Violência em Blumenau cresce até 10 vezes mais do que a população
O Município Blumenau tabulou as estatísticas da Secretaria de Segurança Pública (SSP) entre 2013 e novembro de 2017
O terceiro sábado de janeiro mal havia começado quando dois homens foram encontrados mortos com marcas de tiros e outros dois ficaram feridos após tentativas de assassinato em Blumenau. Na segunda-feira, 22, uma família da Fortaleza foi feita refém dentro da própria casa. No fim de semana que passou, mais um homicídio e dois casos de violência doméstica.
No dia a dia da cidade, episódios de furtos, assaltos, homicídios e agressões contra mulheres, entre outros crimes, criam a sensação de que o município está progressivamente mais perigoso. Histórias que alimentam a chamada “sensação de insegurança”. Não se trata apenas de sensação.
O Município Blumenau tabulou as estatísticas de violência armazenados pela Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP) entre 2013 e novembro de 2017. Os números mostram que os crimes crescem bem mais que a população medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Enquanto o número estimado de habitantes aumentou 5,8% em quatro anos, há crimes em que a frequência subiu dez vezes mais. Isso sem contar o mês de dezembro de 2017, que ainda não está computado nas bases dos dados estaduais.
Casos de estupro disparam
Blumenau está mais perigosa principalmente para as mulheres. Os casos de estupros consumados aumentaram 64% entre 2013 e novembro de 2017. Os casos ocorridos dentro do próprio lar subiram 55%. As ameaças, ou relatos delas, estão mais frequentes: 10% a mais que em 2013. Isso tudo com um mês a menos em 2017. Ou seja, quando os dados de dezembro forem incluídos na conta, o quadro ficará ainda pior.
Para o professor do curso de Serviço Social da Furb, Ricardo Bortoli, que pesquisa a questão da violência contra a mulher em Blumenau, a persistência dos crimes desse tipo tem origem em comportamentos machistas. De agressores, mas também de quem deveria trabalhar para reduzir os índices.
“Eu não posso falar o que é sentir medo de ser estuprada à noite ao andar em qualquer rua de Blumenau. Só quem pode falar isso é uma mulher. Na medida que isso não me atinge, eu não vou desenvolver nenhuma ação para enfrentar isso porque de fato, não é algo que me toca”.
Crimes contra o patrimônio
Os roubos diminuíram entre 2016 e 2017, mas quando se usa 2013 como referência o crescimento é de 36%. Os casos de furtos foram os maiores dos últimos cinco anos, subindo 25%, para 4.348. Significa dizer que entre janeiro e novembro de 2017 houve 13 casos de furto por dia em Blumenau.
Por outro lado, os furtos a veículos ficaram menos frequentes com o passar dos anos, registrando o menor número em 2017.
A Polícia Civil comemora a queda no número de casos de roubos de um ano para o outro. Até novembro de 2017 foram 569 registros de assaltos contra 771 em 2016. Os dados de dezembro ainda não foram divulgados, mas o total deve ser semelhante ao de 2015, quando houve 626 roubos.O delegado Egídio Ferrari conta que a quantidade de policiais civis cresceu nos últimos dois anos, o que ajudou a Divisão de Investigações Criminais (DIC), que agora possui 17 profissionais para investigar roubos, entorpecentes e homicídios.
Para o primeiro-tenente Rodrigo Siedschlag, do 10º Batalhão de Polícia Militar de Blumenau, o aumento nos casos de furtos (25%) é sintoma de penas mais brandas, passíveis de fiança, o que contribui para reincidências. O presidente da Comissão de Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil, Rodrigo Fernando Novelli, por outro lado, vê pouca eficácia no sistema prisional.
“A prisão, do jeito que é feita hoje, ela não recupera ninguém. O índice de reincidência em Santa Catarina ainda é baixo comparado a outros estados. Mas ainda assim, a pessoa que acaba aderindo a esse mundo é difícil sair”.
O único registro positivo nos dados analisados foi o da diminuição de furtos a veículos, sendo o menor número dos últimos cinco anos. Segundo o tenente Siedschlag, no ano passado 60% dos carros furtados foram recuperados.
Crimes contra a vida
Segundo o delegado que investiga os homicídios em Blumenau, Bruno Effori, o ano fechou com 43 casos (considerando também o único latrocínio, ocorrido em dezembro, e uma morte em confronto com policiais). Para Effori, o número histórico acompanha o aumento estadual e nacional da criminalidade:
“É um número alto pelo histórico da região. A Organização Mundial da Saúde [OMS] coloca como aceitável dez casos a cada 100 mil habitantes, então esse número de 43 para Blumenau [estimativa populacional de 348 mil] está acima”, analisa.
O delegado diz que, no ano passado, os crimes tiveram motivos como desavenças, vinganças ou feminicídios, o que dificulta o trabalho preventivo dos policiais:
“Houve esse aumento, na minha opinião, em virtude das mortes não estarem mais relacionadas estritamente ao tráfico de drogas, como ocorreu em 2016”, enfatiza.
Sensação de insegurança
Para o presidente da Associação Empresarial de Blumenau (Acib), Avelino Lombardi, a sensação é de insegurança entre a população e as associações empresariais. A principal causa está no que ele chama de preterimento por parte do governo do Estado, que prioriza outros locais para investir em segurança, deixando os blumenauenses de lado.
Essa também é a avaliação do presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB:
“Em Santa Catarina, nas cidades polos, Blumenau perde para todas as outras no número de policiais por habitantes. O município tem praticamente um policial militar para cada 1.300 habitantes. Enquanto outras localidades têm um policial militar para cada 600, 700 habitantes”, lamenta Novelli.
O caminho para a diminuição
Se por um lado faltam policiais, os que estão na ativa dizem que procuram se reinventar para conter o crescimento da violência. O tenente Siedschlag conta que medidas alternativas como a rede de vizinhos, campanha contra a compra de produtos furtados ou roubados e rondas domiciliares durante as férias, são parte da estratégia para compensar a falta de efetivo:
“Nós temos intensificado os trabalhos em áreas identificadas com mais ocorrências de crimes. Temos trabalhando bastante com a área de inteligência para procurar o reincidente e também apreender armas de fogo para evitar os homicídios. Objetivo é inibir e tirar a arma de fogo de circulação e reprimir o tráfico de drogas”, explicou.
O presidente da Acib diz que a exigência por mais policiais vai continuar. Em dezembro do ano passado o governador Raimundo Colombo (PSD) não respondeu ao pedido de audiência protocolado por líderes empresariais e políticos de Blumenau. A tentativa foi pressionar Colombo por mais investimentos na cidade, já que foram confirmados apenas 38 novos policiais para Blumenau de uma turma de 927 que se formou no fim do ano.
Lombardi acredita que deveria haver mais união entre entidades empresariais e moradores do Vale do Itajaí para fortalecer a pressão sobre o governo e resolver o problema na esfera regional, não só em Blumenau.
Segundo Novelli, o melhor caminho seria se o sistema penal completo funcionasse:
“Precisaríamos de mais policiais, tanto civis quanto militares, mais uma Vara Criminal em Blumenau, com juiz e promotores, e a conclusão do complexo prisional da cidade. Se tudo funcionasse como a lei determina, a repressão à criminalidade seria maior”, conclui.
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