Capa: Fotografia de Edson Wruck, feita da cobertura do Edifício Impala, em direção ao bairro Boa Vista, rua São Paulo, Prefeitura Municipal de Blumenau e ponte Aldo Pereira de Andrade – de um dos 32 dias da enchente de 1983.
Hoje, 5 de julho de 2023 completam-se 40 anos do início de uma das maiores enchentes na cidade de Blumenau e região. Não poderíamos deixar de efetuar este registro para a História, de uma passagem que marcou muitas famílias, inclusive a nossa. Ficamos flagelados e estivemos acampados na garagem de um vizinho caridoso, no bairro Vila Nova, transversal da rua Frei Gabriel Zimmermann, com a família de nosso noivo, por mais de uma semana, sem qualquer comunicação com familiares que residiam em Florianópolis. Estes somente recebiam informações por meio de imagens televisionadas por helicópteros, colocadas no ar em escala nacional.
A cidade de Blumenau foi fundada em um vale, às margens do grande rio Itajaí-Açu e de seus afluentes. A bacia hidrográfica do rio Itajaí-Açu, juntamente com a ferrovia EFSC, estruturaram a rede de cidades do Vale do Itajaí. É uma das características das cidades alemãs e, portanto, não poderia ser diferente, uma vez que seus colonizadores eram oriundos daquele país. Uma questão cultural.
A elevação do nível das águas sempre foi uma constante na história da cidade, em períodos grandes. A última enchente de grandes proporções tinha acontecido em 1911. Poucos dos adultos tinham lembrança dela, e jovens e crianças não conheciam uma enchente, como em nosso caso, e no de nossos amigos.
Atualmente, as inundações estão um pouco mais agressivas, por conta das ocupações irregulares das encostas, cujos topos (morros) são desmatados.
As águas das chuvas, ao contrário de chegarem ao lençol freático, através da absorção feita pela mata, que funcionaria como uma “esponja”, deslocam-se diretamente para o vale, que também, muitas vezes, não é mais permeável devido à presença da pavimentação asfáltica em muitas vias.
Também deve ser considerada a presença de aterros irregulares nas várzeas dos principais rios, locais que as águas ocupavam quando tinham seu volume aumentado.
Nesse período, antes de 5 de julho de 1983, choveu muito com alto índice pluviométrico, e com o vai-e-vem das águas, ocorreram pequenas enchentes. A grande enchente iniciou em 5 de julho de 1983 e durou por durante 32 dias. Uma geração inteira não havia presenciado esse fenômeno na cidade, na história de Blumenau. Não havia previsão do que aconteceria nem uma programação de ação, como existe atualmente, a partir da tecnologia e de infraestruturas criadas para esse momento.
Na época, as informações foram noticiadas em transmissões das rádios AM’s locais e também, pelo grupo de radioamadores, para orientar as pessoas afetadas e, em riscos iminentes.
Nós somos um exemplo disso. Não tínhamos noção de que residíamos em um dos locais mais baixos no bairro Victor Konder. Um dos primeiros pontos a serem inundados na região e na cidade. Soubemos dessa informação durante a enchente de 1983, quando estávamos retirando os pertences do apartamento localizado na rua Camboriú. A agua encobriu o local onde residíamos e a metade do pavimento de cima.
Quando iniciou a inundação no local, havia muita movimentação na rua São Paulo e em suas transversais. Caminhões sendo carregados com mercadorias e mudanças inteiras.
Na primeira parte do dia 5 de julho, fomos à rua São Paulo buscar ajuda. Encontramos um senhor de bigodes (nossa única referência), funcionário da Prefeitura Municipal de Blumenau, que trabalhava voluntariamente. Havia dezenas de voluntários. Foi ele que nos ajudou a levar nossos pertences para local mais seguro.
Nesse momento, as canoas já faziam parte do cenário da baixada da rua São Paulo – altura da Igreja Evangélica e da praça Fritz Müller.
Depois de tudo aparentemente organizado, seguramente “levantado”, e com as águas subindo, despedimo-nos das amigas que residiam conosco no apartamento e fomos em direção à rua Antônio da Veiga, com intenção de chegar ao bairro Vila Nova, onde residia a família do noivo – família Wittmann e, aparentemente, um local seguro e que historicamente nunca fora inundado, pois era uma região mais alta. Não havia as informações disponíveis e com a facilidade atual – como, por exemplo, saber a cota de enchente de cada via.
