Capa: Na fotografia superior, encontrada no Arquivo Nacional, está contemplada a região predominante do cenário descrito por Otto Stange e que se chamava de “Rua principal”, a qual correspondia a toda a extensão da Rua XV de Novembro atual e, parcial da Rua São Paulo, até chegar a Altona, atual Itoupava Seca. Na composição inferior, a Palmenalle, a Rua das Palmeiras, antigo Boulevard Hermann Wendeburg em dois períodos históricos distintos – com o intuído de proporcionar, igualmente, a exemplo de Stange, uma reflexão. Compartilhamos um texto feito há mais de 70 anos, que descreve um cenário de um tempo de 120 anos atrás e que é, finalmente, ilustrado por esta arquiteta, em 2024.
Por meio de pesquisas em livros, jornais, revistas e sites, em busca de comprovação de fatos históricos, deparamo-nos com este importante material, escrito por um antigo residente de Blumenau, na época em Altona e depois em Indaial, que era parte do atual território de Indaial. Em suas lembranças mencionadas no texto, reporta-se ao tempo em que residia em Altona, atual bairro de Itoupava Seca, e percorria a distância entre o Stadtplatz de Blumenau e Altona, no início do século XX.
Na época, a “Rua Principal” era considerada toda a extensão abrangendo o início da Rua XV de Novembro – no porto – até Altona. Parte desta, atualmente, é conhecida por Rua São Paulo e na sua sequência, rumo ao oeste, é denominada Rua Bahia. O texto de Stange foi escrito quando ele já residia em Indaial.
Em seu relato, Stange aponta personalidades da história de Blumenau, que seu personagem, supostamente, encontrava em seu trajeto ao longo da paisagem da época, muitas vezes descrita por ele.
O que o autor escreveu:
Este “Passeio pela rua principal de Blumenau” foi escrito como se o passeio fosse feito por várias pessoas. Também não foi escrito por um certo personagem; foi escrito como se fosse uma pessoa qualquer, que adora Blumenau e os blumenauenses em geral. Que ficou blumenauense de corpo e alma. Lá, por volta de 1900, ainda rapaz, com os olhos bem abertos, atravessou a cidade a caminho da “Neueschule” (Escola Nova), na rua das Palmeiras, ou para a escola pública dirigida pelo professor Saxis, lá onde hoje se localiza o Hospital Santa Catarina, na entrada do Garcia. E se agora, já envelhecido, recorda a sua juventude e tem coragem para escrever sobre os tempos passados, tudo parece estar aí, na sua presença. Na cama, por motivos de saúde, a máquina de escrever sobre os joelhos, sonhando com os olhos abertos, os velhos blumenauenses desfilam, cada um na sua característica. O velho blumenauense que lê estas linhas, certamente também sonhará e recordará destes tempos. O jovem leitor, este, certamente não nos compreenderá ou estudará estas linhas interessadamente, tentando descobrir algo sobre a sua origem. O velho e torto Karussel-Jahn e o Stiefel-August vem ao nosso encontro, mas nós vamos adiante neste nosso passeio pela rua principal de Blumenau. Não existe aí nenhuma buzina de automóvel, nem apito de trem. Uma vez ou outra um cavalo relincha ou se escuta lá do rio o tuuut, tuut dos barcos a vapor “Blumenau” e “Progresso” e do rebocador das lanchas “Jahn”. São estes os barulhos que para cá trazem o progresso do mundo exterior. Mas para o interior, a oeste de Blumenau, escuta-se o estalo do chicote dos boleeiros dos carroções puxados por duplas de cavalos fortes que levam para lá os bens de consumo e trazem de volta os produtos agrícolas e pastoris para o sustento da cidade e também para a exportação. São o do que liga a civilização e cultura da cidade ao interior onde são levados e labutam os alemães, italianos e poloneses. Nós continuamos passeando, olhando e observando tudo atentamente, o constante movimento e a evolução pela principal rua e … cuidado! Quase fomos atropelados por uma bicicleta. Otto Stange. Indaial/Blumenau, maio de 1950.
(Traduzido do original alemão para o português pelo filho Erich Stange, em julho de 1994)
Assim Frederico Kilian escreveu sobre o citado texto:
No “Livro do Centenário de Blumenau” encontram-se várias vistas de Blumenau antigo, entre as quais algumas de fotografias tiradas por volta de 1900, isto é, ao tempo de Blumenau Cinquentenária. Estes quadros me vieram novamente à mente, ao ler um relato feito pelo Sr. Otto. Stange, ora residente em Indaial, no qual àquele velho blumenauense, relembrando-se, e a nós outros, que chegamos a conhecer Blumenau como era naqueles tempos, das pessoas que então habitavam a nossa cidade e vagavam pela sua principal rua, aliás a única existente, que atravessava nossa cidade de ponta a ponta.
Neste relato, feito em forma de narração de um lento passeio pela rua principal de Blumenau, o narrador faz aparecer, aquelas velhas e populares figuras que davam vida à nossa cidade, escutando suas conversas e participando das mesmas e tomando parte de seus prazeres e suas preocupações, mostrando ainda suas virtudes e às vezes também os seus fracos.
É com satisfação e interesse que o signatário deste introito que há precisamente 50 anos veio para Blumenau, aqui se radicando e chegando a conhecer de perto a maioria das personagens caracterizadas, leu as dez páginas datilografadas do devaneio de Otto Stange e as traduziu para serem publicados em nosso “Blumenau em Cadernos”, com a devida vênia do autor, a quem aqui, nestas linhas, expressamos nossos agradecimentos pelo prazer que nos proporcionou com o seu trabalho. Frederico Kilian
Otto Stange, também foi um dos colaboradores do “Almanach Wille”, publicado em Blumenau por durante muitos anos. Neste trabalho, Stange imagina um passeio pelo centro de Blumenau, o qual ele fez várias vezes, quando era mais jovem. Iniciava pela Palmenalle – Rua das Palmeiras, passava no porto, na Rua XV de Novembro, Rua São Paulo, terminando em Altona, onde residia, nesta época. Neste passeio, Otto Stange cita nomes de personalidades que residiam ao longo da Rua XV de Novembro, apontando as residências, alguns diálogos prováveis, as atividades profissionais das mesmas, apresentando um cenário, seus atores e práticas de uma época de Blumenau, que passava, exatamente no início do século XX. Jamundá o denominou um memorialista, como foi seu pai Emil Stange e, também, seu filho Erich Stange, que traduziu esta preciosidade para o português.
Este trabalho foi publicado no idioma alemão no “Almanach Wille“.
O texto de Stange…
Um passeio pela rua principal de Blumenau entre 1900 e 1903
O galpão dos imigrantes, situado no bairro “Vorstadt” foi visitado por nós. Velho, com aspecto de abandono, não é mais usado para seu fim específico, mas por algumas famílias caboclas, como moradia. Tudo bem. Todavia, dividido em diversos cômodos, este comprido galpão de madeira serviu para muitas famílias recém-imigradas como primeira estada na terra estranha. Mas, hoje, os imigrantes, logo após a sua chegada são despachados em carroções puxados por duas parelhas de cavalos, via morro do Cocho, para a recém-aberta colônia da Hansa-Hamônia.
Neste instante, vem chegando o vapor de rodas “Blumenau”, subindo o rio, cheio de alemães-novos. Ao redor da chaminé e outros vãos estão sentados, todos cheios de esperança, olhando para a frente, homens , mulheres e crianças. Maneca, o cozinheiro de bordo, mal consegue achar passagem. Os demais marinheiros se retiraram para suas cabines ou ficaram na popa do barco, conversando. O Capitão Krambeck observa a aproximação da cidade e puxa a corda do apito à vapor, – tuuuut, tuuuut, – estamos chegando. São aproximadamente três horas da tarde . O vapor chega hoje mais cedo do que de costume; certamente teve menos perda de tempo nas paradas de Ilhota e Gaspar.
Também as chuvas, nas últimas semanas, eram poucas; em consequência o rio está com o volume de água normal, a correnteza não é forte, descendo devagar até o porto de Itajaí, na barra do rio.
Apressamos o passo, pois não queremos perder a chegada do vapor no trapiche. Também o nosso superintendente Dr. Cunha está atrás da sua casa, observando a chegada do barco. – Alemães novos. Muito bem precisamos deles, são “bons agricultores, bons colonos.
