No 16° artigo apresentado na coluna “Registro para a História” disponibilizamos para a sua leitura um exemplar de arquitetura que marcou a comunidade de Altona, Blumenau e região, por várias décadas desde o século XIX e pode-se dizer, até o tempo presente, quando o encontramos em processo de ruinificação: o Casarão Salinger. Este, atualmente está localizado no bairro de Itoupava Seca e faz parte do patrimônio da Furb. É sem dúvida alguma, um ponto focal com lastro histórico, dentro de Blumenau e região, ainda.

À esquerda – propriedade do serralheiro Heinrich Clasen e de sua esposa Auguste, sogros do cervejeiro Karl Rischbieter – Povoação de Altona – início século XX

O casarão da Companhia Industrial e Comercial Salinger foi um dos pontos mais movimentados e comentados em toda a Colônia Blumenau – de leste a oeste, de norte a sul, no final do século XIX e início do século XX. Foi um ponto de entreposto comercial criado pelo Cônsul Honorário da Alemanha da Colônia Blumenau, Gustav Salinger.

Gustav Salinger chegou à Colônia Blumenau em 1881, mas já estava no Brasil desde 1876. Durante este período, acompanhado, do imigrante dinamarquês (embora muitos imaginem ser alemão), nascido em 5 de outubro de 1857 na cidade de Tondern – Schleswig-Holstein,  território da Dinamarca,  Peter Christian Feddersen. Os dois, Feddersen e Salinger estiveram à frente da empresa de exportações de produtos coloniais e também da fábrica de charutos – onde grande parte destas atividades estavam concentradas no casarão e no complexo existente em torno deste em Altona, o qual apresentamos neste momento – como Casa Salinger.

Casarão Salinger em maio de 2018

Um pouco do início desta História e seus atores.

Gustav Salinger

Filho de Nathan Salinger e Ida Salinger., nasceu em 23 de janeiro de 1849 na cidade alemã de Uckermark

O pioneiro pomerano Gustav Salinger nasceu em 23 de janeiro de 1849, um ano antes da fundação da Colônia Blumenau, em Uckermark, parte do território da nação alemã criada em 1871. Seus pais foram Nathan Salinger e Ida Salinger. Salinger pertencia a uma família (gerações) de tradicionais comerciantes. De acordo com o Professor Max Humpl, no início do século XX, o primo de Salinger possuía uma importante Casa Comercial em Berlin. Salinger chegou ao Brasil em 1876 com 27 anos, fixando-se em Brusque. A Alemanha – como nação existia há 5 anos.
Um tempo depois, mudou-se para a cidade de Itajaí, para trabalhar no Comércio de Wilhelm Assenburg. Lecionou matemática para os filhos de Assenburg. Quem também trabalhou nesta firma – filial de Brusque – como gerente, foi o genro de Pedro Wagner – Carl Franz Albert Hoepcke.
Em 1881 se mudou para Blumenau para gerenciar a filial da Asseburg & Cia, localizada no Stadtplatz da Colônia Blumenau.

Localização da firma Gustav Salinger & Cia no Stadtplatz de Blumenau

Gustav Salinger comprou a filial de Wilhelm Assenburg e tornou-se a mesma voltada para os negócios de importação de mercadorias e exportações de produtos coloniais, excedente das propriedades agrícolas, pequenas indústrias familiares. Exportava produtos como banha, manteiga e fumo. Sua firma passou a se chamar Gustav Salinger & Cia. e estava localizada onde atualmente, parcialmente está sediado o Museu de Hábitos e Costumes de Blumenau.  A partir desta firma do Stadplatz da Colônia Blumenau, fundou inúmeras filiais no grande território da Colônia Blumenau, com o então sócio, Peter Christian Feddersen.

Observar a gravura, pode se ter uma ideia da sequencia de ampliações/intervenções na edificação. No telhado/mansarda não havia o Dachgaube e já existia a ampliação da lateral direita.

