“Uma luta tremenda”: mãe detalha batalha contra a Justiça de Blumenau para recuperar filhos
Crianças retomaram convivência familiar em dezembro do ano passado
Mãe de três, Carla Melo passou pelo período de uma nova gestação no ano passado. Porém, não foi na expectativa de um quarto filho, e sim lutando na Justiça para recuperar a guarda dos dois mais novos. Kemilly, que completa 5 anos em maio, e Kaue, que completa 2 em abril, ficaram abrigados entre fevereiro e novembro de 2022.
Neste período, o nome de Carla e de outras dez mães blumenauenses que passaram meses protestando por 15 crianças tomou conta da mídia. Carla foi uma das poucas que recuperou a convivência com os filhos. Porém, a guarda está com a avó dela, Rosi Melo, que completa 70 anos em junho.
A decisão unânime foi proferida pela 7º Câmara de Direito Civil de Santa Catarina após a Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina apontar falhas nos processos.
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Os avós de Carla, inclusive, foram responsáveis pela criação da filha que ela teve na adolescência. Eles estavam morando no Paraná quando Carla perdeu a guarda das crianças, mas voltaram para Blumenau para entrar com o processo. “Tudo que quero é eles aqui com a gente. Em família”, comenta Rosi.
“A advogada da minha avó que conseguiu tirar eles do abrigo. Antes disso os padrinhos e meu tio já tinham tentado também, mas todos tinham os processos negados. Inclusive, quando já estava decidido que eles voltariam, colocaram meus filhos para conhecer um casal que queria adotar eles“, conta Carla, que atualmente está com 30 anos.
“Fui pega de surpresa”
Vítima de um relacionamento abusivo com o pai das crianças, Carla Melo teve o primeiro contato com a assistência social para buscar ajuda. Em três ocasiões, ela chegou a ser abrigada na Casa Eliza. A blumenauense nunca escondeu das equipes que antes do nascimento dos filhos havia usado drogas. Entretanto, o processo afirma que o consumo persistiu.
“Assim que engravidei da Kemilly parei de usar. No processo para tirar meus filhos disseram que usei em todas as gestações e amamentei usando drogas. Mas eu fiz exame toxicológico que prova que não tinha nada”, alega.
Outro motivo para que Carla perdesse a guarda das crianças foi a frequência com a qual ela se mudava. Entretanto, as mudanças constantes eram para fugir do pai das crianças, que a agredia e ameaçava.
“Ele chegou a ameaçar as assistentes sociais. Parei de falar onde morava porque ela passavam meu endereço pra ele. Até que um dia ligaram dizendo que precisavam fazer uma visita. No dia seguinte apareceram lá e recolheram meus filhos sem nem avisar”, diz.
O ex-marido de Carla, inclusive, tem direito a ver as crianças. Porém, abriu mão das visitas. Apenas a irmã dele, madrinha dos pequenos, mantém contato. O pai também não estaria pagando a pensão determinada pela Justiça.
Segundo a mãe, as crianças teriam sido recolhidas pelo Fórum, sem o envolvimento do Conselho Tutelar. Ela entrou em depressão e só conseguia sair da cama para juntar provas para a audiência, acreditando que conseguira os filhos de volta.
“Nem quiseram ver, mal deixavam eu falar. Só diziam que eu era drogada e deu. Mesmo eu provando que não tinha droga no meu sangue. Acusaram também meu filho de ter sífilis sem prova alguma. Meu advogado já está entrando com um processo contra o Município e o Estado”, relata.
Retorno das crianças
De acordo com a família, Kamilly e Kaue chegaram do abrigo com vacinas atrasadas, piolhos e reação alérgica. A menina também relatou à mãe que os educadores beliscavam e batiam nas crianças.
“Parece que quando começamos a aparecer na mídia começaram a maltratar as crianças. A Kemily pedia para ir embora com a professora na escola, dizendo que o educador machucava ela. A agenda do menino tem várias anotações dizendo que ele estava com um sapato muito apertado, sem pomada ou que chegavam morrendo de fome”, conta.