Cumprimentamos o velho Emil Gropp na passagem, quando o mesmo, como de costume, cruzava a estrada, saindo da sua serraria para a sua residência, Está banhado em suor e passa o lenço para enxugar a testa empoeirada de serragem, Sempre atento na serra, não fica atrás dos seus filhos no serviço. “Emil Gropp & Filhos” pode-se ler na construção comprida que abriga a sua serraria a vapor, e o Dr. Hugo Gensch também está em casa, Neste momento fala, em voz alta, a sua mulher -: Isto vai melhorar logo, siga a minha receita; ajudou aos outros também. Isto tudo é somente humano, despedindo-se com um adeus e acompanhamos até o Schneider, o canoeiro, que o recebe na sua varanda, cumprimentando o: – Bom dia, doutor. Sim, assim faremos. “Depois se ouve estrondosas gargalhadas, hahaha, agora compreendo a coisa.
Caminhando, chegamos ao Hospital Wandal no momento em que está fechando a janela: Bom dia Dona Lieschen, tudo bem? Mas o que está acontecendo no outro lado da rua? Muita movimentação com gritaria e choro! Ahá, mais um pobre desgraçado, desequilibrado mental que está sendo levado para ser preso no asilo.
Bom dia, senhor Stutzer. Neste momento ele está chegando lá da Câmara; o tesoureiro, que assinou uma por uma, todas as notas de cem réis e réis, o dinheiro emitido pela Câmara, com sua assinatura “Otto Stutzer”. Com a sua comprida barba branca, tem a aparência de um nobre; ainda está bem de saúde , apesar da idade. Todo respeito. Com o guarda-chuva debaixo do braço, abre a sua porteira e a porta da casa e desaparece.
Agora temos a vista livre até o porto. Vejam: até o rebocador “Jahn” também está atracado. Provavelmente levará amanhã cedo, as lanchas, rio abaixo, até Itajaí, As barrigas das lanchas de frete estão quase cheias, carregadas com tábuas, caixotes e barris, atracadas no muro do trapiche. Sobra pouco até a beirada, quase afundam.
O vapor “Blumenau”, na mesma direção que nós, nos acompanha ou nós a ele , mas agora inicia a grande curva para atracar, Nós também dobramos a esquina, no Jansen. No outro lado da rua estaciona o senhor Peter Christian Feddersen, o seu Landau. Está chegando de Altona e traz de carona o senhor Luiz Abry. Este, por sua vez, deverá receber imediatamente os imigrantes, e já se dirige à rua do trapiche.
O senhor Feddersen grita para dentro da loja: Senhor Cônsul, novos imigrantes estão chegando. E o senhor Gustav Salinger chega à porta risonho e atrás dele o Hugo Joachinsthal esfrega as mãos: É bom, precisamos deles. Em breve deveremos abrir uma filial em Hansa-Hamônia. Imigrantes aumentam o consumo!
Lungershausen, que comentava sua nova construção com Schoenfelder, sai correndo, Luiz Sachtleben, na porta da sua loja, quer saber porque tanta pressa, mas Lungershausen responde que Schoenfel der não aceita sugestão e continua correndo até desaparecer na próxima esquina do “Hotel Brasil” de Hannes Schmidt, em direção à sua quase pronta casa nova, na rua das Palmeiras.
O padeiro Kuehn, ao lado de Jansen, descansa no banco da frente à sua casa e pensa consigo: – Se a coisa continua deste jeito preciso, em breve, contratar um ajudante. O Albert Jaeger sozinho quase não dá mais conta do serviço; ainda mais que ele faz diariamente a entrega domiciliar do pão fresco, com a carrocinha.
E o Dr. Faust também é da mesma opinião quando olha por cima do muro e vê como se trabalha lá. Mas, atrás destas casas, ao lado do porto da balsa, passeia sem pressa o Dr. Todt, em frente à porta da sua casa, fumando seu longo cachimbo, digerindo os rins de porco assados, que tanto gosta de comer.
Mas no pátio do porto da balsa está o Sr. Heinrich Probst, chapéu de palha de 400 réis na cabeça, falando sozinho ou com as velhas pedras do ribeirão Garcia: – Parece que algo não está certo com as tábuas que o Stein está descarregando da sua carroça. Saindo da Agência da Navegação Fluvial está chegando Erich Gaertner com suas pernas curtas e passo comprido, quase chocando-se com o professor Juerges na esquina, pois o mesmo também quer entrar na Palmenalle (rua das Palmeiras) e este lhe diz: – Com tanta pressa, Sr. Gaertner? Este, balançando a sua pasta preta, no seu andar rápido, lhe responde: “Imigrantes” e com isto também já está no outro lado da rua, em direção à entrada do porto.
August Zittlow e Paul Schwartzer não têm tanta pressa. Zittlow, como de costume, com as mãos às costas, seu boné de serviço, que ele já usa durante anos, pergunta naquele instante: – Bem, como distribuiremos os personagens no teatro? – Salinger deverá ser o velho” Guarda Florestal” e seu ajudante deverá ser o Curt Hering. Gustav Lungershausen ou Max Feddersen, um dos dois deverá ser o amante e o Max Clasen seu rival. A mulher do Guarda Florestal deve ser a Dona Hanny e a filha sua própria filha.
Para os papéis secundários, senhor Schwartzer, ainda temos a minha filha e a senhorita Salinger. Falta alguém ainda para o papel de ….hoppla! – Quase que acontece um desastre!… Veja, o Woldemar Odebrecht voando com a sua bicicleta, a primeira e única até agora em Blumenau, dobrou a esquina e esqueceu de tocar a sineta. Bem, desta vez ainda não aconteceu nada de grave, mas os dois assustados senhores seguem com seus olhares espantados com o Woldemar: E, em Blumenau já se anda apressado, está chegando o progresso. Bem, o Woldemar quer mostrar o seu velocípede que trouxe da Alemanha, na sua recente viagem.
Continuando o passeio pela rua das Palmeiras, eles vêm assustados, saindo apressados do jardim do Dr. Blumenau, dois rapazes, que, certamente queriam roubar umas jabuticabas, atravessarem o leito da estrada, sendo, que por um triz, não foram atropelados pelo Sr. Woldemar, que, num reflexo, pulou da bicicleta, evitando assim o choque. O desastre que poderia ter consequências desastrosas, foi assim evitado no último instante, por um fio de cabelo. Quem são estes dois rapazes descuidados? Ele pergunta, ainda chocado, ao Sr. professor Rudolf Damm que neste momento vem subindo a rua. Se não me engano, foram o Phillip Brandes e o Maenne Lueders. – Pensei que eram meus sobrinhos Baumgarten, grita o Reinhold Anton, o farmacêutico, do outro lado da rua. Ele saíra da sua porta para olhar passar a bicicleta. Também no Baechert, os fregueses esticam o pescoço e o mecânico Frischknecht não pôde deixar de fazer a sua rima:
Andar de ciclo é muito bom,
porém é necessário aprender
pois facilmente vai ao chão,
ou atropelamento acontecer.
(É uma tradução livre do tradutor, pois em alemão era:
Flitzepede fahren ist ser schoen,
man muss es nur auch erst verstehn.
denn leicht passiert’s den Fahrradsmann
dass er die Fussleut’ rampelt an).
Todos riram e cumprimentaram o poeta improvisado. Jacob Schmitt, o delegado de polícia, bate nas costas estreitas do Frischknecht com a sua pesada mão: – Então, como sempre, rimas facilmente! E aos outros presentes fala: – Bom apetite, vamos ver se sobra um copo de cerveja para mim e se vocês tomam cerveja do Jennrich e Rieschbieter, não esqueçam de abrir uma do Hosang também, mas sempre na medida e sempre com calma e sem barulho exagerado; como sabem, devido ao meu ofício, neste caso, deverei agir. Ernst Kielwagen diz seco: – Sempre devagar. vizinho, com nós não precisa se preocupar e se alguém não está de acordo, que não olhe para cá . E o madeireiro, senhor Saint-Martin Hofer, com comércio de sarcófagos, baús, e móveis em geral na rua dos Atiradores, la: Baús de todos os tamanhos e modelos tenho sempre à disposição. Todos riram. Pessoal, sempre com calma, diz Scheidemantel senão tiro uma foto que publicarei no jornal “O Imigrante”. Retirou-se em seguida, subindo a rua das Palmeiras, em direção ao porto.
Também nós seguimos nosso caminho. Devido ao acontecido com o ciclista, quase esquecemos os imigrantes; mas na saída ainda avisamos: – “Imigrantes”, e logo alguns se locomoveram em direção ao porto para ver o vapor e o desembarque dos alemães-novos que estavam chegando.
Também o latoeiro Behnke era curioso e acompanhou-nos até à porta do Teatro Frohsinn. Ele passou pelo caminho da cadeia pública, para encurtar caminho e trouxe consigo o guarda-chaves da cadeia, e o sapateiro Peter que também queria ver os recém-chegados. Mas no alto do barranco do porto da balsa estava o Sr. Schrader com o pequeno Cunha e o Fides Deeke, que vieram naquele momento do prédio da Câmara Municipal, do outro lado da rua. Os recém-chegados já desceram do vapor. Eugen Germer estava entre eles para carregar a bagagem e levar ao Hotel Holetz.
