A cidade de Blumenau está perdendo paulatinamente algumas tipologias históricas – parte de seu patrimônio histórico arquitetônico cultural. Nos últimos 10 anos, contrariando um trabalho feito dentro de uma equipe técnica pertencente ao Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano de Blumenau – IPPUB cujo mentor foi o Arquiteto Professor Vilmar Vidor e foi desmontada no governo de João Paulo Kleinubing (2004-2012), mudou muito e muito se perdeu de história na paisagem da cidade.
Dentro deste cenário, ainda há bons exemplos de preservação e cuidados com o patrimônio histórico arquitetônico cultural e vamos, neste momento, valorizar esta iniciativa e deixar o registro para a história. Vamos conhecer a história da Casa Husadel, localizada na rua XV de Novembro, N° 801 e também, a história daqueles que a idealizaram e a construíram no inicio do século XX.
A Casa Husadel é um bom exemplo no que se refere à manutenção e preservação do patrimônio histórico arquitetônico cultural na cidade de Blumenau.
Não há quem passe na frente da centenária edificação – seja blumenauense ou visitante, que não levante os olhos para admirar a beleza da arquitetura histórica, ou mesmo, a fotografe, para levar sua imagem – atualmente, um importante ponto focal na paisagem da antiga Wurststraße, como se chamava a Rua XV de Novembro nas primeiras décadas de sua história, no bom e velho idioma alemão – denominação para a Estrada da Linguiça.
A Casa Husadel completou 120 anos em 2021. É pouco tempo, se considerarmos a arquitetura histórica milenar existente em alguns lugares no mundo. Mas para chegarmos lá, precisamos preservar os 100, 200, 300, 400 anos…
A construção e inauguração da Casa Husadel foi idealizada pelo pioneiro alemão Paul Georg Max Husadel. Quanto a data de sua construção, há controvérsias de informações nas diferentes fontes desta pesquisa, como por exemplo, aquela contida no iPatrimonio – Patrimônio Cultural Brasileiro, onde afirma, que a edificação histórica teve sua construção iniciada em 1895. Há outras informações que destoam entre si, em diferentes fontes. Tomamos com referência o ano que Paul e Elfriede adquiram o “chão” que foi construída a Casa Husadel – 1901, portanto, século XX.
Nesta data de 1895, Paul Georg Max Husadel não residia em Blumenau, que aconteceu somente em 1897, no ano de seu casamento com uma das filhas dos Clasen de Altona, Elfriede.
Quem foi Paul Georg Max Husadel?
Paul Georg Max Husadel nasceu em 12 de março de 1861 na cidade pomerana de Clädow – Kladow – Preußen.
Era filho de Wilhelm Husadel e de Herriette Brandl Husadel. Paul migrou para o Brasil em 1890 e fixou residência e comércio em Nossa Senhora do Desterro, na Rua Trajano, N°11. Neste endereço, montou uma loja onde vendia relógios, relógios de parede, despertadores, óculos, binóculos, termômetros, instrumentos musicais e pedras preciosas. Isso durou até 1897, quando se mudou para Blumenau e se fixou no casarão dos Rothbarth, localizado na Rua XV de Novembro, na frente do local onde construiria sua Casa Husadel. Aparentemente Paul se mudou para Blumenau para se casar, pois em 29 de julho de 1897 se casa com Elfriede Clasen. Elfriede nasceu em Blumenau em 15 de julho de 1878 – 18 anos mais jovem que o marido, filha de Heinrich Clasen, mestre ferreiro na comunidade Altona, que também era parente do cervejeiro Karl Rischbieter. Também neste tempo, Paul fez trabalho voluntário como motorista do 1º carro do corpo de bombeiros voluntários em Blumenau.
O casal teve duas filhas: Alice Henriette Alwyne Husadel que se casou com Alfred Hering e Cora Husadel, que se casou com Armi Julius Ewald Baumgarten.
“HUSADEL, Paul Georg, * 12.03.1861 de Clädow/Pommern, comerciante, filho de Wilhelm Husadel e Henriette n. Brandt, casou aos 29.07.1897 com Elfriede Clasen * 15.07.1878 em Blumenau, filha de Heinrich Clasen, mestre ferreiro, e de Alwine n. Rischbieter. Testemunhas: Walter Baumgarten, Meta Wehmuth, Max Hering, Kleine, Victor Gärtner, Auguste Baumgarten, Rudolf Clasen e Aline Härtel. Ato civil na mesma data.” Pioneiros da Colônia Blumenau – Famílias Evangélicas de confissão Lutherana da Colônia Blumenau Período: 1856 – 1940
De acordo com GERLACH, em 1901, Paul e Elfriede adquiriam a antiga casa de Paul Hering, irmão de Gertrud Walli Toni Hering Gross , na frente do local onde residiam e tinham seu negócio, na Rua XV de Novembro, ainda no século XIX.