A menina também teria sido orientada pelos educadores a se referirem à Carla pelo nome, e não como “mãe”. Segundo a família, Kaue voltou para casa chamando a mãe de “tia” e de “pai”.
“Todos os advogados ficam pasmos com o quanto distorcem as coisas que apresentamos. Por isso, vou esperar mais alguns meses antes de pedir a guarda deles para mim. O meu advogado acredita que aqui em Blumenau será negado, mas que não há motivos para o desembargador negar”, diz Carla.
Para a mãe, os principais questionamentos que ficam é a rapidez com a qual os filhos dela foram colocados na fila da adoção e o tempo que levou para a Vara da Infância de Blumenau permitir que ela buscasse os filhos após a decisão superior.
“Se o desembargador negasse eu já não sabia mais se teria forças para seguir lutando. Apostamos todas nossas fichas. A cada etapa fica mais caro. Felizmente muita gente abraçou a causa. Mas às vezes paro e olho pra eles e mal consigo acreditar que eles voltaram”, reflete.
Caso chegou em Washington
Além dos processos que a família de Carla Melo abriu contra o município e o estado, a Comissão de Direitos Humanos da OAB Blumenau levou o caso das 11 mães para a esfera nacional e internacional.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com sede em Washington (EUA), teve uma reunião com a equipe. Uma petição com relatos das mães também foi entregue ao Conselho Nacional de Justiça. Maria Aparecida Caovilla, ouvidora da Defensoria Pública de Santa Catarina, esteve com o ministro de Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida.
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A advogada Rosane Magaly Martins afirma que outras mães seguem enviando processos à Comissão de Direitos Humanos da OAB. “A força do Estado e do Ministério Público é levada em consideração enquanto a das mães não são. Se não fosse as imensas denúncias, matérias e protestos, eu duvido que isso teria sido revertido”, comenta.
Segundo ela, as mães passaram a ver a assistência social como um órgão que irá fiscalizar e criminalizar as atitudes delas, deixando de buscar ajuda. As mães que passaram o Natal e Ano Novo sem os filhos estão especialmente desanimadas.
“Além da denúncia, fizemos uma audiência pública. Ouvimos especialistas e pesquisadores que mostraram como ser vítima de violência doméstica, pobre e ser usuária de drogas não é motivo para perder a guarda. E sim ser acolhida e tratada”, reforça.
Contraponto
Em resposta, a Prefeitura de Blumenau negou as acusações de Carla. O município afirmou que as crianças nunca foram colocadas em nenhuma situação de risco. Seja à integridade física ou à saúde.
“O papel da equipe do serviço de acolhimento é fortalecer a função protetiva dessa família e o retorno das crianças e adolescentes. Em muitos casos, as famílias entendem esse papel de forma equivocada e veem a equipe como responsável pelo afastamento da criança e adolescente”, afirmou a Secretaria de Desenvolvimento Social.
Já o Tribunal de Justiça de Santa Catarina afirmou que “não emite posicionamento ou comenta decisões judiciais”.
Confira a nota da prefeitura na íntegra:
Sobre a situação em questão, as crianças foram acolhidas no Abrigo Nossa Casa 1 no dia 24/02/2022, após determinação da Vara da Infância e Juventude de Blumenau, diante da violação de direitos sob vários aspectos identificada como de risco para as crianças. A família era acompanhada pela política de assistência social desde 2018, por meio de vários serviços oferecidos via CRAS, CREAS e Casa Eliza. Cabe destacar a situação corre em segredo de justiça e, para proteger as crianças, algumas informações não podem ser divulgadas.
Durante o período de acolhimento das crianças, a família foi acompanhada pela equipe técnica do serviço de acolhimento, formada por assistente social e psicóloga, por meio de atendimentos psicossociais, visita domiciliar, encaminhamentos e orientações, envio de relatórios à Vara da Infância e Juventude, dentre outros, com o objetivo de reintegração das crianças à família. Em situações que envolvem o acolhimento de crianças e adolescentes, o papel da equipe do serviço de acolhimento é fortalecer a função protetiva dessa família e o retorno das crianças e adolescentes. Em muitos casos, as famílias entendem esse papel de forma equivocada e veem a equipe como responsável pelo afastamento da criança e adolescente, além apresentar dificuldade em seguir as orientações.
