O deputado federal David Soares (DEM-SP), filho do bispo evangélico JJ Soares, fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus, se utilizou de uma manobra conhecida na Câmara dos Deputados como “jabuti”, que consiste em incluir uma emenda sobre um determinado assunto dentro de um projeto de lei que trata de outro assunto, para poder beneficiar algum grupo sem que a imprensa ou qualquer contribuinte soubesse.
Com isso, o projeto de lei 1.581/2020, de autoria do deputado federal Marcelo Ramos (PL-AM), que tratava de pagamentos de precatórios, levava no seu conteúdo uma emenda que anistiava uma dívida de quase R$ 1 bilhão das igrejas de diversas denominações. Essa dívida era proveniente do não pagamento de impostos, como o da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) e também das contribuições previdenciárias sobre as remunerações pagas a pastores, sacerdotes e líderes religiosos.
Os lideres das igrejas entendem que seus templos têm imunidade tributária ampla que, segundo eles, está garantida na Constituição, o que não é bem assim.
Essa proposta foi aprovada na Câmara dos Deputados no dia 15 de julho deste ano por 345 votos favoráveis e 125 votos contrários, tendo posteriormente passado pelo Senado, que não registrou individualmente o voto dos Senadores.
A equipe econômica do governo federal orientou Bolsonaro a vetar a proposta e numa reunião, na última quarta-feira, 10, com a bancada evangélica, o presidente Jair Bolsonaro sinalizou que iria sim vetar o perdão da dívida com a justificativa que o governo não teria margem fiscal para tal e que futuramente poderia ser questionado pelo Tribunal de Contas da União, podendo ser enquadrado em crime de responsabilidade fiscal, o que pode dar origem a um pedido de impeachment do presidente.
Mesmo assim, talvez como forma de compensar alguns pecados cometidos, 14 parlamentares catarinenses dos 16 que integram a Câmara Federal, aprovaram essa emenda, fazendo com que o contribuinte brasileiro assuma esse rombo nas contas públicas do país, apesar de toda a dificuldade financeira que passa o brasileiro por conta da pandemia.
Apenas os deputados Gilson Marques (Novo) e Pedro Uczai (PT) foram contra o projeto do perdão de R$ 1 bilhão, enquanto Ângela Amin (PP), Carlos Chiodini (MDB), Carmen Zanotto (Cidadania), Caroline de Toni (PSL), Celso Maldaner (MDB), Coronel Armando (PSL), Daniel Freitas (PSL), Darci de Matos (PSD), Fábio Schiochet (PSL), Geovânia de Sá (PSDB), Hélio Costa (Republicanos), Ricardo Guidi (PSD), Rodrigo Coelho (PSB) e Rogério Peninha Mendonça (MDB) votaram favoráveis.
Veja abaixo a justificativa dos parlamentares catarinenses que enviaram resposta.
Obs.: A coluna não conseguiu contato com os deputados Rogério Peninha Mendonça (MDB) e Coronel Armando (PSL). Dos 12 deputados federais contatados, apenas 7 encaminharam respostas.
Ângela Amin (PP)
Não houve perdão de dívida, mas sim a desconsideração de cobranças que a própria justiça vinha julgando indevidas. A Receita Federal cobrava instituições religiosas (todas) como se fossem empresas, o que é proibido pela Constituição. A brecha usada pela Receita para fazer tal cobrança foi fechada com uma lei federal votada em 2015 e o valor não foi mais cobrado a partir de então. Mas a RF continuou cobrando para trás (Débitos que a Receita alegava existirem antes de 2015).
Acontece que tal cobrança retroativa também é proibida e entidades religiosas começaram a acionar judicialmente a União (e tiveram várias sentenças favoráveis). Foi aí que a bancada evangélica fez uma emenda e inseriu nessa lei. A emenda determina que as cobranças anteriores a 2015 devam ter a aplicação do Código Tributário Nacional. Portanto, ao contrário da forma como foi divulgado por parte da imprensa, não houve nenhum perdão, houve, isso sim, a aplicação do Código Tributário Nacional para tratar sobre cobrança de tributos, o que é o correto.”
Carlos Chiodini (MDB)
O texto aprovado na Câmara dos Deputados não trata da tributação ou de perdão de dívidas de pessoas físicas relacionadas às igrejas. Também não perdoa fraudes existentes. O PL aprovado regula a imunidade já garantida pela Constituição e alcança todas as denominações religiosas. Foi neste entendimento que foram consideradas nulas as autuações feitas em descumprimento ao texto da Constituição. É proibido autuar instituições religiosas como se fossem empresas. É inconstitucional.
Concordo com a ação fiscal do Estado, que deve ser dirigida no combate à fraude e ser direcionada prioritariamente aos grandes sonegadores, às pessoas físicas detentoras de grande patrimônio e não mirar ações sociais realizadas por instituições religiosas. Essa imunidade não traz nenhum prejuízo ao país. Inclusive, os tribunais e a própria Suprema Corte (STF) são contrários à taxação dos templos religiosos.
Celso Maldaner (MDB)
O projeto visava o reconhecimento judicial de uma dívida que o ente público tem com o autor da ação, seja ele pessoa física ou jurídica, visto que em contexto de pandemia, as relações financeiras de entidades, empresários e demais estão abaladas. A emenda aprovada teve a mesma resguarda para as instituições religiosas, para que essas pudessem reorganizar suas dívidas e com isso, conforme orientação do partido, votamos pela sua aprovação. As igrejas representam um papel de suma importância na vida das pessoas desde que cumpram a sua finalidade que é proteger, ajudar os mais necessitados e orientar na fé. É claro que defendo transparência total na aplicação de todos os recursos e finalidades e quando houver desvios e corrupção, devem pagar, na cadeia.
Darci de Matos (PSD)
Votei favorável ao perdão da dívida das igrejas porque sou cristão e entendo que as igrejas, independente da denominação, têm que ter um tratamento especial e diferenciado e porque as igrejas, além do trabalho espiritual que fazem, realizam um trabalho social imprescindível para a sociedade.
Hélio Costa (Republicanos)
Votei a favor porque as igrejas são importantes para o país. O seu serviço social executado é fundamental às famílias. O Estado é laico, eu sou ecumênico e reconheço a relevância de todas as religiões. Votei por consciência. Reitero: não tenho religião e estarei onde estiver a palavra de Deus.
Ricardo Guidi (PSD)
Votei a favor da emenda no PL 1581/2020, que pode beneficiar os templos religiosos com o perdão de dívidas tributárias junto ao Governo Federal, porque seguimos a orientação da bancada, onde são tomadas decisões em conjunto. Sabemos o trabalho filantrópico importante que essas instituições, independente de religião, realizam e por isso votei favorável.
Rodrigo Coelho (PSB)
Esclareço que o voto “sim” ao Destaque n° 2 no PL 1581/20 não foi um perdão às igrejas como tem sido divulgado. Destaco que a imunidade tributária a essas instituições está assegurada no artigo 150, inciso VI da Constituição Federal, que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre templos de qualquer culto. Acrescento, ainda, que o resultado da votação na Câmara apenas confirmou essa garantia constitucional passível de divergências até dentro da Receita Federal, sendo importante para resolver inseguranças jurídicas e evitar a judicialização sobre o assunto. Por fim, reforço que a orientação da maioria das bancadas, inclusive da liderança do Governo Bolsonaro, foi favorável ao Destaque, com base no referido artigo constitucional.