Nesse momento já haviam muito poucas pessoas na rua. Quando nos deslocamos a pé pela rua Max Hering, com o objetivo de chegar à rua Antônio da Veiga, a rua da Furb, nos deparamos com as partes mais baixas também alagadas. Sem raciocinar muito bem diante da catástrofe e da euforia que havia no ar, um pouco em estado de choque, seguimos pelas partes alagadas, com guarda-chuva aberto (chovia), e dentro da água, sem nos darmos conta do perigo que corríamos no contato com a água e a eletricidade presente na rede, com buracos, infecção – contágio da leptospirose.
A água estava na altura de nossa cintura. Lembramos novamente, que desde março desse ano de 1983, já vinham ocorrendo pequenas inundações na cidade. Como mostra alguns registros desse período.
Por um segundo, todo esse perigo nos passou pela cabeça, e ficamos, efetivamente, em estado de choque. Extravasamos com um choro copioso e ininterrupto. O único som que ouvíamos nesse momento era o de nosso choro e o barulho da chuva. Uma sensação de solidão plena, pois não havia ninguém no entorno do trajeto percorrido por nós, somente água e chuva.
Chegamos às proximidades da FURB e ali havia movimentação de pessoas. Chegou um senhor que, de maneira tranquilizadora, disse que poderia nos ajudar.
Dissemos a ele nossa intenção de chegar até o bairro de Vila Nova e que não tínhamos a menor ideia de como seria possível, pois, aparentemente, estávamos ilhadas. A pessoa gentil era um dos inúmeros voluntários dos meios de comunicação, que, juntamente com funcionários da Prefeitura Municipal e radioamadores – formavam pelotões de anjos, nessa catástrofe natural histórica.
Este senhor, em particular, trabalhava em uma estação ambulante de uma emissora de rádio que transmitia ao vivo e “construía pontes” para ajudar os desabrigados. Acalmou-nos e disse que conhecia um caminho até o endereço em que desejávamos ir.
Pediu que embarcássemos no carro da rádio e subiu o “morro da Cremer”, atravessando-o. Não conhecíamos esse caminho. Deixou-nos na residência dos Wittmann, que acreditávamos estar em segurança, pois não se tinha notícias de que este local havia sido inundado alguma vez. Estávamos enganadas.
Foram mais de 30 dias de enchente, que iniciou no mês de julho de 1983. Na época, a comunicação se resumia em alguns veículos de comunicação, como rádio, TV, serviço radioamador e telefone fixo. Não havia internet e muito menos celular.
Não durou muito para que também a energia elétrica fosse desligada; portanto, sem refrigeração de alimentos e iluminação elétrica à noite. Também não existia máquina fotográfica digital para o registro dos momentos. As máquinas fotográficas necessitavam de filmes próprios para que, posteriormente, fossem revelados, com fotos boas ou não tão boas – todas eram reveladas. Em um primeiro momento, fora de Blumenau. Por este motivo, algumas fotografias nossas, postadas nesta matéria, marcam a data de novembro de 1983 na sua borda – data de sua revelação. Os registros fotográficos dessa enchente são patrimônio histórico de um momento único na história da região.
E registramos o fato inédito. As águas da enchente chegaram à região em que estávamos e que, historicamente, nunca havia sido inundada.
Quando a enchente iniciou, no começo do inverno, muitos entre os voluntários bebiam bebidas destiladas para não adoecer.
No início de agosto, quando as águas baixaram, nossos familiares, usando caminhos alternativos, nos “resgataram”. A ajuda humanitária foi grande, sob diferentes iniciativas e muita criatividade. Foram enviados valores e donativos de todos os lugares do mundo. Era necessário, para iniciar a reconstrução.
A grande enchente de 1983, que atingiu Blumenau e também grande parte da região do Vale do Itajaí, durou 32 dias. Com isso, foi adiada a primeira edição de uma festa que aconteceria em outubro de 1983 e que vinha sendo organizada há um bom tempo pela equipe da Secretaria de Turismo de Blumenau, cujo titular da pasta era Antônio Pedro Pereira Nunes.
O que confunde muitos, pois imaginavam que o Oktoberfest Blumenau foi “criada’ para levantar o ânimo do blumenauense, após a tragédia de 1983. A festa já estava pronta desde o primeiro semestre de 1983 e foi adiada por causa da enchente de 1983. De acordo com uma decisão do Secretário de Turismo e após, novamente, da enchente de 1984, de fazer a festa mesmo assim, assumindo para si a responsabilidade desta decisão. Teve que argumentar com o prefeito e com muitas pessoas de sua equipe sobre sua decisão. O Oktoberfest traria ânimo e alegria, após tantos dias de desamparo e tristeza e em outubro de 1984 foi feita a primeira edição do Oktoberfest Blumenau. A mais linda e emocionante de todas as edições do Oktoberfest Blumenau, das quais, participamos de todas as edições.