Em 1881, Salinger se naturalizou brasileiro e assim poderia ocupar funções públicas, o que não tardou a acontecer. Casou-se com Dorothea Reich. Não tiveram filhos no casamento. Adotaram a menina Olga Müller (nascida em 5 de maio de 1887), o que, talvez, explique a forte presença do sócio Coronel Feddersen nos negócios da firma. Sua filha adotiva Olga se casou com Victor Probst.

Em 5 de janeiro de 1884 foi eleito 1º Suplente na subdelegacia e em 18 de novembro de 1885, suplente de Juiz Municipal. 

Em 1888 foi eleito titular e suplente de Juiz de Órfãos entre os anos de 1885 e 1887. Presidiu a Câmara Municipal de Blumenau entre 1889 e 1890, que era a mesma função do atual prefeito. Em 1887 fez parte da Sociedade da Imigração e ocupou o cargo de Cônsul Honorário da Alemanha em Blumenau, por 25 anos. 

Gustav Salinger foi um dos grandes incentivadores da Neue Deutsche Schule fundada em 1889 e da Sociedade Teatral Frohsinn.

Stammtisch – Rua XV de Novembro
Neue Deutsche Schule: com seus alunos e o Professor Rudolf Damm, outros professores, alunos e o pastor Faulhaber, que junto com o Professor Damm dirigia a escola

Em 25 de outubro de 1887, Salinger recebeu da Assembleia Legislativa Provincial de Santa Catarina a concessão, por 30 anos, para a construção de uma estrada de cargueiros entre Curitibanos e Blumenau. Em 1890, tornou-se diretor da Companhia Construtora da Estrada Blumenau-Curitibanos.
Durante o II Império, fazia parte do Partido Conservador e depois do golpe militar – Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, ingressou no Partido Federalista. Em 1891 foi eleito Suplente de Deputado Estadual com 2.249 votos, e convocado, tomou posse à 1ª Legislatura no mesmo ano.
Com surgimento das classes sociais a partir de uma mesma base que formava a sociedade do Kulturverein, fez parte de toda esta movimentação, a partir da separação das classes, antes formadora de uma só sociedade: colonos, industriais e comerciais. Salinger foi determinante para a criação da Associação Comercial e Industrial de Blumenau – ACIB em 5 de novembro de 1901, sendo a primeira associação empresarial do estado de Santa Catarina. Com isso, Salinger foi sócio fundador da ACIB e em 1898 foi eleito o seu primeiro presidente com mandato entre 1898 e 1917.
Também fez parte do grupo de lideranças locais responsáveis pela construção da Usina Hidrelétrica do Salto, em Blumenau, em 1912, localizada no Rio Itajaí-Açú, entre eles: Paulo Zimmermann, Pedro Cristiano Feddersen e Carl Jensen.  Para registrar, Gustav Salinger partiu em 9 de fevereiro de 1920.

Cemitério da Igreja luterana Espírito Santo – Centro – Blumenau.
A sede da nova filial da firma de Gustav Salinger – Localidade de Altona – atual – Bairro de Itoupava Seca – Blumenau SC. Atualmente é parte do patrimônio da FURB

A partir da expansão dos negócios, Gustav Salinger atento às movimentações econômicas e políticas da Colônia Blumenau, abriu sua primeira filial em 1885, na localidade mais efervescente sob o aspecto econômico – da Colônia Blumenau da época, que era a povoação de Altona (atual bairro de Itoupava Seca). Instalado e não satisfeito, em 1891 Salinger comprou o “chão” – parte do lote colonial da viúva Augustine Thomsen. Mapa abaixo – desenhado pelo Professor Max Humpl em 1918 – complementado pelos organizadores da publicação: Méri Frostcher Kramer e Johnnes Kramer – referência no final da postagem.