Uma curiosidade
A ligação da Casa Husadel com a fábrica de gaitas de Blumenau e com a EFSC – na Itoupava Seca – história familiar.
De acordo com uma história que chegou até nós, por uma pessoa que não se identificou, Paul Husadel, também foi o idealizador, financiador e primeiro sócio de Alfred Hering na empreitada de fundação da Fábrica de Gaitas Alfred Hering, em 1923. A Revista Brasileira de Geografia, em seu número 3, de julho-setembro de 1965, cita “Alfred Hering”, mecânico da Estrada de Ferro Santa Catarina, em Blumenau, recebeu de seu sogro a ideia de fabricar gaitas de boca. Paul Husadel, tinha uma casa comercial de utensílios domésticos e era o distribuidor das gaitas Hohner (alemãs) em Santa Catarina, quando encontrou a Frau Schwab, afinadora de gaitas, imigrante alemã da Saxônia. Emprestou dinheiro ao seu genro que iniciou o negócio em 1923 na Itoupava Seca. Em 1961, a “Fábrica de Gaitas Alfred Hering S.A.”, era a única fábrica de gaitas na América do Sul e possuía 570 operários (informações orais de Paul Hering.
Arquitetura da Casa Husadel
A Casa Husadel foi construída no “chão” da antiga casa de Paul Hering, adquirida pela família Husadel em 1901. A nova edificação – a Casa Paul Husadel, foi inaugurada em 1904. Não temos informações de como aconteceu este processo de construção e a simultânea ocupação do terreno com seus negócios.
Blumenau, c. 1900
Rua XV de Novembro. Casa de negócio e moradia de Gustav Baumgart. Ao fundo, Hotel Freygang e Igreja Matriz Católica. Em frente, no lado oposto da rua, estavam as casas Brandes, Reinert & Grossenbacher, Brockes, G. A. Koehler e Club Germania. À esquerda, Relojoeiro Paul Husadel. Em 1901, Husadel adquiriu esta casa de Paul Hering e estabeleceu sua relojoaria que funcionava em frente (casa de Rothbarth), inaugurando-a em 4.1.1902. GERLACH, 2019.
A edificação do número 801 da Rua XV de Novembro é uma construção com estrutura enxaimel e fechamento com tijolos maciços rebocados. Apresenta ambientes distribuídos em dois pavimentos, mais a mansarda – sótão com ambiente munido de aberturas e próprio para o uso e também, contando com a presença do porão – o “Keller”. Destacamos em sua fachada, a presença de uma sacada feita totalmente em madeira nativa ricamente entalhada em forma de arabescos. Também a marquise sobre a calçada sustentada com “mãos francesas” na forma de arabescos construídos com técnica feita através da ferraria artística. A fachada prima pela simetria. As aberturas – do pavimento superior, em madeira ricamente trabalhado, conta com janelas munidas de arcos plenos, distribuídas de maneira simétrica, sendo o “eixo” o elemento de madeira em balanço – as sacadas.
Seus atuais proprietários e a família nunca permitiram que a edificação histórica, nestes mais de 120 anos de existência, ficassem sem a manutenção necessária, geralmente feita por técnicos, carpinteiros – profissionais adequados.
Em uma destas manutenções, em 2017, com intuito de pesquisa e registro da edificação histórica, constatamos e confirmamos que a mesma se trata de uma tipologia enxaimel rebocada, como devem existir outras na Rua XV de Novembro – antiga Wurststraße. Lembramos aos desavisados, que a técnica construtiva enxaimel reporta à uma técnica construtiva, onde a edificação é estruturada em madeira, fazendo com que seu fechamento seja independente da distribuição de cargas estrutural, podendo ser usado para fechar as paredes, uma diversidade de opções de materiais – fechar os “quadros” de madeira.
Com isto, afirmamos que a Casa Husadel é um bom exemplo no que refere a manutenção e preservação do patrimônio histórico arquitetônico cultural na cidade de Blumenau. Não há quem passe na frente da centenária Casa Husadel – blumenauense ou visitante, e não levante os olhos para admirar a beleza plástica e histórica bem conservada.
Na obra de manutenção da Casa Husadel, subimos até a sacada do sótão e também chegamos até o andaime e sacada, para observar melhor os trabalhos de recuperação. Foi impossível não observar os detalhes construtivos da edificação histórica.