“Depois das grandes batalhas, o povo quer festa.” Antônio Pedro Pereira Nunes
Registros Inéditos da Grande Enchente de 1983
Em 5 julho de 2018, na véspera de se completarem 35 anos da ocorrência da grande enchente de Blumenau de 1983, encontramos registros fotográficos inéditos, feitos pelo professor Vilmar Vidor, que guardou os filmes que mandamos revelar, e também recebemos registros de Edson Wruck que passou dias nos Altos da Rua XV de novembro e registrou o que viu.
Apresentamos os dois conjuntos de fotografias inéditas que ilustram um pouco dos momentos vividos pelas pessoas na época, na cidade de Blumenau.
O primeiro álbum de fotografias que apresentamos é formado por fotos feitas por Edson Wruck, ex-funcionário da Walter Schmidt, loja que estava localizada ao lado do Cine Blumenau e em frente à loja Willy Sievert, nos altos da Rua XV de Novembro.
As fotografias foram feitas com máquina fotografia mecânica (não era eletrônica e muito menos digital) e filme – que necessitava revelar as fotografias em papel. Edson Wruck nos apresentou as fotografias reveladas em papel e também mostrou os filmes delas.
O segundo álbum de fotografias apresentadas a seguir são fotos do arquiteto e professor da FURB – professor Vilmar Vidor. Foram feitas por ele depois das águas do rio Itajaí-Açu terem baixado – em agosto de 1983. Neste caso, recebemos os filmes das fotos feitas pelo professor Vimar Vidor, das mãos de sua mãe, após seu falecimento, em 2015.
Fotografias da enchente de 1983 – Edson Wruck
Edson Wruck fez as fotografias a partir de seu ambiente de trabalho – trabalhava na Walter Schmidt nesse período. No dia em que as águas do Itajaí-Açu começaram a subir, ele e os demais funcionários foram dispensados do trabalho para que conseguissem chegar em casa em segurança.
Wruck foi até a loja Caça e Pesca, nos baixos da Rua XV de Novembro, onde estava trabalhando um parente. O local é um dos pontos mais baixos da rua, e é o primeiro a ser inundado. Acreditando estar tudo bem, Wruck rumou para sua casa, mas não ficou lá por muito tempo.
Percebeu que essa enchente era diferente das últimas que acontecera na região. A chuva continuava e as águas do Itajaí-Açu continuavam a subir. Resolveu voltar para os altos da Rua XV de Novembro, pois sabia que poderia reduzir estragos, perdas e evitar danos maiores se tomasse algumas providências no interior da loja em que seu parente trabalhava. E assim o fez, seguindo sua intuição. E de fato aconteceu uma das maiores enchentes da história de Blumenau.
Edson Wruck nos revelou fatos e datas que não coincidem com aquelas publicadas em reportagens da história da enchente, transmitidas pela RBS TV e Jornal de Santa Catarina – que anunciaram o início da grande enchente de 1983 em 15 de julho de 1983. Não confere. Alguns sites especializados noticiam a data de 9 de julho, como é o caso do “AlertaBlu – defesa Civil de Blumenau”.
Essa é a data do nível mais alto dessa enchente de 1983, mas não seu início. Nesta data de 9 de julho de 1983, já havíamos saído de nossa casa, no Bairro Victor Konder. Portanto, também não confere com aquilo que vivenciamos na enchente de 1983.
De acordo com Edson Wruck, ele retornou para a Rua XV de Novembro quando as águas subiam rápido, em 7 de julho de 1983, uma quinta-feira. Em 8 de julho, as águas começaram a invadir o porão da loja Walter Schmidt – Wruck fotografou este momento.
No sábado, 9 de julho, o alto da Rua XV de Novembro ficou tomado pelas águas. Segundo o fotógrafo, um dos dias em que a água teve o nível mais alto. Data diferente da data mencionada pela reportagem escrita e televisiva, como início da enchente e também antes deste dia já havia inundações em muitos locais da cidade e mobilizações, que tiveram início em 5 de julho – o início e não a data do nível mais alto das águas, que aconteceu em 9 de julho com a metragem de 15 metros e 34 centímetros.
Blumenau ficou alagada por 32 dias, e 197.790 pessoas ficaram desabrigadas. Em muitos momento da enchente foi registrado dia de sol. No entanto, o nível da água se mantinha estável e alto ou até mesmo, com o aumento de seu nível. Era contraditório.
Edson Wruck permaneceu no local – do Alto da XV de Novembro, no período entre 7 e 13 de julho, e foi nesses dias que fez as fotografias publicadas neste artigo, registrando até mesmo, o pico da enchente com o nível máximo das águas, que aconteceu em 9 de julho.