Em 1892, Gustav Salinger transferiu a filial de Altona, até então instalada na antiga casa dos Stein (desde 1885), para a nova sede – atual casarão existente na paisagem. Esta filial, cuja matriz era localizada no Stadtplatz da Colônia Blumenau, foi aberta neste ponto da Altona, por sua ótima localização e franco desenvolvimento da nucleação urbana – atual bairro de Itoupava Seca. O local estava muito próximo do porto de cargas de colônia e também, estava ao lado da estrada principal que fazia ligação com todo o oeste da Colônia Blumenau, rumando para a Serra Catarinense e oeste de Santa Catarina.

Guindaste a vapor do porto de cargas no Rio Itajaí Açu – Itoupava Seca
Porto de Cargas – Altona – atual Itoupava Seca

O primeiro gerente da Indústria e Comércio Salinger de Altona foi Peter Christian Feddersen que não demorou muito, tornou-se sócio de Gustav Salinger e foi o mentor intelectual, político e entusiasta da construção da ferrovia EFSC, cuja linha férrea passava muito próximo da empresa de Salinger – em Altona e não por acaso. De acordo com Niels Deeke, o traçado original da ferrovia EFSC deveria passar pela região do bairro da Velha. De acordo com Deeke, foi o lobe da firma Salinger que mudou o traçado para o local que foi executado.

“A casa comercial da firma situa-se no centro de Altona, ao lado da estrada principal que vai de Blumenau para o planalto. Ela se encontra na estação final da hidrovia no Itajaí e ao mesmo tempo no principal lugar de carga e descarga para o trânsito que vai em direção ao Planalto e para Hansa pela Estrada de Ferro Santa Catarina e com o barco a vapor para o porto de Itajaí. Todo o tráfego de veículos passa pelo lugar, formando o entroncamento de todas as estradas que vêm da colônia.” (HUMPL, pg 119.)

Desde a primeira visita de Hermann Bruno Otto Blumenau à região para fundar a colônia agrícola, este pretendia que esta tivesse a base econômica pautada na comercialização e industrialização do excedente das propriedades rurais – inspiração na Doutrina fisiocrata de Quesnay.

Os primeiros imigrantes e colonos que chegaram na Colônia Blumenau, contemporâneo do fundador, tiveram contato com a doutrina de maneira indireta, pois Blumenau seguia os preceitos do ideário do capitalismo industrial do século XVIII, no que tange a economia. François Quesnay foi o autor da teoria que teve grande influência no trabalho de Adam Smith sobre o liberalismo.

Os fisiocratas afirmavam que a agricultura praticada dentro do regime feudal ou camponesa era ultrapassada, visto que os arrendatários capitalistas conseguiam maiores índices de produção. Isto explica o questionamento que ouvimos sempre, do “porque” o processo de colonização em Blumenau foi diferente que outras colônias alemãs, no país. A Colônia Blumenau surgiu como uma empresa.

Uma propriedade na Colônia Blumenau era uma pequena fábrica familiar, com espaço para produção de embutidos, queijos, doces, compotas, schmier, banha, etc. O excedente era comercializado com uma firma, que produzia os mesmos produtos em uma escala maior e era exportado

Na região, os pioneiros passaram a industrializar o excedente da produção de suas propriedades rurais e a Colônia Blumenau, ao lado da Colônia Dona Francisca – no norte do estado, iniciaram o processo de industrialização do Estado de Santa Catarina.