Explicando, porque as edificações tradicionais enxaimel eram rebocadas no início do século XX e até mesmo, no final do século XIX, com base no que percebemos em nossa pesquisa – na Alemanha junto a arquitetos que desenvolvem este trabalho por lá. Há muita lenda sendo propagada aqui na região. Em Blumenau, no início do século XX, vinha sendo adotado o novo estilo arquitetônico internacional – por aqueles que faziam parte das novas lideranças políticas e econômicas locais, que não desejavam mais construir como se fazia até então e desejavam, através de suas empresas e residências, mostrarem que venceram na nova cidade do Brasil, através do novo estilo, nem que para isto, precisassem rebocar a antiga edificação e adornar com o decorativismo do novo. Aqui na região, surgiu uma divisão de classes durante o surgimento da industria local e regional, responsável pelo surgimento da industrialização no Estado de Santa Catarina. Neste período de transição social e econômico, as pessoas que conseguissem um certo acúmulo de capital e riqueza buscavam na linguagem internacional da arquitetura – também usada nas capitais brasileiras – o neoclássico e o eclético, para ilustrar e propagar suas novas conquistas e statos. Muitos, nem chegavam a construir uma nova edificação, mas, rebocavam sua tipologia enxaimel, fornecendo-lhe uma “roupagem” do novo estilo, que originalmente, era autoportante de pedras ou de tijolos maciços rebocados.
Observar a fotografia da rua XV de novembro em 1915 – onde ainda há a presença de grande número de edificações com estrutura enxaimel ainda na paisagem de Blumenau, contrariando a teoria de que essa tipologia e sua técnica construtiva era construída somente em áreas rurais. Lenda!
Registradora da Casa Husadel pertencente a Paul Husadel
Fotografias e texto de Geislon Tiago Rodrigues – 13/05/2021.
“Essa com certeza é a peça mais incrível que eu tive a honra de comprar! Primeiro, por se tratar de uma peça histórica de Blumenau. Segundo, por seu estado totalmente impecável! Trata-se da primeira caixa registradora da primeira relojoaria da cidade – Casa Paul Husadel, fundada em 1895, que existe até os dias atuais, no mesmo endereço que é um dos patrimônios históricos mais charmosos da cidade! Essa Registradora National foi fabricada em 1913, possui 4 gavetas independentes, registro de venda à vista, fiado, despeza (com a letra “Z”) e cobrança por conta, funcionando com a mesma precisão de quando saiu da fábrica em Ohio nos EUA, a 108 anos atrás!”
Casa Husadel e o Tombamento
O edifício histórico – Casa Husadel – foi tombado pelo Estado de Santa Catarina como Patrimônio Cultural Edificado em 31 de março de 2000, sob o decreto lei Nº 1.070 e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Estes tombamentos aconteceram, porque antes deste momento histórico, em 1987, a Casa Husadel estava contemplada no levantamento do projeto Mermovale, que foi base para os tombamentos na esfera estadual.
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
Nome atribuído: Edificações e Núcleos Urbanos e Rurais relacionados com a imigração em Santa Catarina – Comercial Husadel
Localização: R. Quinze de Novembro, N° 801 – Centro – Blumenau-SC
Número do Processo: 1548-T-2007
Livro do Tombo Histórico: Inscrito em 09/2015
Livro do Tombo Belas Artes: Inscrito em 09/2015
Santa Catarina – Roteiros Nacionais de Imigração
FCC – Fundação Catarinense de Cultura
Número do Processo: Processo n° 015/1992
Decreto de Tombamento: Decreto n° 1.070, de 31/03/2000.
Exemplo, arquitetura pioneira e um registro para a História.
Casa Husadel.
Referências
- HUMPL, Max. Crônica do vilarejo de Itoupava Seca: Altona: desde a origem até a incorporação à área urbana de Blumenau, 1.ed. Méri Frotschter Kramer e Johannes Kramer (organizadores). Escrito em 2018. Blumenau: Edifurb, 2015. 227 p. : il.
- IPHAN FCC – SC – Patrimônio Cultural Brasileiro. . Blumenau – Comercial Husadel. Disponível em: http://www.ipatrimonio.org/blumenau-comercial-husadel/#!/map=38329&loc=-26.768295913354663,-48.818435668945305,9
- Ficheiro Wikipédia. Casa Husadel. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Casa_Husadel.jpg
- SCHMIDT-Gerlach, Gilberto. Colônia Blumenau no Sul do Brasil. Gilberto Schmidt-Gerlach, Bruno Kilian Kadletz, Marcondes Marchetti, pesquisa; Gilberto Schmidt-Gerlach, organização; tradução Pedro Jungmann. – São José : Clube de Cinema Nossa Senhora do Desterro, 2019. 2 t. (400 p.) : il., retrs.
- SILVA, José Ferreira da. História de Blumenau. 2.ed. – Blumenau: Fundação “Casa Dr. Blumenau”, 1988. – 299 p.
- WITTMANN, Angelina.Casa Husadel – mais de 120 anos. 7 de março de 2015. Disponível em: https://angelinawittmann.blogspot.com/2015/03/casa-husadel-120-anos.html
- WITTMANN, Angelina. Exemplo – Manutenção do Patrimônio Histórico Arquitetônico de Blumenau – Casa Husadel. 2 de outubro de 2017. Disponível em: https://angelinawittmann.blogspot.com/2017/10/manutencao-patrimonio-historico.html
Eu sou Angelina Wittmann, Arquiteta e Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade.
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