“A descoberta de Ilhota é relevante para a arqueologia brasileira”

Em entrevista, Valdir Luiz Schwengber diz que encontrar ossadas e um sambaqui à beira da BR-470 foi uma surpresa

Uma pequena elevação, escondida pelo mato à beira da BR-470, guardou por quase 6 mil anos um tesouro histórico descoberto no fim de 2017, mas que só nos últimos meses começou a ter sua importância melhor compreendida. A poucos metros do trânsito pesado da rodovia, arqueólogos encontraram duas ossadas humanas.

Um dos esqueletos era provavelmente de uma mulher, enquanto o outro dificilmente poderá ter o sexo identificado. O local onde estavam não era um ponto de moradia, mas poderia servir para demarcar território ou para rituais fúnebres. Porém, ainda há muito a ser pesquisado sobre o achado.

A equipe da Espaço Arqueologia, empresa responsável pelo monitoramento arqueológico das obras de duplicação da estrada, continua estudando o material recolhido. O relatório final deve ficar pronto até dezembro, mas Valdir Luiz Schwengber, arqueólogo e sócio-diretor da empresa, já avalia a descoberta como uma das mais relevantes do estado.

Confira a entrevista abaixo:

Raquel Schwengber/Divulgação

 

O Município Blumenau – Já se sabe que as ossadas têm 5.880 anos. O que mais é possível afirmar?
Valdir Luiz Schwengber – Algumas coisas a gente já sabe, por exemplo: ali não era espaço de moradia contínua. Há 6mil anos a temperatura média do planeta era mais alta. Então toda essa região era um grande lago. Esse ponto era uma pequena ilha. Não tinha água potável, então não era espaço de moradia. Geralmente sambaquis são espaços de moradia, mas pelo tamanho, pela fauna de peixes, nós vimos que não era espaço de moradia, mas de rituais. O que justifica esses sepultamentos, talvez.

Mas se era um espaço de ritual, por que só duas pessoas enterradas?
Para desvendar isso, teremos que olhar para os outros sambaquis. Aí no Vale do Itajaí quase não foram feitas pesquisas de sambaquis, mas isso não significa que sejam menos importantes. Essa pergunta é muito inteligente e nos exige buscar outros sambaquis. Provavelmente, o pessoal morava em outro sambaqui e ocupou esse para outras coisas apenas.

Tem outro sítio arqueológico perto desse?
Tem cinco, se não me engano. Mas eles não estão “pertinho”. Estão a cerca de três quilômetros, cinco quilômetros. Pensando em área de navegação, é uma área bem próxima. Tem na região do Baú, outro em Ilhota…

Vai ser possível saber o sexo dos dois?
Um praticamente não tinha o crânio e a bacia, estavam totalmente deteriorados por causa da argila. O outro, a bacia, que é por onde identificamos o sexo, estava totalmente desmanchada, mas, pelo crânio, há uma indicação que se trata de uma moça de uns 20, 30 anos, por aí.

Quais são os registros arqueológicos mais antigos que temos no estado?
Mais antigos, no litoral, nós chegamos em torno de 7, 8 mil anos atrás. E no oeste, 9, 10 mil, mas lá não tem ossada, apenas no litoral, por causa da conservação. Quando ficam entre as conchas, mais alcalinas, acabam preservando melhor.

Foi uma surpresa encontrar um sítio arqueológico ali?
Foi uma surpresa porque, como os sambaquis geralmente são monumentais, eles foram todos mapeados há 50, 60 anos. Então achar sambaquis novos, de fato, não é a coisa mais comum. É uma surpresa achar um sambaqui. Outra coisa é que não podíamos imaginar que teria 6 mil anos. Então acaba trazendo importantes elementos para a gente pensar em outros estudos, inclusive. Ele é relevante não só para a arqueologia catarinense, como para a brasileira.

A construção dos sambaquis era algo consciente por essas populações?
Sim, às vezes não eram apenas descartes. Têm algumas áreas que eram de conchas fechadas, que eram tiradas da lagoa…Era uma forma de elevar na paisagem. Se olharmos nossas cidades, onde estão as igrejas católicas normalmente? No alto. Esses espaços também, provavelmente, por onde se posicionam, existe uma relação de hierarquia, uma forma de demarcação de território mesmo.

Esse material continua com vocês? E depois que terminarem a pesquisa, para onde ele vai?
Isso, está conosco aqui no laboratório para terminarmos a análise até o fim do ano. Depois vai ser encaminhado para uma instituição de guarda, credenciada pelo Iphan, que nesse caso é a Universidade de Criciúma. Eu conversei com o pessoal do museu de Itajaí, talvez exista a possibilidade de posteriormente eles solicitarem a remoção desse material para mais perto da região.

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