Alô, emergência? Como funcionam as centrais telefônicas dos serviços de segurança em Blumenau
Falta de fiscalização do Jaguar envolvido na tragédia que matou duas jovens na BR-470 levantou dúvidas sobre atendimento ao cidadão
Por Alice Kienen e Evandro de Assis
O acidente com um motorista embriagado que provocou duas mortes na BR-470, no dia 23 de fevereiro, levantou dúvidas sobre a eficácia do atendimento telefônico prestado por serviços de emergência em Blumenau e região.
A informação de que um condutor transitava de forma perigosa naquela manhã chegara à Polícia Rodoviária Federal (PRF) cerca de 30 minutos antes do acidente. Por isso, as circunstâncias que permitiram ao motorista passar por Blumenau sem ser interceptado estão sob investigação.
Conforme revelou O Município Blumenau, a ligação do denunciante passou pela central de atendimento da PRF em Santa Catarina antes de ser transferida até o posto de Blumenau.
Em nota, divulgada ainda no dia 23, a corporação disse que “os policiais consultaram a placa repassada e esta não batia em um Jaguar, provavelmente porque a ligação não estava boa”. Porém, os atendentes tinham a condição de solicitar à central o número de quem havia telefonado (veja em detalhes abaixo).
Afinal, os serviços de emergência descartam informações sem checar a denúncia? Quem liga para uma corporação policial ou de socorro pode deixar de ser atendido por suspeita de trote? Há padrões de atendimento que ajudam a filtrar as ligações e descobrir trotes?
A reportagem conversou com policiais rodoviárias, Polícia Militar, Bombeiros e Samu de Blumenau. Na maior parte dos serviços, os atendentes conseguem identificar as chamadas sem precisar solicitar o número ao cidadão que liga.
Em algumas centrais de emergência, como a da Polícia Militar Rodoviária (PMRv), não há um roteiro prévio formal que conduza o trabalho dos atendentes.
Trotes ainda são problema recorrente. Ainda mais comuns são situações em que o denunciante “aumenta” a gravidade da situação na tentativa de obter atendimento rápido.
Porém, todas as corporações são unânimes ao garantir que nenhum chamado pode ser ignorado por suspeita de trote.
Polícia Rodoviária Federal (191)
Desde o acidente do dia 23 de fevereiro, a Polícia Rodoviária Federal em Santa Catarina foi orientada a não se manifestar sobre as circunstâncias do episódio, incluindo os padrões de atendimento telefônico. O caso está sendo investigado pela Corregedoria da PRF.
A assessoria de comunicação da PRF em Brasília explicou que, quando uma pessoa telefona para o 191, fala com um atendente em Florianópolis, que decide se transfere a ligação ao posto da região ou registra as informações para repassá-las adiante.
Na central, há identificador de chamadas. Porém, se a ligação é feita diretamente ao número do posto, o patrulheiro de plantão não tem como registrar o número de telefone automaticamente.
Há um protocolo nacional de atendimento, mas a assessoria não informou detalhes de como ele funciona. Na Carta de Serviços publicada no site do órgão, no item Comunicação de Crimes Diversos, informa-se que o denunciante deve prestar informações de identificação pessoal, telefone e endereço, assim como dados da ocorrência.
O prazo de atendimento é informado como “imediato”. A assessoria da PRF garantiu que não deixa de verificar denúncias por suspeita de trotes.
A nota divulgada no dia 23 afirmava que “várias pessoas ligam para a PRF prestando informações falsas ou trote, o que acaba por diminuir a credibilidade das denúncias”.
Polícia Militar Rodoviária (198)
Responsável pela fiscalização e atendimento a acidentes em rodovias estaduais, a Polícia Militar Rodoviária (PMRv) recebe telefonemas de emergência sem seguir um protocolo formal. Os procedimentos variam conforme a situação e o atendente.
Porém, de acordo com o sargento Nildo Pasta, quem atende o telefone nos postos da PMRv é treinado a fazer certos questionamentos conforme a situação que motivou a ligação.
O telefone possui identificador de chamadas. Segundo Pasta, quando há suspeita de trotes, a orientação é retornar o telefonema para confirmar.