Em relação ao relato da mãe no que se refere as situações de saúde, as mesmas não procedem e ao contrário esta foi a realidade no momento do acolhimento. Enquanto permaneceram acolhidas, as crianças realizaram todo o acompanhamento na rede de saúde do município, através de consultas periódicas, além das consultas de rotina com pediatra, foram atendidas por dermatologista e neurologista. Quanto à vacina em atraso mencionada, conforme informação da saúde, a criança havia feito a vacina em uma das campanhas e foram orientados a fazer nova dose em janeiro de 2023, portanto, não há vacinação em atraso.
Em relação à consulta com neuropediatra, a criança passou por consulta no dia 07/12/2022 e foi orientada a marcar nova consulta, em vaga de urgência quando retornasse a família. No momento do desacolhimento das crianças, foi repassado a família todas estas orientações, documentos e encaminhamentos referente ao acompanhamento realizado às crianças e como deveriam proceder após o desacolhimento dos mesmos, desta forma estranha-se a denúncia em questão. Todas as consultas, exames e vacinas constam no sistema. Respeitando os sigilos médico e do trâmite judiciário, não podemos tornar públicos esses dados.
No que diz respeito às supostas agressões no serviço de acolhimento, elas são inverídicas conforme verificamos. A equipe é orientada e capacitada para dar os devidos cuidados com as crianças e adolescentes acolhidos. A coordenação do Abrigo acompanha a evolução do atendimento das crianças na casa, bem como a equipe técnica. Eles têm uma rotina saudável, participam de atividades na comunidade, praticam atividades físicas (parkour, jiu-jitsu, natação, dança, dentre outras), frequentam a escola e CEI e realizam passeios (cinema, parque, praia, parques aquáticos). Pode ocorrer de, assim como toda criança e adolescente, ter leves intercorrências durante as brincadeiras. Quando isso acontece, todos recebem todo o cuidado e atenção dos profissionais.
Quanto às crianças terem sido orientadas a chamar a genitora pelo seu nome e não de mãe, a equipe do serviço de acolhimento trabalha no sentido da reintegração das crianças e adolescentes à família e no fortalecimento dos vínculos familiares, quando estas se mostram protetivas, visando sempre o melhor interesse da criança e adolescente.
No dia 08/12/2022, ocorreu o desacolhimento das crianças, sendo que não retornaram a genitora, ficando sob a guarda e responsabilidade da bisavó, conforme determinação judicial. A família permanece em acompanhamento pela política de assistência social por meio do CREAS, com o objetivo de fortalecer o caráter protetivo da família, não expondo dessa forma as crianças a outras situações de risco.
Atualização 01/02 – 18h
Em resposta ao relato de Carla de que não passaria o endereço para a assistência social por acreditar que elas repassavam o dado para o ex-companheiro, a prefeitura afirmou que:
Sobre o relato da usuária referente ao fato de mudar constantemente e não informar seu endereço porque as assistentes sociais passavam o endereço ao ex companheiro, tal informação não procede: a referida senhora foi acompanhada por equipe formada por assistente social e psicólogo do CREAS/PAEFI e Casa Eliza, com o objetivo de estimular o rompimento de padrões violadores de direitos, preservando a integridade da família e evitando novas situações de violação de direitos.
As equipes seguem, além das orientações técnicas dos serviços, no âmbito de atuação profissional seus respectivos códigos de ética, que prevêem o sigilo profissional no âmbito de atuação, preservando a intimidade e o vínculo de confiança entre o profissional e o usuário. Estes serviços são para a proteção e defesa de diretos das mulheres, jamais é repassado informações sobre uma usuária para os ex companheiros. E ao contrário, os profissionais prezam por preservar esta usuária com todo sigilo que a situação e o serviço exige.
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