Tinha que levar toda a carga em diversas carroçadas, cheias de caixotes, malas, cestas e pacotes de todos os tamanhos e tudo mais que os imigrantes trouxeram. Mas as suas espingardas os homens não largaram. Alguns até tinham duas. Luiz Abry esclareceu aos mesmos, que já amanhã cedo, seguirão em carroções puxados por quatro cavalos, até a Hansa. Lá o ribeirão Taquara deverá ser colonizado, e até no Sellin o pessoal já pode escolher suas glebas, pois já estão medindo e catalogando ambas as margens do mesmo.
Em seguida, todos caminhamos pela rua do porto ao prédio da Câmara. Os dois policiais, responsáveis pela ordem em Blumenau, o Katzwinkel e o Krause, fizeram olho grande quando viram as belas armas trazidas pelos alemães, pois eles só usavam um sabre curto no cinto quando estavam em “serviço”. Hoje o polícia Katzwinkel estava descalço, ou melhor, de chinelos, pois no domingo calçou uns sapatos novos que provocaram bolhas nos pés. Assim, estava impossibilitado de usar seus botins. Foi isto, pelo menos, o que nos contou, desculpando-se.
Caminhando, chegamos à ponte sobre o ribeirão Garcia, a velha ponte de madeira. Era a segunda ponte construída naquele local, pois a enchente de 1880 tinha carregado parte da primeira, impossibilitando a sua reconstrução. Atravessada a ponte, entramos no Hotel Holetz, logo ao lado. Mas o Sr. Holetz não nos pode receber e assim, fomos cumprimentar a Frau Holetz, que enérgica e resoluta, nunca perde a calma. As empregadas têm que se mexer e pular para cumprir suas ordens e servir a todos . Ao redor das compridas mesas foram colocados bancos de madeira e o jantar já está pronto e abundante . O Karl Holetz e o Sr. Orth acabaram de matar um porco que eles engordaram, e assim, a carne não faltou à mesa.
Servem até salame, pois o açougueiro Poerner fornece, do seu picador. Mas certamente não será posto à mesa hoje; só a pedido especial. Hoje é servida uma deliciosa feijoada com costelinhas de porco, toucinho e farinha de mandioca fresca, comida gostosa que é aceita por todos, principalmente para quem tem fome. E isto não nos falta e muito menos aos imigrantes. Aqui o pessoal deverá pernoitar. Camas para todos infelizmente não há, mas o Richard Holetz tem o grande salão, com paredes de tábuas e lá cada um se ajeita como pode, entre as bagagens e com cobertores fornecidos pelo proprietário.
Nós nos despedimos dos imigrantes ·do coitado do Richard Holetz, que devido à sua doença, depois de um princípio de enfarte, não pode se locomover e sair de trás do balcão; fica sempre sentado na sua cadeira, observando o movimento e nada lhe escapa. Só pode andar com a ajuda de duas bengalas, com as quais se locomove passo a passo. Otto Strobel, o marceneiro e freguês, traz neste momento ao senhor Holetz o último número do “Urwaldsbote”. O próximo número só sairá depois de amanhã. Este jornal blumenauense é difundido em todo o vale.
Chegando à estrada, estamos vendo crianças do Leopold Knoblauch com sua carrocinha puxada por dois cabritos. Bonito para ver, pois os dois bodes estão bem treinados e puxam bem. O Sr. Knoblauch também está perto, observando para que nada de mal aconteça com seus filhos, ainda mais, com tanta assistência, devido à chegada dos imigrantes e sua constante movimentação na estrada.
Vem chegando, montado no seu cavalo branco, o Sr. Wilhelm Schaefer, dono de uma serraria lá em Nova-Rússia, perto do morro “Spitzkopf”. Frente a sua loja, aos cuidados do seu filho Richard, ouvimos chamar: Rudolf Sprengel, vá para a Lieschen Strobel e pergunta se ela ainda tem pãezinhos frescos, pois trouxe uma fome danada. Alguns pãezinhos do Strobel sempre são bem-vindos. Depois você vai ao correio. Provavelmente terá algo para nós.
Em seguida, dirige seu cavalo branco ao portão da entrada do pátio. Aí ele vê a senhorita Gretchen, que está no jardim ao lado, em baixo do pé de abacate grande. Oh, dona Margarida, como vai? E as aulas, como vão? Os dois vizinhos são muito amigos. Ela é a professora da escola estadual local. A senhorita, amigável como sempre, responde: Obrigada, senhor Guilherme, tudo vai bem. Como vai lá, com seus Deutch-Russen no Spitzkopf? Pode-se ver bem este morro da “Kaiser-Strasse” (Alameda Rio Branco), lá no fundo, com seus 950 metros de altura ele oferece um fundo bonito para a paisagem blumenauense deste lado. – Não vai tão bem como se esperava, responde o Sr . Schaefer, à resposta da Da. Margarida.
Os colonos, estão inquietos devido aos bugres que ultimamente, têm aparecido por lá. Eles ameaçam da beira do mato e fazem gestos de iminentes ataques. A insegurança é grande e o pessoal não quer ficar lá; falam em ir para Benedito Novo, para onde alguns já partiram. Mas o meu filho Erwin que está por lá, apareceu aqui nestes dias e disse, que lá em Liberdade, o clima também não parece tão- seguro; mas ele consegue manter-se por lá, embora os bugres lá também ameaçam. Estes irmãos vermelhos ainda são perigosos, principalmente nas casas isoladas e avançadas na colônia, que mal foi aberta, mas com o tempo a situação vai melhorar. O principal é não abandonar a colonização e o nosso pessoal deve mostrar decisão, e no último caso, usar as armas para se defenderem. Montado no seu pangaré velho, aparece agora lá na Kaiserstrasse, o Sr. Christian Schmidt, vulgo “Millionen-Schuster”, capacitado e amado professor, orientador dançarino de quadrilhas e poloneses: – ” Las dames en avant, a la bonheur teuts avers”.
Com elegante gesto ele tira o chapéu, descobrindo a careca cor de marfim. Ao seu lado cavalga a sua graciosa filhinha, recém-saída da escola, parecendo “Branca de Neve”. Lá no Holetz dobram a esquina seguindo em direção à ponte do Garcia, conversando animadamente. Nós continuamos nosso passeio pela rua principal. Vemos Friedrich Blohm saindo da sua casa, descendo a escada, a barba “Kaiser Friedrich” e chapéu tipo coco na sua cabeça larga. Guarda-chuva na mão, segue à direita, subindo pela estrada. Já sabemos, vai ao Clube tomar o chope da tarde. Atravessou o canal e nós também chegamos ao mesmo canal, com sua passarela já bastante danificada pelo tempo, pois é de madeira. O corrimão também já não é muito seguro, necessitando renovação urgente, para evitar desastre.
Agora estamos chegando à casa do Sr. Eberhardt, onde está instalado o correio. A casa de moradia está fechada, mas mais ao fundo, onde está instalado o correio, há movimento. Uma velha casa de madeira, com escada de dez degraus, já velha, tendo como corrimão um sarrafo de telhas num dos lados, para facilitar o acesso. Nada, mas absolutamente nada de pomposo, este nosso “Correio Nacional”, como consta na placa pregada ao lado da porta. Os sacos com a correspondência já se acham ali, desembarcados do vapor “Blumenau” e o “Eberhardt, o da barba”, nosso digno agente do correio, abre-os pessoalmente e sua mulher e o filho Paul, distribuem a correspondência. Ao lado da estrada, amarrado na cerca de estaquetas, está ° cavalo do Sr. Richard Paul, lá de Timbó, que hoje, pessoalmente vem buscar a sua correspondência. Também o Sr. Friedenreich, com sua charrete, vem chegando para pegar tudo que se destina para seus vizinhos lá de Altona, saíndo em seguida, na sua aranha puxada pelo cavalo, voltando para sua vizinha Altona. Paciência, diz o Sr. Eberhardt. Todos receberão sua correspondência. Nós também recebemos algo e com as cartas na mão, descemos os degraus da escada , seguindo pelo estrada.