Em um primeiro momento, nas primeiras três décadas de existência da Colônia Blumenau, todos os imigrantes assumiram o papel pertencente à classe social de colono e produtor, até mesmo para sua própria subsistência, pois tinham que construir as “fundações” das primeiras cidades na região – quase em “mutirão”, para sua sobrevivência. Fundaram a primeira associação na qual discutiam assuntos inerentes à colônia e que interessavam a todos: fundaram a associação do Kulturverein.
Com as mudanças sociais surgidas a partir da industrialização local e no Estado de Santa Catarina, se delineia uma nova classificação social pautada em novos grupos, distintos entre si, dentro da sociedade de Blumenau das últimas décadas do século XIX. Naturalmente surgiu outra associação que defendia o interesse da nova classe – os novos industriais/comerciantes da região e também do estado de Santa Catarina – dentro da sociedade vigente e com interesses divergentes a partir da produção industrial – da classe dos fornecedores da matéria prima – excedente das colônias e propriedades coloniais. Esta nova sociedade foi liderada por Gustav Salinger, que como já mencionado, foi o seu primeiro Presidente. Presidente da Associação Comercial e Empresarial de Blumenau, a atual ACIB, que a partir de então, passa a regatear preços dos mesmos colonos que até um tempo atrás, eram companheiros nas aberturas de estradas e trocas de conhecimento sobre geografia, zoologia, botânica entre outras áreas da ciência para o bom desempenho da colônia fundada por Hermann Blumenau.
O Professor Max Humpl escreve:

“A agricultura de Blumenau é dirigida para a policultura, devido à sua localização geográfica, à formação do solo, ao clima e às condições de agricultura familiar. Em consequência disso, não se desenvolveu um objetivo econômico especifico nos primeiros anos de colonização. Com gradual difusão das criações de gado e de suínos, havia no início de 1880, a possibilidade de exportar manteiga e banha. Os mercados do norte do Brasil eram bastante receptivos com relação a esses produtos, e podiam pagar um bom preço de compra bastante rentável, principalmente para a manteiga, produzida pelos colonos. Dessa maneira, a exportação de manteiga prosperou, e desde essa época, ela constitui o mais importante ponto vital para toda a economia de Blumenau.
A firma Salinger e Cia, assumiu a exportação de manteiga e de banha e, em virtude de sua expansão, que naquela época já era significativa, logo de início ela tomou a dianteira. Por conseguinte, a primeira ampliação arquitetônica, no ano de 1894, foi a construção de um espaçoso edifício e das instalações para o beneficiamento de manteiga e banha, para a fabricação de latas e caixotes para embalagens, e para armazéns que eram necessários. Este é um dos méritos pouco reconhecidos da firma, que surgiu no momento certo e sempre defendeu, disposta a auxiliar, a boa causa do comércio de manteiga de Blumenau. (…)
Entre 1894 e 1898, foi construída uma fábrica de charutos. Em 1914 foram construídas instalações para descascamento de arroz e ampliadas em Ascurra. Também foi colocada em funcionamento uma série de pequenas indústrias na sede da Altona, como por exemplo: uma moenda, uma plainadeira, fabricação de arame farpado, torrefadora de café, fabricação de balas, fabricação de tubos de cimento e um moinho.”

Blumenau – Final do Século XIX

A Arquitetura do Bairro Altona

Fotografamos a ruína do Hotel Altona no ano de 2013 – foi demolido, como também foi, o Casarão da Escola Machado de Assis – localizado quase em frente do Casarão Salinger

A maioria das edificações da povoação de Altona, na virada do século XIX para o XX, foram construídas pelo mestre carpinteiro Gustav Kirsten de Itoupava Norte, nascido em 1862 na cidade de Leipzig. Migrou para o Brasil com a idade de sete anos. Também construiu na Altona o mestre-pedreiro Gustav Krieck do Salto Weissbach e o pedreiro Karl Letzow. Quem construiu a edificação do Comercial Salinger  – Casarão Salinger, foi Gustav Kirsten entre os anos de 1891 e 1892 sob coordenação de Peter Christian Feddersen. O terreno foi adquirido da viúva Auguste Thomsen, onde estava sua colônia e casa por vinte e três anos.