“Já aconteceu de fazermos fiscalização em um orelhão da Vila [Itoupava] e pegarmos a pessoa. Mas não consideramos nenhuma denúncia trote em um primeiro momento”, explica Pasta.
O número 198 direciona a ligação para o posto da PMRv mais próximo. Na região, há unidades da corporação na Vila Itoupava (SC-108) e em Gaspar (SC-412).
Corpo de Bombeiros (193)
Todo atendimento feito pela Central de Operações do Corpo de Bombeiros Militar é registrado em um sistema informatizado. Os atendentes precisam preencher campos como endereço e tipo de ocorrência, entre outros. Ou seja: há um roteiro pré-estabelecido. No Cobom também é possível identificar automaticamente quem está ligando.
Em abril, os profissionais que atuam no setor participarão do Curso de Atendente de Central de Bombeiros, treinamento oferecido de tempos em tempos para manter um padrão de atendimento.
Cerca de 8% das quase 46 mil ligações atendidas pelos bombeiros em Blumenau no ano de 2018 foram classificadas como trotes. Segundo o tenente Fillipi Pamplona, do setor de instrução da corporação, trotes geralmente são fáceis de identificar, porque partem de crianças em telefones públicos.
Porém, já houve casos em que equipes foram deslocadas para falsas ocorrências. Ainda assim, nenhum telefonema é descartado.
“O nosso papel é passar um pouco de tranquilidade para quem liga e agir no menor tempo-resposta possível”, comenta.
Polícia Militar (190)
A PM de Blumenau trabalha com um Procedimento Operacional Padrão (POP), que é uma espécie de manual para o atendimento às chamadas. Essa padronização é nacional e segue diretrizes do sistema geral de segurança pública, assim como o treinamento dos atendentes.
“A prioridade é saber de onde vem o chamado, assim, caso a ligação caia e o atendente não consiga mais contato com a pessoa, é possível encaminhar uma viatura ao local”, explica o tenente Nícolas Marques.
Quando a ocorrência é gerada, entra em uma triagem organizada automaticamente pelo sistema. Casos em que pessoas estão em risco são prioridade: violência, ameaça, assalto ou agressão são considerados de nível 3, cor vermelha.
O nível 2, de cor amarela, inclui atritos verbais, acidentes de trânsito sem vítimas ou furtos (exceto se ainda estiver em andamento). Por fim, o nível 1, verde, são os menos urgentes. Som alto, pessoas em atitude suspeita e ocorrências envolvendo drogas.
“É comum que nós tenhamos cerca de 40 ocorrências em uma noite, enquanto temos apenas entre 10 e 15 viaturas disponíveis. Então é impossível atender a todas ao mesmo tempo, por isso ordenamos as prioridades”, analisa Marques.
Segundo o tenente, a PM parte do pressuposto de que todas as ligações para o 190 são verdadeiras. Mais comum do que os trotes são situações em que o denunciante mente na descrição da ocorrência para que os policiais a considerem urgente.
“Já denunciaram uma troca de tiros que acabou sendo apenas uma briga, mas nós não enquadramos como trote. É uma informação equivocada, mas que ainda existe necessidade de atendimento”, exemplifica.
Os atendentes são funcionários civis que passam por um processo seletivo, supervisionados por um coordenador militar. Os contratos geralmente duram dois anos, que podem ser renovados por mais dois anos.
Samu (192)
No Samu, os protocolos de atendimento envolvem uma avaliação médica feita por telefone, o que torna tudo mais regrado. O primeiro contato é feito com um técnico auxiliar de regulação médica.
Essa pessoa colhe dados como nome, endereço, idade e a principal queixa do autor da chamada, atendimento que precisa durar menos de um minuto. Há identificador de chamadas, e a orientação é ligar de volta quando há algum problema.
“O pessoal tem que tratar todas as situações como se fossem de emergência”, garante Renan Vicenzoto de Castro e Souza, coordenador Médico do Samu Vale do Itajaí.
Após a primeira triagem, a ligação passa para um médico regulador. Ele vai solicitar outras informações sobre o estado do paciente e decidir o que fazer. Tanto pode ser uma orientação até o envio de uma ambulância para atendimento no local.