Boas notícias? Pergunta o açougueiro Poerner do outro lado da rua. Acho que sim, respondemos: correspondência da velha terra natal. Pois certamente também terá algo para mim, da velha Bohêmia, ele responde. Também o Peter Kiesel, fabricante de escovas, que mora ao lado, dirige-se, ao correio, balançando a sua barrigona. A sua mulher encheu a varanda da casa com roupa branca bem passada, principalmente acessórios para camisas, pois hoje à noite teremos baile no Ernst Bernhardt e aí, os jovens da sociedade querem se apresentar bem vestidos, com suas camisas brancas bem passadas. Sempre trabalhando, Mutter Kiesel? Falamos. E ela responde: Quem vai passar à ferro toda esta roupa branca, se eu não o faço? Diz orgulhosa e satisfeita. Quase esquecemos que lá no Merk teremos de comprar lentilhas encomendadas pelo pessoal da casa. Entramos no estabelecimento dos dois velhinhos. Frau Merk, pequena mas resoluta e sempre alegre, serve-nos mercadoria sempre boa, principalmente as lentilhas, fresquinhas. Tem também ervilhas e feijão branco, arroz importado da Índia, sal importado de Lueneburg; com este, sempre tem cuidados especiais, pois com tempo úmido que acontece muito aqui nos trópicos, fica molhado. Ela se queixa, e, assim, empilha os saquinhos de sal no fundo, em cima do fogão à lenha, para que fique sempre seco . Levamos nossas compras, agradecemos e nos despedimos. O Sr. coletor Buecheler, ao lado, bem à vontade, ainda de pijama, está sentado à beira da cama. Com a cortina e a nela aberta, olha-se para dentro do seu quarto de dormir, situado ao lado da rua. As casas aqui na “Gespensterstrasse” (rua dos fantasmas) ficam a um metro abaixo do nível da rua, tendo ainda uma calçada, revestida de placas de pedra-lousa. Esta calçada, passando pelo correio, acaba num canal de tábuas, na casa dos Blohm. Mas o dentista Haertel, na esquina da Gespensterstrasse, quer acabar com este estado de coisas, pois com a casa de dois pavimentos, em construção, exige dos poderes públicos solução para este caso.
No outro lado da rua, o Alexandre Lenzi já tem duas casas, com dois pavimentos cada, bem construídas, uma ao lado da outra, mas devido aos muros grossos sem as fundações necessárias, as duas se inclinaram um pouco para o lado do rio, parecendo a Torre de Pisa. Na sua hospedaria, Lenzi hospeda principalmente seus compatriotas de origem italiana. Ao lado, a construção de igual tamanho, pertence ao Benno von Barasky, que tem aí uma pequena padaria onde faz pães grandes. É barrigudo e bem encorpado. Da varanda da sua casa se tem uma bela vista para o rio. Neste momento está na janela do bar, esperando algum freguês. Cumprimenta o seu vizinho do outro lado, o alfaiate August Sutter, com um “bom dia” e este retribui só com um aceno de cabeça. Sutter está sentado perto da janela, frente a sua máquina de costura e não tem muito tempo para conversas, pois o terno que está costurando deverá estar pronto ainda hoje. Cumprimenta também a nós só com um aceno da cabeça, quando passamos por ele.
No lado oposto, na esquina da Gespensterstrasse, vemos um bem cuidado jardim com flores e muitas verduras, que o velho Mayer sempre conserva em ordem. O velho casal mora na casinha um pouco afastada, nos fundos do terreno, gozando sua existência com muita calma.
Mas bastante agitado está, no outro lado da rua, o Sr. Gustav Ermlich. Com seu boné vermelho na cabeça, um grande bigode, voz alta e boca grande, fica frente à entrada do seu bazar., ao lado da escada de acesso, e grita: Entrem, aqui vocês acham tudo de que precisam: bom e barato. Acabo de chegar do Rio de Janeiro de onde estou trazendo caixas de mercadorias, comprada em liquidações. Também aqui temos preços de liquidação. Aqui só se compra o que é bom e barato, repete. Segunda-feira cedo saio de carroça para o Testo, onde já tenho a minha freguesia que sabe de quem se compra bom e barato. Aí, eles tiram da gaveta os seus milréis, esvaziam seus cofrinhos e compram. – E vocês não pretendem comprar nada? Estão perdendo a melhor oportunidade. Entrem e vejam. E puxando-nos pelo braço, encaminha-nos escada acima para dentro da loja. Vejam, até com um vintém preto já tem coisas a comprar. E com seu boné vermelho na cabeça redonda, mostra suas mercadorias. Rimos e divertimo-nos com seus gestos. Despedimo-nos, prometendo voltar em outra ocasião para comprar, mas ele continua insistindo em voz alta: barato, barato, barato. Assim saímos, ouvindo a sua voz insistente por alguns instantes, procurando novos fregueses. O sapateiro Kumm, do outro lado, bate sola e não quer saber da conversa do vizinho da frente . Quem fica incomodado com o barulho do lojista é o dentista Hugo Riedel, ao lado da loja. Sem descanso, como se fosse pêndulo de um relógio, ele vai de um para outro lado no seu jardim e grita para Ermlich. Por favor, cale a boca pelo menos por alguns instantes. Já não aguento mais este barato, barato, barato. Estou ficando louco. O dia que precisares dos meus serviços de dentista, vais sentir o alicate. Aí sim, podes gritar a vontade, isto lhe garanto. Sobe a escada e entra na casa, bate a porta e fecha a janela. A sua caseira, a senhora Germann observa, balançando a cabeça, os gestos nervosos do dentista, em pé na varanda.
Também o Sr. Ferraz, ao lado, calmamente observa tudo. Acima da porta da sua casa tem uma placa com os dizeres – “AGÊNCIA GERAL DAS TERRAS E ESTRADAS ESTADUAIS”. É o escritório público de propriedades ou tabelionato. Ao Sr. Ferraz não aborrece a gritaria do senhor Ermlich para convencer fregueses , nem os gestos nervosos do dentista Riedel. Ele é a calma em pessoa. Passa dois dedos pela barba tipo Ruy Barbosa, num gesto particular muito seu. Caminhando chegamos ao latoeiro Reinhold Pauli. Erminio Moser e Emil Fiedler neste momento, estão carregando uma carroça com latas para manteiga, provavelmente destinadas a F. G. Busch – Exportadorade manteiga e banha. Reinhold Pauli controla o carregamento e sua mulher olha pela janela na esquina do Jammertal (Bom Retiro). No lado oposto da rua as crianças brincam na roça de cana, na barranca do rio. Para estes chãos, não se acha comprador. Estão num nível muito baixo. Ninguém arrisca construir neste barranco. No outro lado, na esquina do Jammertal a situação é idêntica. O nível baixo do terreno só serve para pasto dos animais. Pode-se ver isto no poço do Sr. Schadrack, que está com o nível da água para transbordar, lá naquelas bandas do pasto. Bom que ele construiu o galpão para sal e couros em palafitas. Assim ficam mais seguros contra umidade. O ferreiro Richter construiu sua casa e ferraria mais acima no barranco. O acesso à barbearia do August Werner também tem uma escada de 6 a 7 degraus para evitar as constantes enchentes. Ele não tem necessidade de arranjar canoa em qualquer pequena enxurrada. “Lá em casa, infelizmente esta tem de estar sempre à mão”, – assim fala a boa Mutter Pauli.
Atravessamos a rua do acesso ao Jammertal e vemos o Ferdinand Schadrack indo apressado, esfregando as mãos, como de costume. A sua casa está situada no centro do seu pomar de frutas e legumes. Também ao lado, o Karl Rothbarth tem muito espaço ao redor da casa e pomar. Ping-pang, ping-pang, assim se ouve da oficina do cobreiro Georg Hiendlmayer. Frente à oficina, na valeta à beira da estrada, está uma enorme frigideira redonda de cobre e um alambique com canos em espiral, para cachaça. Encostados à parede vemos dois palanques com bombas manuais para água, parafusados, prontas para serem entregues. Parece que não falta serviço para o cabreiro. Bem situada, um pouco retirado, atrás de arbustos floridos, entre a oficina e a casa do vizinho, fica sua casa. Com sua perna de pau (prótese) o Karl Rothbarth atravessa a rua e vai em direção à sua fábrica de charutos e depósito de tabaco. Sua perna amputada logo abaixo do joelho, não o atrapalha muito nos seus afazeres. Neste momento está saindo uma carroça do portão. Um italiano que trouxe um carregamento de tabaco. A casa ao lado tem um cartaz com os dizeres “TRIKOTWARENLAGER VON GEBRUEDER HERING” (Depósito de artigos de tricô dos irmãos Hering). Este depósito, bem como o depósito e fábrica de cigarros, separados por um barzinho, são construções baixas.