Casarão Salinger – parte do patrimônio da FURB – Universidade Regional de Blumenau

À esquerda – propriedade do serralheiro Heinrich Clasen e de sua esposa Auguste, sogros do cervejeiro Karl Rischbieter

A FURB adquiriu a edificação do Casarão Salinger em 2003 – já tombado como parte do Patrimônio Histórico Cultural Arquitetônico de Blumenau. Nove anos após a data da aquisição, ano de 2012, a universidade apresentou um projeto de restauro à comunidade, assinado pelas arquitetas Roseana Lunghard e Rosália Wall. A partir deste, foram aceitas e inseridas sugestões, da comunidade interna da FURB e também, da comunidade blumenauense.

Desde abril de 2014, quando foi divulgado novamente na mídia, de que a instituição pretendia restaurar a edificação histórica, até este momento, se passaram oito anos e o projeto não foi posto em execução.

Através da proposta sugerida pelo projeto, a universidade pretendia transformar a edificação, que se encontra em franco processo de ruinificação – no Espaço Cultural Casa Salinger – abrigando museu, galeria, espaço multicultural, escola de gastronomia, restaurante e um teatro.

Espaço Cultural Casa Salinger – Imagem do projeto apresentado pela FURB em 11 de abril de 2014
Proposta para restaurar o Casarão Salinger a comunidade. Imagem do projeto apresentado pela FURB em 11 de abril de 2014

A proposta com as novas sugestões

A proposta original desenvolvida pelas arquitetas previa, a partir do restauro da edificação e do galpão (que não existe mais) e da reconstrução volumétrica dos anexos: a implantação de um museu, galeria e espaço multicultural. No galpão, especificamente, foi agregada a ideia de construir uma escola de gastronomia, restaurante e espaço para ateliês e oficinas, não especificadas.
Também foi sugerido a construção de uma terceira edificação para o funcionamento de um teatro.
O projeto pretendia criar uma área total de 4400 m2 a um custo de R$ 7,7 milhões, divididos:

Etapa 1 – Restauro da antigo Casarão Salinger = R$ 888 mil
Etapa 2 – Restauração e ampliação da antiga fábrica = R$ 3,6 milhões
Etapa 3 – Novo edifício para abrigar um teatro, para 237 pessoas = R$ 3,1 milhões

Casarão Salinger em 26 de maio de 2018 – Registros para a História

Em maio de 2018 visitamos o casarão histórico, contando nesta data que a edificação histórica faz parte do patrimônio da FURB por mais de 15 anos. Seu estado de conservação é ruim.

Em 2023 – teremos um período de 20 anos que o Casarão Salinger faz parte do Patrimônio da FURB. Nunca  foi submetido a alguma ação de manutenção ou alguma ação preventiva de seu estado de conservação. Muito do patrimônio foi perdido nestas duas décadas.

Vídeo

Sua Arquitetura dentro do recorte histórico

A edificação do Casarão Salinger tem traços predominantes do neoclássico – estilo adotado pelos novos industriais e comerciantes de Blumenau, na virada do século XIX para o XX.
O movimento neoclássico despontou na Europa bem antes do que quando chegou ao Brasil e ao Vale do Itajaí. Podemos afirmar que despontou no velho continente, um século antes.
Foi um movimento que surgiu reagido contrariamente ao barroco, no início do século XVIII e tinha como objetivo, retomar resgatar a cultura clássica dentro de um novo e atualizado entendimento sob o aspecto da arte e da arquitetura.

O estilo surgiu como reação ao barroco e ao rococó, destacando novas ideias de artistas e arquitetos do século XVIII- geralmente aqueles que tiveram formação dentro do racionalismo iluminista do período.

O estilo neoclássico apresentava algumas características diferenciadas como: o uso de materiais nobres (pedra, mármore, granito, madeiras, sistemas construtivos simples, linhas ortogonais, simetria de fachadas ou formas regulares, geométricas e simétricas, volumes arquitetônicos maciços e bem característicos, espaços interiores organizados segundo critérios geométricos e formais de grande racionalidade, pórticos colunados, frontões triangulares – no caso da região do Vale do Itajaí – encontrado nas mansardas com característica da arquitetura alemã dos imigrantes, arcos romanos, a decoração com apresentação de elementos estruturais com formas clássicas, pintura rural e o alto relevo em estuque, entre outras características muito encontradas em muitas residências de famílias abastadas da região do Vale do Itajaí – monumentais residências dos novos comerciantes e industriais que surgiram e formaram uma nova classe, a partir do final do século XIX e início do século XX.

