“Não é porque perdi um sonho que a vida precisa acabar”: como está sobrevivente de queda do caminhão do exército após um ano

Edson foi último recruta a voltar para casa

Desde a infância, o blumenauense Edson Gieseler Filho tinha um sonho: entrar para o exército. Ainda na adolescência, ele acordava às 3h para correr e se preparar para os exames de admissão. Porém, duas semanas após entrar na corporação, aos 18 anos, o jovem sofreu um acidente que por pouco não tirou sua vida.

A tragédia que completa um ano nesta quinta-feira, 16, tirou a vida de Diogo Felipe Veiga, de 18 anos, Alex Carvalho da Cruz, de 21, e Alexandre da Silva Reginaldo, 19. Outros 39 ficaram feridos. O veículo conduzia os recrutas incorporados em 2022 para realizar o Tiro de Instrução Básica em um estande entre os municípios de Indaial e Blumenau. Essa seria a primeira experiência dos jovens com armas de fogo.

Edson passou 42 dias na UTI do Hospital Santo Antônio e recebeu alta um dia após o acidente completar dois meses. A banda do 23º Batalhão de Infantaria do Exército esteve no local nos dois momentos para homenagear o último sobrevivente a voltar para casa.

Entretanto, o jovem não passou mais do que quatro dias longe do hospital. Na mesma semana, precisou ser internado novamente após contrair uma pneumonia grave. Edson voltou para a UTI, sofreu uma nova traqueostomia e passou mais um mês internado.

“Até a primeira alta não temos do que reclamar. O hospital sempre foi incrível e o batalhão bancou tudo. Mas depois que a banda tocou, disseram para irmos para casa que em cinco minutos médicos estariam aqui. Eles nunca apareceram e logo ele foi internado novamente, sem apoio”, conta a mãe, Crista Nuessemeyer.

Edson Filho e a mãe, Crista. | Foto: Alice Kienen/O Município Blumenau

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Apesar das duas internações, sete costelas quebradas, uma coluna partida ao meio, um baço perdido, parte do pâncreas e 30% do pulmão direito removidos, quem cruza com o jovem na rua demora a perceber as sequelas causadas pelo acidente.

“Os médicos falam que é um milagre eu estar andando. A cirurgia na minha coluna durou 10 horas e o médico, o maior especialista em artéria do Brasil, dizia que eu sairia paraplégico ou morto”, relembra Edson Filho, que passou um mês com a coluna quebrada até a fratura ser descoberta pela equipe médica.

“Na hora, o medo de morrer não existia”

A primeira lembrança que Edson tem do acidente é ser arremessado para fora do caminhão. Durante a queda o veículo acabou o atingindo, causando os ferimentos mais severos. Ele também foi perfurado por um galho de árvore na região do quadril.

“Tentava puxar minha perna esquerda e não sentia ela. Era como se tivesse uma furadeira na minha lombar. Primeiro foi um silêncio, enquanto todo mundo processava o que tava acontecendo. E aí começamos a berrar pedindo ajuda”, lembra.

Como outros caminhões vinham atrás do acidentado, logo um sargento apareceu para resgatar Edson, que era o mais grave dentre os sobreviventes. Outros recrutas queriam ajudar, mas foram impedidos pelos sargentos pelo risco de se ferirem no processo.

“O Cruz morreu do meu lado. Lembro de ver ele todo estripado e achar que ele só não conseguia se mexer, mas ouvi um militar confirmando que ele tava morto. Enquanto isso o xerife Alexandre estava com metade do corpo esmagado. Do Veiga só fiquei sabendo quando acordei do coma, porque como éramos próximos não queriam me dar a notícia de cara”, conta.

Resgate do acidente. | Foto: Divulgação

O resgate em si também foi delicado, já que o solo cedeu novamente com o peso do caminhão dos bombeiros e havia o risco de o barranco cair sobre as vítimas. Ainda assim, Edson lembra da pressa para que ele fosse hospitalizado quanto antes.

“Eles me puxavam pelos braços e eu sentia o tronco indo e as pernas ficando presas na árvore. Gritava para parar de me puxar, porque era muita dor. Eles batiam na minha cara para que não desmaiasse. Com o tempo parou de adiantar e passaram a socar minha cara. Gritavam pedindo maca, dizendo que eu tava morrendo, mas na hora não sentia medo nenhum”, afirma.

O jovem foi carregado barranco acima por um sargento, que o amarrou em uma maca e o arrastou com a ajuda de cordas. Uma delas acabou escapando e enforcando Edson, que foi resgatado por outro soldado. Ao chegar no topo, ele perdeu a consciência.

“Soube que meu filho estava entre os feridos pela TV”

Crista estava em uma loja quando recebeu a ligação da cunhada questionando onde Edson Filho estava. Ela soube do acidente pelas notícias e estava preocupada com o sobrinho. Mas a mãe não queria acreditar que o filho estava em perigo.