Sabemos que até poucos anos atrás, aqui era o berço de artigos de tricô dos Hering. Aqui o Papa e Tio Hering manejaram e manobraram eles próprios, suas primeiras máquinas. Mas agora, lá nos fundos do Jammertal (atual Bom Retiro) eles construíram e instalaram uma fábrica bem maior, tocada por uma grande roda de água que fornece a energia para suas máquinas com as quais fazem o tricô para camisetas e cuecas. Trinta pessoas já trabalham lá e estão ganhando o pão de cada dia. A mercadoria está sendo muito bem aceita; os pedidos se acumulam, a expectativa de vendas é enorme pois neste grande Brasil o potencial dei consumo vem crescendo muito. Aqui na cidade, o depósito está sendo administrado pelo Sr. Ernst Steinbach, casado com a filha do Papa Hering. Agora ele está conversando com seu vizinho Wilhelm Gross, dono do barzinho entre os dois depósitos. Aos sábados à tarde, sempre aparecem fregueses vizinhos para tomarem alguns copos de cerveja do Jennrich e Rischbieter ou do Hosang.
A charrete do Carl Rischbieter está parada em frente à porta e ele, no seu jeito simpático e calmo, está tomando uma cerveja preta, de sua fabricação. – Uma “pequena preta”, sempre é saudável, diz ele para o farmacêutico Brandes, na mesa redonda do Stammtisch. Também está chegando o Sr. Paul Husadel, relojoeiro e joalheiro, e se junta a eles. Da sua última viagem à Alemanha ele trouxe muitas novidades e artigos para a sua loja. Na mesa de bilhar os senhores Schossland, fabricante de gasosa e Oscar Gross estão em disputa acirrada. Esquecemos de visitar o Eugen Currlin. Atravessamos a rua, retrocedemos um pouco, passamos pelo estabelecimento da Frau Brockes, com sua loja de chapéus, renda e linhas. Ouvimos quando ela, sentada no banco da varanda, fala à senhorita Kleine, da sua exportação de canarinhos da telha, que ela mesma leva para a Alemanha. Há pouco, voltou de lá. Se a venda destes passarinhos foi bom negócio, só ela sabe; também não nos interessa. Agora subimos os oito degraus da livraria do Sr. Eugen Currlin. – Os senhores, o que desejam? Alguns, cartões postais de Blumenau? Tenho aqui cartão da ponte do Garcia, vista do morro do aipim: aqui o porto com o barco ” Progresso”, vendo-se ao leme o capitão Gustav Hacklaender e o maquinista José Gall, os “piratas” do rio Itajahy. Cada cartão custa 300 réis. Os clichês foram feitos na Alemanha, por isso posso vendê-los tão barato. Muito bem, voltem sempre.
Novamente na rua, vemos ao lado do farmacêutico, no “Urwaldsboten” o ajudante de fiscal Wehmuth, cavalgando como de costume, sua mula, com duas guaiacas de couro atrás do selim e algumas estacas e piquetes com pontas de ferro, do mesmo tipo dos usados por seu superior, o Fiscal Ebert, do Fidélis. G. Arthur Koehler está, neste momento, sentado no seu escritório, perto da janela, exercitando-se na sua nova máquina de escrever Continental, recém-importada da Alemanha, a primeira em Blumenau. Máquina complicada, tem de ser estudada primeiro, para ser usada. Mas certamente aprenderá a usá-la.
Saindo da livraria, fala ao Sr. Wehmuth: – Quando te vejo montado na mula, sempre me lembro do meu tempo de caixeiro-viajante, quando saía para o interior da colônia, vendendo a minha mercadoria. Só as estacas e os piquetes eu não precisava levar. Bom tempo aquele. Mas, como vai? – Não tão bem assim, senhor Koehler, este responde.
Durante a semana o Ebert e eu estivemos na Velha-Alta, medindo terrenos. Lá a situação não é muito boa; os bugres, vindo do Spitzkopf, causam pânico. Velha-Alta e Encano-Alto estão em alerta, esperando assaltos. Lá no Warnow-Alto já houve alguns assaltos destes selvagens, como o povo de lá conta. Os colonos conseguiram fugir pelas picadas dos fundos. O fiscal Ebert queria falar a respeito com o senhor, para publicar algo no jornal, mas agora ele deve voltar para sua casa, senão escurece antes de ele chegar lá no Fidélis. Ah, sim, responde Koehler; sempre estes bugres selvagens. Parece que não há outra alternativa . O Martins com sua turma de caçadores de índios deverá fazer nova batida por lá. Está bem, senhor Wehmuth, agradeço sua informação. Vou imediatamente à redação do “Urwaldsbote” para escrever e publicar isto e advertir os colonos que moram muito isolados, por estas bandas, para não se afastarem muito e andarem sempre em grupos e armados. Também Desterro deverá ser informado. O governo precisa saber o que está acontecendo aqui. Eles devem ajudar e proteger os colonos contra os bandos de bugres selvagens.
Hermann Hering, do outro lado, da porta da sua loja, tinha ouvido toda a conversa e falou que seu irmão Georg, que veio ontem lá do IIse, também falou a respeito. Lá eles até viram as pegadas de “Pé Grande”; Koehler responde: isto é interessante ouvir. Falando para dentro da loja, ele diz: – Elsbeth, vou rapidamente ao Fouquet. Até logo, bom domingo, senhor Wehmuth. Com isto, sai num passo rápido de ginasta, para o outro lado da rua; passa pela bela residência do Sr. Gustav Baumgart que passeia, com as mãos nas costas, frente à sua casa, pra lá e pra cá.
Na casa ao lado o Sr. Koehler bate na janela, onde mora o redator do “Urwaldsbote”, Sr. Eugen Fouquet. Falam algum tempo e o Sr . Koehler, retornando, encontra no outro lado, próximo à casa de Paul Hering, os senhores Papa e Onkel Hering, que vem chegando na sua própria charrete, lá do Jammertal (Bom Retiro). Agitado o Sr. Koehler conta aos dois os últimos acontecimentos referentes aos bugres. O Sr. Paul Hering, saindo da loja, também escuta tudo. Bem, diz Onkel Hering, o nosso morro “Schweineruecken” também deverá estar infestado. Otimista como sempre, Papa Hering fala: – O Schweineruecken certamente os bugres vão deixar sossegado.
O nosso bom Doutor Blumenau, uns cinquenta anos atrás, passou por momentos piores. Ele teve a visita dos bugres na barra do ribeirão da Velha, onde residia, mas não fugiu. Bem Arthur, não quer entrar e tomar uma cerveja?- Obrigado, responde G. A. Koehler. Preciso treinar bastante na minha nova máquina de escrever; é complicada, mas para ler a letra da máquina é mais fácil do que a minha, que, algumas vezes, até eu tenho dificuldades para decifrar. Bem, boas conversas e até logo. Amanhã a gente se encontra para o Skat. Tenho de dar revanche ao Hermann Müller. Todos riem e também nós fomos andando, despedindo-nos.
No jardim do Sr. Lueders trocamos algumas palavras com ele e sua esposa, olhando as belas flores. Ele costura corseletes para as senhoritas e damas da sociedade.
E o dr. Tomé Braga, o nosso advogado “quebra galho”, para os íntimos, atravessa a rua para conversar com o Dr. Juíz de Direito; conversa fiada, pois aos sábados à tarde não se fala do ofício. O Dr. Ayres de Albuquerque Gama está à janela e observa o movimento da rua. – Boa tarde, Sr. vizinho. – Boa tarde, Sr. Tomé, como tem passado? Nós também atravessamos a rua e cumprimentamos: Boa tarde, senhores; e seguindo adiante fazemos uma visita curta ao senhor Otto Freygang. Experimentado o seu excelente licor, ele que é dono do bar, nos oferece. Muito bom mesmo e bem temperado, senhor Freygang. Ele agradece o cumprimento elogioso e passa a mão na sua barbicha de bode.
Na altura da igreja católica, neste momento, começam a badalar os sinos pois é hora da “Ave Maria”, seis da tarde. Está na hora de apressar os passos se quisermos chegar com a claridade do dia em casa e acabar este nosso passeio por Blumenau. – Até logo, amigo Freygang; outro dia a gente conversa mais.
Passando pela alta escadaria da igreja e o comprido muro, damos uma olhada para dentro das janelas do convento dos padres franciscanos. Estes já reiniciaram nova construção; nunca ficam sem construir algo, estes padres. No outro lado da rua no barranco do rio, algumas corujas saem voando das altas árvores.