A Casarão Salinger, construído no final do século XIX, foi uma das primeiras tipologias a adotar o novo estilo na região de Blumenau, que ainda não tinha sido “aceito” plenamente. Observamos uma gravura deste tempo (ao lado), que a edificação é desprovida de um dos anexos, adotados nas edificações construídas com estrutura enxaimel na área urbana da Colônia Blumenau que é o Dachgaube. Por certo este anexo, na edificação foi agregado em uma intervenção posterior à construção da casa.

Casa Comercial e Residência de Leopold Huschel – Warnow – Indaial SC. Com a presença do Dachgaube
Casarão de Itoupavazinha. com linhas e características do neoclássico

 A nova tendência – internacional

O neoclassicismo chegou ao Brasil, reflexo da vinda da família imperial portuguesa, em 1808 que propiciou a chegada da Missão Artística Francesa. em 1816. Entre os muitos artistas, estava o pintor Jean-Baptiste Debret. Em 1826 é fundada a Academia Imperial de Belas Artes que deu origem a Academia Nacional – regida pelo gosto neoclássico. Neste tempo ainda não tinham chegado os grupos organizados de imigrantes alemães ao sul do Brasil.

Dentro do Brasil, o neoclássico apresenta variações e tempos distintos – de acordo com a região que se desenvolveu. Na região do Vale do Itajaí em um primeiro momento, nas primeiras décadas – as construções eram vernaculares – utilizando materiais retirados do entorno imediato do local onde seria construída a casa – natural, usando a técnica milenar do enxaimel.

Com o surgimento da nova elite, transição dos séculos XIX para XX, esta arquitetura não atingia suas novas exigências e não estava no nível internacional das novas expectativas desta nova classe – na região. Em contato com as regiões mais desenvolvidas do Brasil e com a Europa, buscaram no novo estilo, o reflexo dos novos momentos econômicos da Colônia Blumenau.

Confeitaria S Katz – Local da primeira reunião do Coro Masculino Liederkranz em 1909. Observar os elementos da arquitetura neoclássica em suas elevações decorativismo.

Mediante a escassez de mão de obra especializada na região da Colônia Blumenau, muitas vezes, o carpinteiro/pedreiro/construtor que construía as primeiras edificações em enxaimel, era o mesmo que construía as novas edificações inspiradas no neoclássico.

Por isto percebemos na edificação do Casarão Salinger, a presença da estrutura enxaimel, com adornos e decorativismo com pintura em painel, estuque em alto relevo, simetria da fachada, presença de arcos romanos, etc. Muitos dos novos ricos deste período, na região, muitas vezes não construíam uma nova edificação, mas “maquiavam” a antiga edificação em enxaimel, que sempre esteve presente no Stadtplatz – centro urbano das colônias – com também, nas propriedades rurais.

Abaixo – duas imagens da Rua XV de Novembro no ano de 1915, onde estão mescladas tipologia que faz uso da técnica construtiva enxaimel e os novos estilos vigentes: Art Decó, Eclético e Neoclássico.

Elementos da Arquitetura – Casarão Salinger

Telhado

Telhado característico com duas águas, com a cumeeira principal paralela à estrada – atual Rua São Paulo. Há a presença da mansarda, com o anexo do Dachgaube, este construído posteriormente. Seria a presença do anexo – que chamamos em nossa pesquisa sobre enxaimel, como uma das características da arquitetura urbana na região, a partir da técnica construtiva enxaimel. O Dachgaube possui duas janelas voltadas para frente da edificação. Estrutura de telhado em madeira, com telhas planas de barro – ou, germânicas. Há a presença de forro em madeira e também, do forro feito de estuque.