“Ela tava desesperada e eu pedia pra ela se acalmar. Mas ainda na loja comecei chorar. Era como se eu soubesse. Meu marido tava na região do Garcia a trabalho e tentou ir até o local do acidente, mas mandaram ele ir para o Batalhão. Soube que ele estava entre os feridos pela imprensa”, narra Crista.

Alice Kienen/O Município Blumenau

Na mesma hora ela foi para o hospital, onde o filho já havia sido operado. “Foi horrível. Ele tava todo sujo e entubado. Não culpo o hospital por não ter visto que a coluna tava quebrada, porque precisavam salvar a vida dele primeiro. Quando minha filha conseguiu visitar ele, ainda tinha capim no dente”, detalha a mãe.

Até o fim de fevereiro do ano passado, Crista passou todos os dias em função do filho. Parou de trabalhar e passava o dia todo no hospital, mesmo sem poder ficar dentro da UTI. Foi apenas recentemente que a vida começou a voltar para os eixos, com ela retornando ao trabalho e se tornando avó.

“Eu trabalho no segundo turno e passo muito tempo sozinha. Não tem um dia que não pense nele. Às vezes choro lembrando de tudo. No hospital fui muito forte, mas depois de voltar pra casa desabei”, conta.

Gastos com tratamento

Durante a primeira internação, logo após o acidente, a família confirma que todos os gastos foram pagos pelo exército. Entretanto, após ele voltar para casa, algumas despesas não foram ressarcidas.

“A gasolina tava cara, então passava o dia no hospital pra não precisar ir e voltar. Porém, não recebia alimentação. Quando ele veio pra casa, as coisas demoravam muito pra chegar. As fraldas doei pra casa asilar, o alimento da sonda veio quando ele já tava voltando a comer, então precisei devolver”, diz a mãe.

Ainda assim, Edson guarda com carinho a relação que construiu com a equipe do hospital. Uma enfermeira, Maria, se tornou próxima da família após o cuidado com ele na UTI. A atenção foi importante para que ele lidasse com a internação, que o deixava muito ansioso.

“A dor era tão forte que eu desejava morrer. A sensação de passar tanto tempo no hospital era horrível. Nas duas internações senti muita dor, mesmo com metadona e morfina na veia”, lamenta.

Futuro do soldado

Como ainda é militar, Edson precisa ir até o Batalhão pelo menos uma vez ao mês para exames. Entretanto, ele afirma que os médicos atuais desconhecem o caso dele a fundo e pouco podem ajudar no tratamento.

“Não peguei trauma dos militares em si, fiquei muito feliz quando vi eles no hospital tentando me alegrar. Mas sim do exército em geral, por deixar isso acontecer. A União nos abandonou. Eles querem que eu vá lá para lembrar que sou militar. Acho desnecessário. Boa parte do meu corpo virou cicatriz. Só de olhar no espelho lembro que sou militar”, desabafa.

O jovem também reclamou da dificuldade de conseguir transporte para a fisioterapia, como prometido pelo exército. Segundo ele, em muitos dias era avisado pouco antes da consulta que não seria possível levá-lo.

“Ainda não recuperei 100% dos meus movimentos, mas só devo recuperar 80%. Não consigo correr, agachar, fazer pressão na perna esquerda nem levantar peso. Mais de 700 metros andando já começo a sentir dor na coluna. Mas também perdi 30 kg no hospital e preciso recuperar meus músculos”, explica.

No início de abril o militar passará pela última perícia, que deve decidir seu destino. Se ele será dispensado – ficando sem auxílio, mas com a possibilidade de buscar outro emprego – ou se será aposentado, o que impediria ele de trabalhar.

Acabei de começar minha vida e não sei como será daqui pra frente. De início me sentia perdido, um peso morto. Hoje tenho a mentalidade de que não é porque perdi um sonho que a vida precisa acabar”, comenta.

Apesar de ter experiência com atividades como reforma, pintura, carpintaria e encanamento, as sequelas impedem que ele siga carreira na área. Edson planeja tirar da gaveta o diploma técnico em Informática e seguir a área de programação.

Batalhão homenageou falecidos

Ainda nesta quinta-feira, 16, o 23º Batalhão de Infantaria realizou uma homenagem aos soldados falecidos no acidente e aos que seguem em recuperação após a tragédia. A solenidade também homenageou os soldados que trabalham no socorro e ajudaram a resgatar os colegas.

“O exército tem uma preocupação grande com esses soldados, para que eles não sofram com sequelas do trauma após atuarem no resgate. Desde o início eles, as vítimas e as famílias foram acompanhados por médicos, psicólogos, assistência social e assistência religiosa”, ressalta o tenente-coronel André Terra, chefe da Comunicação Social do exército em Santa Catarina.

Ele também ressaltou o rápido transporte de um militar que precisou ser levado de helicóptero para Porto Alegre (RS) após uma fratura gravíssima na bacia. Rafael Leanderson corria o risco de nunca mais andar, mas foi atendido a tempo.

Dentre os mais de 40 recrutas envolvidos no acidente, apenas três seguem no quartel.


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