Nada para observar até chegar na loja de ferragens do Luiz Altenburg. No trapiche particular dele ainda estão descarregando uma lancha. Ferro em barras, cimento em barris, caixotes com vidro plano para janelas. Outras caixas e caixotes com ferragens são levados para o depósito. Ferdinand Altenburg, o mais novo dos filhos, atravessa rapidamente a rua para receber um telegrama do telegrafista Veiga. A senhora de Rudolf Altenburg está na frente da sua casa, ao lado da escada e pergunta ao Ferdinand, antes deste entrar no estabelecimento: – Notícias boas? Penso que sim, diz Ferdinand. O Rudolf vai retornar com o vapor “Santos” mas ainda dá uma paradinha em São Paulo a negócios; mas de resto tudo bem.
Saindo da rua dos padres, vêm dois deles montados nos seus cavalos. Interpelados falam que um vai para Belchior e Luiz Alves e o outro para Encano e Indaial. Agora estamos chegando ao depósito do estabelecimento comercial de Nienstedt e Rabe onde acaba de chegar uma carroça puxada por quatro cavalos, com um carregamento vindo da filial de Massaranduba. Arthur Rabe cumprimenta o carroceiro e ajuda no descarregamento. Os cavalos são levados à cocheira para serem tratados. Leopold Rabe recebe os sacos e os carrega auxiliado por seu ajudante, para o armazém. O Sr. Nienstedt, o padrasto, com a papelada na mão, confere a carga de milho e feijão, os barris de banha e manteiga que são descarregados em seguida. Da bonita moradia do lado se escuta a conversa animada dos filhos mais jovens. Também os filhos do Fides Deeke que mora ao lado estão lá, brincando no grande jardim, bem cuidado, ao lado da residência nova dos Deeke. Duas belas construções estas residências. mais um progresso que enfeita Blumenau.
Aqui, no lado do rio, está no topo da escada de acesso à sua casa, o alfaiate Ringling, que acaba de chegar da Alemanha. Como vai, senhor Ringling? Este dá uma puxada no seu cachimbo curto e curvo de estudante e responde: – Muito a fazer; vou mostrar a este povo daqui como se faz e como deve assentar um bom terno. Estou satisfeito pelo meu começo aqui em Blumenau.
Hermann Baumgarten, ao lado, sentado à varanda, estudando as últimas notícias, ouviu as declarações do Sr. Ringling e observa:- Isto muito me alegra, Ringling, que você está satisfeito aqui; o bom serviço sempre é abençoado. Para nós jornalistas, isto é mais difícil, pois a opinião do povo sempre difere do que está publicado; sempre existem e haverá críticas, mesmo que nós publicássemos o jornal em letras de ouro. Há mais de vinte anos estamos lidando com nossos leitores e a política, um ofício duro; provavelmente não ficarei velho. Bem, toda gente tem sua carga para carregar. Falamos e saímos.
No outro lado, naquele terreno mais elevado, a Jenny Peters vive sossegada, plantando aipim, ordenha as vacas, engorda seus porcos e está satisfeita. Chegamos ao canal dos Peters. Lá embaixo na água, passam alguns gansos que vêm do rio em direção ao pátio da casa ela Jenny, procurando o curral para passar a noite. E nós observamos a capoeira em ambos os lados, emoldurando a rua numa extensão de uns cem metros, sem interrupção e nenhuma casa; parece que a cidade acabou aqui; mas assim não é, pois, mal atravessamos este trecho, estamos em frente ao alto muro da residência dos von Ockel.
No lado oposto o Sr. Caetano Deeke abriu uma livraria com artigos de papelaria e escritório. Em seguida vem o depósito de sal e calcários de F. G. Busch, seguido pela casa e jardim bem cuidados do mesmo; continuando vemos as construções do depósito de banha e manteiga para exportação. Lá ainda estão trabalhando animadamente . Caixões e caixotes estão sendo pregados, fechados e por fim, endereçados.
O Sr. Busch está conferindo tudo, assobiando baixinho. Quem sabe o que estará inventando agora? Será que quer trazer a eletricidade para Blumenau? Ou será que vai construir uma rede de bondes até Altona? A licença para construção desta rede ele já adquiriu há anos; ou será que está pensando em comprar um automóvel? Dizem que já encomendou um na Alemanha e que em breve estará aqui. Será então o primeiro automóvel em Santa Catarina. Quem sabe, talvez também pretenda instalar uma fábrica de fósforos ou uma fábrica de gelo aqui. Já falou a respeito disto com alguns amigos. Também quer dar uma olhada num projetor de filmes, talvez seria uma coisa boa a ser instalada aqui em Blumenau. Estes pensamentos devem passar pela sua cabeça e por isso está assobiando baixinho. Pessoa como o Frederico Busch, Blumenau precisa sempre mais. Trazem o progresso e a vida para esta terra, ganham e deixam os outros ganhar também.
Mas o que está acontecendo lá no outro lado, no Ernst Bernhardt? Lá estão mexendo com uns blocos esquisitos, em frente à sua casa. Porque trabalham assim num sábado ao anoitecer? Aproximamo-nos. Ah, isto nós trouxemos lá da Armação, quando estivemos lá veraneando. Isto são ossos de baleia. Lá na praia da Armação antigamente havia uma pescaria de baleias e estes ossos ainda estavam lá, espalhados. Ainda tínhamos lugar no carroção de quatro cavalos (Vierspaenner), os trouxemos. Bonitos, espinhos estes; se ficam atravessados na garganta de alguém, será o fim. Interessante, não é? Mas, mudando de assunto, hoje teremos o baile no nosso salão. Todos estão convidados. O Werner com seus rapazes fará a música. Certamente vocês já ficam aqui, pois a festa será grande e começará logo ao escurecer. Não? Que pena. Aa lado, o alfaiate Gruner também veio olhar os ossos de baleia e, de longe, chama sua mulher. Ela chega e aí ficam olhando os “ossinhos” por cima dos óculos. Ernst Diehm, o seleiro, também vem chegando devagar; acena para o seu auxiliar Heinrich Pasold, para que também veja os objetos estranhos. O vizinho do Diehm, o Sr. Theophil Eggert, com livraria instalada, observa: Estes ossos devem ser de uma espécie de baleia pequena, dos mares do sul, pois as baleias do Ártico são muito maiores. Vou lhes mostrar as diferenças na minha enciclopédia o “Grosser Mayer”, que também tenho à venda. Assim entramos na sua livraria. Tirou da estante o último volume da enciclopédia, quando já está começando a escurecer. Apanha o lampião de querosene e o acende para haver claridade bastante. Nervosamente o Sr. Egget começa a folhear o grosso volume e nós, impacientes, nos despedimos, desculpando nossa pressa, enquanto ele coça a sua barba de bode.
Ainda vislumbramos as letras brancas do letreiro: RUDOLF KRAUSE, da construção ao lado. Chegamos à esquina da estrada para a “Velha”; ali tem fundamentos de uma casa antiga, já derrubada, e que agora está sendo aproveitado para a construção de uma nova casa; mas a obra, infelizmente, está parada há alguns anos, esperando acabamento. Na esquina está, descontraído, o senhor Krause, que olha para o outro lado da rua onde existe a firma “Hermann Ruediger & Filhos”.
Neste instante o Sr. Ruediger aparece na varanda, faz um aceno ao senhor Krause e os dois caminham de um lado a outro da rua, conversando animadamente. O senhor Ruediger, nas horas vagas, é músico, regente de um coro de cantores e presidente de clubes sociais onde se pratica música e canto.
– Sim, caro amigo e vizinho, estou planejando um negócio de milhões, na Barra do Rio. Amanhã vou ao Dr. Manoel Barreto, o promotor e ao escrivão do Juiz da Paz, o Francisco Margarida que também está interessado no assunto, para tocar o negócio adiante. Ao Margarida poderia ir ainda hoje, pois ele está em casa. Vê-se daqui a janela do seu escritório. Mas, veja, do outro lado está chegando o Barreto; se os dois ainda têm a conversar muito hoje, aí, desisto da minha visita ao Margarida. Vamos deixar para amanhã. Mas, vizinho, como vai o clube “Harmonie”? Muito canto e exercitando muito? – Ah, sim, Krause, estamos treinando muito com canto e peça teatral. O Chico Franz Lungershausen já nos reservou o salão e palco lá na Sociedade dos Atiradores. Um dos papéis principais na peça está reservado ao senhor; esperamos que o aceite, caro Krause. Conto com a sua amizade. Ainda não terminei de transcrever todos os papéis individualmente e também ainda não copiei as notas; mas, mesmo assim, já teremos o primeiro ensaio hoje à noite. Espero você também. Muito obrigado, e até à noite.
