
A equipe que está à frente deste trabalho com a ajuda de muitos é formada por:
- Milton Jandrey – Coordenador Pastoral da Paróquia
- Dietmar Piske – Presidente da Paróquia
- Ricardo Stodieck – Coordenador da Captação dos Recursos
- Rosália Wall – Coordenadora do Projeto de Restauro
De acordo com o Pastor Milton Jandrey, a Igreja do Espírito Santo será entregue oficialmente à comunidade em um culto festivo a ser realizado em 11 de dezembro de 2022, às 9h00.
Um Registro para a História!
Sou Angelina Wittmann, Arquiteta e Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade.
Contatos:
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@AngelWittmann (X)
Referências
- BRASILIANA FOTOGRÁFICA. Instituto Moreira Salles. Álbum de Blumenau – Vista Parcial da Cidade – Acervo Pedro Corrêa do Lago. Disponível em: <http://brasilianafotografica. bn.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/2621> Acesso em: 30 de setembro de 2019 – 21:27h.
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Sou Angelina Wittmann, Arquiteta e Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade.
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Em breve – Estaremos lançando o livro: “Fragmentos Históricos – Colônia Blumenau” – inspirado nos artigos desta coluna. Aguardem.