Telhas planas/germânicas ou rabo de castor – ainda fabricadas atualmente

Forro de estuque. Este é construído com ripas finas de bambu amarrado, preenchido com barro

Aberturas

As aberturas são os elementos que mais ilustram a presença das características do neoclássico na edificação histórica da antiga comunidade de Altona aqui apresentada.
Para quem desconhece, as aberturas são portas e janelas, sendo estas, de madeira e vidro. As janelas possuem duas folhas geralmente, com a presença do vidro e são distribuídas de maneira simétrica nas fachadas da edificação.

Algumas tem a presença do arco romano – lateral direita – espaço que evidencia ser resultado de uma ampliação através de um acréscimo feito posteriormente à construção da edificação original. Também parte das janelas, a maioria, receberam um acabamento superior levemente curvado com a presença de elementos decorativos alto-relevo – cimalhas. As janelas com esta tipologia apresentam bandeiras móveis para ventilação superior, independente das folhas da janela principal.

As portas, geralmente em madeira maciça com bandeiras envidraçadas, são apresentadas em duas folhas e uma, com a presença de almofadas. As portas também recebem elementos decorativos como as cimalhas – característica do neoclássico.

Detalhe de uma porta frontal – duas folhas – presença da bandeira envidraçada e da cimalha
Porta com uma folha só, com bandeira envidraçada fixa
Arcos romanos parte superior janelas lateral direita

Janela com folhas também de madeira – chamuscada pelo fogo

Estrutura

Geralmente a estrutura da arquitetura neoclássica é autoportante, construída com paredes de pedra ou de tijolos maciços, herança da arquitetura romana – berço do classicismo (que dominou boa parte do território europeu, não somente territorialmente, mas culturalmente através do Grande Império Romano), que foi influenciado pela Grécia clássica e pelos etruscos. A estrutura autoportante não foi usada na Casarão Salinger. Mesmo que as pessoas desejassem construir uma casa com a nova linguagem arquitetônica que estava alinhada aos novos tempos, nem sempre era  possível por algumas questões, como: falta de familiaridade e domínio com e das novas tecnologias, capital necessário para investir em uma nova construção, com nova técnica construtiva (quase sempre é mais onerosa), mão de obra qualificada para a trabalhar com a nova técnica construtiva, (…)
O que faziam? Com a mesma mão de obra que até então construíam as edificações com estrutura enxaimel, construíam suas edificações dentro da nova linguagem arquitetônica, fazendo uso do fachadismo. Rebocavam a estrutura de madeira encaixada e faziam aplicação de adornos decorativos neoclássicos, como cimalhas, arabescos, florais e adotavam a simetria nas fachadas e demais elementos,entre outros. Com isto compreendemos porque a Casa Salinger, e outras edificações do período com as mesmas características, apresentam estrutura independente enxaimel rebocada com a presença de pintura painel e estuque e outros elementos necessários para “o visual” neoclássico.
Volumetria

A volumetria do Casarão Salinger acompanha as tendências do ecletismo com predominância do neoclassicismo. A volumetria é marcada pela simetria das fachadas e a distribuição racional das aberturas pelas mesmas. O grande volume é marcado pela presença da mansarda com Dachgaube ao centro da cumeeira principal, demarcando mais ainda a simetria e o fechamento da monumental construção, lembrando que este foi construído posteriormente – em uma segunda intervenção.

Bairro de Itoupava Seca – antiga povoação Altona – em franca descaracterização. Possuía muitos elementos para ser um polo cultural dentro da cidade de Blumenau. Quando optaram por transformar a Rua São Paulo em um corredor de tráfego de fluxo rápido – o condenaram e também, o seu casario histórico e o local residencial e comercial que também foi

Registro para a História.

Referências

Eu sou Angelina Wittmann, Arquiteta e Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade.
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