Do centro ainda está chegando alguém. Não dá para reconhecer a pessoa, devido a escuridão, mas com o guarda-chuva que sempre carrega, o chapéu preto de abas largas na cabeça, a barba cheia e branca e sua capa preta, não podemos errar: é o engenheiro Heinrich Krohberger, construtor e responsável por todas as construções e edifícios públicos e igrejas da cidade. Ele vai lá no outro lado do Ruediger, atravessando o pasto, em direção à sua casa, perto do barranco do ribeirão da Velha. A esquerda, sai da sua casa o consertador de guarda-chuvas, Sr. Max Creutz. Tranca a mesma e sai apressado com passo de ginasta, calça branca e paletó escuro, em direção ao centro.
Na casa da viúva Hosang já tem luz de lamparina. Vê-se a Frau Hosang e sua irmã solteirona, já de idade avançada tricotando, provavelmente um par de melas para o filho e sobrinho Franz, para se esquentar no inverno.
Agora, descendo o declive, chegamos à ponte do ribeirão da Velha. O corrimão, já oscilante e sem manutenção, não inspira confiança. Algum animal se refugia na água com a nossa chegada. Na casa de Otto Desstamm, no morro do lado esquerdo atrás da ponte, também já tem luz. Provavelmente está escrevendo algo para o “Blumenauer Zeitung” que publica os seus artigos. Mutter Pauli, do outro lado, está subindo a escada que dá acesso à sua casa. A sua filha Luise ilumina a escada com uma lanterna, para facilitar a subida.
Tiramos as botinas e as meias dos pés, arregaçamos as calças e pés no chão, como de costume, pois o centro da cidade ficou para trás e a rua agora continua bastante esburacada. Para chegar em casa ainda teremos de andar um bom tempo.
Mas valeu. Estivemos novamente no centro desta simpática cidadezinha que é Blumenau, falamos com sua gente, vimos a chegada de alemães-novos aos quais demos as nossas boas vindas aqui nesta terra abençoada que doravante será a sua nova pátria, para a qual trabalharão, trazendo mais progresso e bem-estar, com os pés no chão, calças arregaçadas e os sapatos pendurados por cima dos ombros, corno nós, neste momento, com destino ainda incerto, mas provavelmente risonho. Quando a nova casa estiver construída com capricho e que será cercada por um pasto com gado e urna rocinha bem cuidada, onde o aipim, o milho, a cana de açúcar e o feijão, a batata, o arroz e também o tabaco, serão colhidos em abundância e o sustento da família estará assegurado.
O pomar com laranjas, tangerinas, ameixas, abacates, mamões, caquis, goiabas etc. ajudarão a manutenção e diversificarão o paladar. O ribeirão ou rio sempre tem peixes gostosos; a caça ainda é abundante e variada, o jardim, com hortaliças e legumes os mais diversos; os bailes aos sábados e as festas de Tiro ao Rei para se divertirem, não devendo esquecer o jogo de cartas onde se reúnem os vizinhos nas suas casas.
Com mais tempo disponível, poderíamos ter adentrado ao “Affenwinkel”. Aos velhos Dittrich já tempo, estamos devendo uma visita. Também o Budag teria nos recebido com alegria e conversado um pouco. E à boa Frau Lallemant teríamos dito um bom dia.
No Garcia teríamos visitado o Siebert. O engenheiro Emil Odebrecht teria nos esclarecido algumas dúvidas sobre terras da colônia. Erhart e Pamplona poderíamos ter cumprimentado e lá no outro lado do ribeirão, no Huscher, teríamos examinado alguns couros, e peles de animais selvagens. Lontras, gato do mato, tamanduás, urna pele bonita de onça pintada também tenho; eu mesmo matei, com tiro certeiro, pois estava matando nossos bezerros e porquinhos. O fabricante de carroças, Sr. Paul Herbst, teria comprado o nosso feijão Urucurana, do qual é freguês. Bem ainda! Não é o fim do mundo; teremos tempo numa próxima chegada a Blumenau.
Mas, aonde estamos? Chegamos ao latoeiro Weise e ao lado seu irmão o charuteiro. A lua, neste momento, aparece de trás do morro do Tucano e clareia a rua. Agora dá para ver melhor, pois quase esbarrei num cavalo que se espreguiçava no leito da estrada, provavelmente pertencente ao carroceiro Quest, aqui do lado do morro à direita. No lado esquerdo passamos por Mathes e no direito por Ferdinand Ruediger; subindo, o fabricante de vinagre Rischbieter, mais para cima, à esquerda, temos a cervejaria de Hosang e Schossland; à direita, na subida, a oficina de carroças de Beims. Ao lado, Charles Labes.
Escutamos atrás de nós o barulho da chegada de uma charrete e uma voz grossa e cheia cantando uma canção popular religiosa em alemão. Já sabemos quem está para nos alcançar: a pastor Hermann Faulhaber. Amanhã cedo, certamente terá de administrar culto lá na Itoupava Norte ou Badenfurt e assim, já vai hoje, pois antes do culto, deve dar aulas de religião aos confirmandos e batizar algumas crianças. Naquela região também houve um óbito uns dias atrás; mas o enterro foi executado pelo professor da escola. O pastor deverá recolher os dados pessoais que serão registrados nos livros da igreja.
Ainda antes dos Gaulke, à esquerda, ele nos alcançou com a charrete. Ele pára. Deve ter nos reconhecido no escuro, pois cumprimenta-nos pelo nome: Ainda tão tarde indo para casa? Subam, sempre temos lugar; mal viajado é bem melhor do que bem andado, o pastor, comenta, rindo. Aceitamos a carona. Na entrada do ribeirão Jararaca (Scharakenbach) ele começa novamente o seu canto alto, que se escuta lá longe, nos Boettcher, Probst e August Werner. Provavelmente o pedreiro Ratzlaff, bem em cima do morro, na esquina esquerda, também deverá escutar a canção. E nós o acompanhamos no canto. Passando a casa do professor Haertel, já cantamos a terceira estrofe. Este abre a janela, cumprimenta-nos, pois é o organista da igreja de Blumenau e sabe quem está passando na rua, cantando.
Lá no padeiro Paul Lang sai fumaça da chaminé. O bom homem já está aprontando os pãezinhos que os blumenauenses exigem fresquinhos mesmo aos domingos.
Passamos pela cervejaria do Rischbieter e o jardim bem cuidado da família Lorenz e estamos nos aproximando do bairro Altona. Convém examinar este bairro de dia, com calma. Otto Jennrich com seu Museu Natural e Cultural, cheio de bichos empalhados como macacos, quatís, jaguatiricas, gambás, mão peladas, guaxinis e muitos outros pássaros regionais, lá estão, para serem vistos e estudados, para conhecimento geral e principalmente dos blumenauenses.
A cancha de bolão da Sociedade Teotônica é excelente, conforme a opinião de seus associados altonenses como Grahl, Auerbach , Marx, Morauer, Persuhn, Thoedor Lueders , Liesenberg, Parucker, Specht, Galluff Boettcher, Luiz Abry, Peter Christian Feddersen, August Franke e outros. Todos exaltam sua “Teotônia” acima de tudo.
Bem, deixamos eles, cada um na sua … a senhor pastor deve ter pensado assim, pois quando passamos por Galluff e Specht, olhou para trás e falou: – Este pessoal de Altona em breve não mais se distingue dos blumenauenses, pois quando a estrada principal for aberta definitivamente até o Schneclenberg (morro do caracol), casa por casa, passando por Spernau e mais adiante ainda, aí, haverá somente uma Blumenau, grande e forte. Este tempo chegará, podem ficar certos disso. E o senhor pastor deve saber disso. Se ele agora fala assim, com o atual progresso e o espírito de iniciativa dos blumenauenses, imaginem como será grande o futuro desta nossa cidade!
Viva Blumenau, resultado dos incansáveis imigrantes, apoiados pelo seu fundador de ampla visão, honrado, idolatrado e querido: – Dr . Hermann Bruno Otto Blumenau!