Os três primeiros dias em que ficou na loja, dormiu na recepção, sem muito agasalho. Disse-nos que passou frio. Nos dias seguintes, ficou no apartamento de conhecidos – localizado no 7° pavimento do Ed. Impala, de onde fez algumas das fotografias do entorno. As fotografias ficaram muito boas, e são importantes registros históricos desse momento.
Na loja em que Wruck trabalhava, conseguiu, com a ajuda de colegas de trabalho, levantar muitos produtos e equipamentos, impedindo-os de ficar submersos.
Depois, sentiu desejo de retornar para sua casa, quando encontrou um radioamador seu amigo. Este radioamador estava de plantão e precisava levar frascos de sangue, do hospital Santa Isabel, para a cidade de Timbó. Assumiu a missão e assim os frascos foram levados por inúmeros voluntários. Levou o sangue, como também chegou bem próximo de sua casa, à qual não foi difícil chegar.
Agradecemos a Edson Wruck em compartilhar este material histórico feito por ele. É mais um álbum de imagens feitos dentro desse período de mais de 30 dias, que tornaram os blumenauenses irmanados. É um testemunho que se repete e nós confirmamos este testemunho. Todos se apoiavam da maneira que podiam.
Fotografias da enchente de 1983 – Vilmar Vidor
As fotografias do professor Vilmar Vidor foram feitas no mês de agosto de 1983. Havia identificação no invólucro do rolo de filmes, os quais mandamos revelar e, em seguida, digitalizamos para poderem ser compartilhados neste espaço – para pesquisa.
Nesse tempo, o professor Vilmar Vidor fazia seu Doutorado na Université Paris I, Sorbonne. Sua pesquisa foi desenvolvida no Vale do Itajaí. Talvez isto explique sua presença na cidade de Blumenau, no período. Como pesquisador, não desperdiçou a oportunidade de registrar os momentos depois das águas baixarem de nível na cidade. O professor Vilmar Vidor concluiu o Doutorado na Sorbonne em dezembro de 1983. Fez sua defesa em março de 1984, e tornou-se Doutor em Planejamento Urbano na Université-Paris Sorbonne. Ou ainda Doutorado: Analyse Régionale et Aménagement du Territoire, Université Paris I, Sorbonne. Le processus la région nord-est de I’État de Santa Catarina.
A tese defendida por Vilmar Vidor teve como tema o Vale do Itajaí – antiga Colônia Blumenau, e tinha relação com a implantação do Plano Diretor em Blumenau. Desenvolveu não somente o histórico econômico e urbano da área de Blumenau, mas também comparativos com outras regiões do Estado de Santa Catarina, como Joinville, Brusque, e toda a área nordeste do estado. Foi um trabalho de reflexão sobre as condições de desenvolvimento do parque industrial e, consequentemente, do desenvolvimento da malha urbana e da malha rural, para que este processo industrial pudesse evoluir na região. Isto explica, novamente lembramos, a sua presença na região no semestre em que concluiu seu Doutorado.
As fotografias do professor Vilmar Vidor, ao contrário das fotografias de Edson Wruck, foram feitas na região da baixa Rua XV de Novembro em agosto de 1983.
Voz de Carlos Braga Müller – um resumo do que aconteceu em julho/agosto de 1983.
Sem comentários. As imagens comunicam e complementam com lastro.
Um Registro para a História.
Referências
- WITTMANN, Angelina. A Cidade – Organismo vivo no dia do Meio Ambiente. 4 de junho de 2016. Disponível em: https://angelinawittmann.blogspot.com/2016/06/a-cidade-oganismo-vivo-no-dia-do-meio.html
- WITTMANN, Angelina. Arquiteto Vilmar Vidor – Sua trajetória – Idealizador do Curso de Arquitetura e Urbanismo – FURB e do IPPUB. 25 de novembro de 2016. Disponível em: https://angelinawittmann.blogspot.com/2016/11/arquiteto-vilmar-vidor-sua-trajetoria.html
- WITTMANN, Angelina. Grande Enchente de Blumenau de 1983 – Imagens Inéditas. 8 de junho de 2018. Disponível em: https://angelinawittmann.blogspot.com/2018/06/35-anos-grande-enchente-de-blumenau-ano.html
- WITTMANN, Angelina. Urbanismo. 24 de março de 2014. Disponível em: https://angelinawittmann.blogspot.com/2014/09/mansarddach-um-tipologia-de-telhado.html
Sou Angelina Wittmann, Arquiteta e Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade.
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