Anexo
Este “Passeio pela rua principal de Blumenau” foi escrito como se o passeio fosse feito por várias pessoas . Também não foi escrito por um certo personagem; foi escrito como se fosse uma pessoa qualquer, que adora Blumenau e os blumenauenses em geral. Que ficou blumenauense de corpo e alma. Lá, por volta de 1900, ainda rapaz, com os olhos bem abertos, atravessou a cidade a caminho da “Neue Schule” (escola nova), na rua das Palmeiras, ou para a escola pública dirigida pelo professor Saxis, lá onde hoje se localiza o Hospital Santa Catarina, na entrada do Garcia. E se agora, já envelhecido, recorda a sua juventude e tem coragem para escrever sobre os tempos passados, tudo parece estar aí, na sua presença. Na cama, por motivos de saúde, a máquina de escrever sobre os joelhos, sonhando com os olhos abertos, os velhos blumenauenses desfilam, cada um na sua característica. O velho blumenauense que lê estas linhas, certamente também sonhará e recordará destes tempos. O jovem leitor, este, certamente não nos compreenderá ou estudará estas linhas interessadamente, tentando descobrir algo sobre a sua origem. O velho e torto Karussel-Jahn e o Stiefel-August vem ao nosso encontro, mas nós vamos adiante neste nosso passeio pela rua principal de Blumenau. Não existe aí nenhuma buzina de automóvel, nem apito de trem. Uma vez ou outra um cavalo relincha ou se escuta lá do rio o tuuut, tuut dos barcos a vapor “Blumenau” e “Progresso” e do rebocador das lanchas “Jahn”. São estes os barulhos que para cá trazem o progresso do mundo exterior. Mas para o interior, a oeste de Blumenau, escuta-se o estalo do chicote dos boleeiros dos carroções puxados por duplas de cavalos fortes que levam para lá os bens de consumo e trazem de volta os produtos agrícolas e pastoris para o sustento da cidade e também para a exportação. São o do que liga a civilização e cultura da cidade ao interior onde são levados e labutam os alemães, italianos e poloneses. Nós continuamos passeando, olhando e observando tudo atentamente, o constante movimento e a evolução pela principal rua e … cuidado! Quase fomos atropelados por uma bicicleta.
Indaial/Blumenau, maio de 1950. Otto Stange.
(Traduzido do original alemão para o português pelo filho Erich Stange, em julho de 1994).
Otto Günter Stange – o Autor
Otto Stange nasceu em 15 de julho de 1890, filho do mestre marceneiro Emil Stange (1870 – – ) e Marie Elsabeth (nascida Nordmann) (1879 – -). Otto tinha uma irmã mais velha que se chamava Auguste Frieda Stange (casada com Paul Richard August Forbici), nascida em 8 de dezembro de 1884 e a irmã mais nova, Helene Stange (Casada com Julius Seibt), nascida em 25 de maio de 1897. Os três irmãos nasceram em Mühlhausen/Turingia, na Alemanha.
Estudou em Mühlhausen até a idade de 12 anos, quando em 1902, a família toda migrou para Blumenau.
Em Blumenau, a família montou uma marcenaria no bairro Bom Retiro, junto com uma serraria. Depois mudaram-se para a atual Rua Paraíba, onde demoliram a antiga ponte, que deveria ser de sua época. Na marcenaria chegou a trabalhar com 14 pessoas. Otto estudou português na escola. em 1914, seu pai Emil foi para a Alemanha. Foi surpreendido pela eclosão da 1ª Guerra Mundial e não conseguiu retornar a Blumenau. Otto já estava casado com Hedwig Reckenberg. Teve que assumir o negócio da família que junto com o marido de sua irmã Helene, Julius Seibt, fundou a marcenaria Seibt & Stange.
Sua irmã Helene se desquitou de Julius Seibt em 1925 e o sócio quis sua parte na empresa, obrigando à sua liquidação. E assim foi feito. Otto Stange e sua família mudaram-se para Indaial em fevereiro de 1926, onde abriu um pequeno negócio. Lá residiam no centro da povoação.
Com o passar do tempo, ampliou a casa e instalou também a loja. Nos fundos, construiu uma fábrica de acolchoados o que o fez, viajar muito na região para comercializar seu produto. Viajava de bicicleta e contam que chegou até próximo à povoação de Lages. Ele tinha por hábito, como visto no seu texto aqui publicado, de registrar as coisas. De acordo com Theobaldo Costa Jamunda ele foi um memorialista. Ou seja, efetuava, do jeito dele, registros para a História, o que agradecemos muito, como também já o fez Frederico Kilian, que nos antecedeu.
Quando Otto, tinha mais idade, teve problemas com as pernas, e não pôde mais viajar de bicicleta. Vendeu a fábrica de acolchoados e seu filho Erich Stange adquiriu o inventário da loja. Em 1953, com a venda dos dois estabelecimentos, com 73 anos começou a construir uma casa nova. Em 1958, Erich, seu filho, adquiriu a antiga casa da família e a loja e Otto e Herdwig se mudaram para ela. O casal teve cinco filhas e dois filhos. morou nesta casa somente mais sete anos anos. Faleceu em Indaial, em 22 de junho de 1965.
Em Indaial, Otto Stange foi Juiz de Paz, presidente da Paróquia Luterana. Também foi idealizador, junto com seu vizinho e prefeito Marcus Rauh, do atual Cemitério Municipal. Acompanhou os trabalhos de terraplenagem e divisão das quadras. Otto fundou um grupo de teatro, para o qual escrevia peças teatrais. Foi cantor do Coro Masculino do Grupo und Lyra, do coro da igreja e instrutor e orientador da escola dominical evangélica. Auxiliou na fundação da Associação Beneficente das Senhoras Evangélicas Luteranas de Indaial. Também era um ginasta do grupo de ginastas masculinos de Indaial. Em 1932 lançou o primeiro jornal em Indaial de tiragem anual, o Die Gurke. Era publicado no período do Carnaval, tendo tido sete edições.
Indaial tem uma rua com seu nome. e para terminar, deixou para a História de Blumenau, texto importante como este que escreveu quando tinha somente 20 anos de idade. Agora o compartilhamos para a História.
Registro para História!
Sou Angelina Wittmann, Arquiteta e Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade.
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Referências
- CENTENÁRIO DE BLUMENAU: 1850 – 2 de setembro de 1950. Blumenau: Comissão de festejos. 1950. p.417.
- DEEKE, José. O município de Blumenau e a história de seu desenvolvimento. Blumenau: Nova Letra, 1995.
- DEEKE, José. Traçado dos primeiros lotes Coloniais da Colônia Blumenau. In: FUNDAÇÃO CULTURAL DE BLUMENAU. Arquivo Histórico José Ferreira da Silva. Colônia Blumenau. Mapas.
- Figuras do passado: Henrique Krohberger. Revista Blumenau em cadernos, Blumenau, Tomo I, n. 1, p. 11, Novembro. 1957.
- GERLACH, Gilberto Schmidt. Colônia Blumenau no Sul do Brasil / Gilberto Schmidt-Gerlach, Bruno Kilian Kadletz, Marcondes Marchetti, pesquisa; Gilberto Schmidt-Gerlach, organização; tradução Pedro Jungmann. – São José: Clube de Cinema Nossa Senhora do Desterro, 2019. 2 t. (400 p.): il., retrs.
- Pioneiros da Colônia Blumenau – Famílias Evangélicas de confissão Lutherana da colônia Blumenau. Período: 1856 – 1940. Prefeitura Municipal de Blumenau – Fundação Cultural de Blumenau. Arquivo Histórico Professor José Ferreira da Silva. Tradução e transcrição: Curt Hoeltgebaum. Catalogação e formatação: Rita de Cássia Barcellos. Disponível em: http://pergamum.blumenau.sc.gov.br:8084/pergamumweb/vinculos/000000/0000004e.pdf. Acesso em: 4/12/2022 – 22:12h.
- WETTSTEIN, Brasilien und die Deutsch-brasilieniche Kolonie Blumenau. Leipzig, Verlag von Friedrich Engelmann, 1907.
Leituras Complementares – Clicar sobre o título escolhido:
- Os Índios da Bacia do Itajaí – Relatório de Friedrich Deeke de 1877 – à Direção da Colônia Blumenau – Biografia do pioneiro da Família Deeke
- José Deeke – Uma personalidade
- Os livros publicados por José Deeke
- Um pouco de história da Colônia Hammônia ou – Ibirama
- História comum entre as Colônias Blumenau, Pommerroder, Itapocu, Humbold e São Bento – José Deeke
- Wilhelm Richard Wagner – Richard Wagner – Biografia
- Igreja Luterana Espírito Santo
- José Bonifácio da Cunha – Médico baiano republicano que sucedeu Otto Stutzer na Superintendência de Blumenau
- Hermann Christian Rüdiger – Um Pioneiro do Vale do Itajaí – Biografia
- Hercílio Arthur Oscar Deeke
- Colônia Blumenau – Final do Século XIX – Fotografia
- Hermann E. L. Wendeburg – Diretor Interino da Colônia Blumenau
- Rua das Palmeiras e o Museu da Família Colonial
- Elesbão Pinto da Luz – Comissário de Polícia de Blumenau – fuzilado na Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim
- Quase tudo sobre a Estrada de Ferro Santa Catarina à Ferrovia da Integração
- Blumenau – Frederico Guilherme Busch.
- Colônia Blumenau – Final do Século XIX – Fotografias de Bernhard Scheidemantel
- Cemitério I – Local de Visitação e História – Cemitério Luterano Centro – Blumena