Uma professora dedicada à causa humanitária

Por Enzo Kawakubo

Natural de Urubici, no interior de Santa Catarina, Maria das Graças Bittencourt, ou popularmente conhecida por “Graça”, nasceu em 12 de agosto de 1952. Foi professora por 39 anos, começando desde a região serrana do estado, passando por Florianópolis, até chegar a Blumenau.

Está quase sempre com aparência tranquila, usando roupas simples. Divide a passagem do tempo com a família, ou nas conversar com vizinhos numa horta comunitária.

Após se inspirar em sua professora Zelina, do primário (atual ensino fundamental), ingressou na carreira de educadora, e não parou desde então. “Desde pequena senti que tinha a vocação para ser professora, já nasceu comigo” – comenta Graça.

Sua carreira iniciou em 1973, ao lecionar em uma escola municipal para filhos de fazendeiros e pessoas que moravam próximo ao local. As aulas eram para o 1°, 2°, 3° e 4° anos juntos, na mesma sala de aula. “Eram quatro alunos na primeira série, na segunda três, terceira três, e na quarta cinco”, relembra, com detalhes.

Apesar da quantidade de alunos em níveis de aprendizado distintos, a professora nega que tenha enfrentado dificuldades. Só era necessário se organizar antes das aulas, dividindo o conteúdo pelos grandes quadros da sala.

A dedicação fez com que aos poucos começasse a ser reconhecida como uma líder no município. Isso porque além de lecionar, era merendeira, enfermeira, e ajudava no parto de mães de alunos.

Ainda em 1973, foi chamada para trabalhar no colégio estadual, onde teve a experiência de voluntariamente alfabetizar dois meninos surdos e mudos – que eram primos.
As escolas recebiam materiais didáticos com metodologia vigente do Ministério da Educação e eram doados aos colégios pelas prefeituras.

Mas nos anos 1970, ainda não havia material didático com pedagogia preparada para pessoas com deficiência.

Graça improvisava como podia. Uma das estratégias utilizadas por ela era levar objetos do dia-a-dia e fazer uso de utensílios, como panela, garfo, colher, para as práticas pedagógicas. Além disso, também realizava a leitura labial. Segundo Graça, eles alcançaram sucesso na carreira profissional: um deles é engenheiro e o outro trabalha com agronomia.

A formação inicial de Graça foi o magistério, no colégio de vertente cristã franciscana Santa Clara, em Urubici, para ensinar crianças do Jardim, de 4 a 5 anos de idade. Embora explica que, por experiência, prefere trabalhar com alunos de idade um pouco superior.

Formação em Florianópolis

Como Urubici era muito limitado, não havia faculdade, apenas o magistério, mudou-se para Florianópolis em 1975. Com a intenção inicial de ser religiosa, era acompanhada no Colégio das Irmãzinhas de Imaculada Conceição como noviça. Continuou nesta instituição até 1979, mas preferiu não ser freira.

Neste colégio, estudou Filosofia e Teologia, e trabalhou como postulante. Vindo do interior, e de família carente, não era fácil cursar faculdade se não fosse pelo caminho religioso.
Passou no primeiro vestibular do curso de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), na época o curso era coordenado pelo Padre Aquilino Antônio dos Santos.

Com o objetivo inicial de substituir uma professora que estava grávida, passou a aplicar o método da pedagoga italiana Maria Montessori, baseado no desenvolvimento humano natural e nos direitos da infância. Adotava a prática com seus alunos da 4° série, em 1978, mas diz ter sido posteriormente impedida pela diretoria do colégio estadual.

“A metodologia só pode ser trabalhada nos colégios particulares. Tentei colocar porque eu tinha prática de trabalhar com Maria Montessori e a diretoria [do colégio] disse que eu não podia abordar”, explica.

O método Montessori

Maria Montessori foi uma educadora italiana que acreditava em soluções para crianças de baixa-renda por meio do amor, respeito e confiança nas crianças. Desenvolveu um método reformista para as crianças menos favorecidas, após observar o tratamento brutal concedido a crianças em hospícios, em 1898.

Ela acreditava que os alunos não deveriam ser punidos, mas respeitados sem interferência. Num ambiente em que móveis e objetos estejam sobre medida para eles, numa forma de independência, colaboração e sem competição. O método procura respeitar a individualidade e personalidade de cada sujeito, promovendo a sua autonomia.

Graça comenta que, apesar da escola trabalhar com as tradicionais filas, criadas nas quadras para cantarem o hino nacional antes do horário letivo, e restringir todo o conteúdo para dentro da sala de aula, ela costumava trabalhar fora deste ambiente, debaixo de árvores do tipo mangueira, às vezes promovendo a meditação.

Por meio de uma apuração da BBC News, foi descoberto um fato curioso, de que apesar de ser desenvolvido para crianças menos favorecidas, este foi o método de ensino para famosos como a artista Taylor Swift, os fundadores do Google, Larry Paige e Sergey Brin, e o fundador da Amazon, Jeff Bezos. Acontece que as escolas montessorianas são geralmente montadas para quem possui maior aquisição financeira.

Além de pedagoga, exerce responsabilidade social

Fez trabalhos sociais com a população do Morro do Mocotó, localizado no centro de Florianópolis, em 1978. Junto com algumas moradoras, desceu o morro para pedir água encanada à Câmara Municipal de Vereadores, pois não havia estrutura. Era necessário subir e descer carregando latas d’água, alguns moradores transportavam o peso na cabeça.

O processo foi lento, e não foram cumpridas todas as promessas do papel, vinha a verba e depois era gasta, o ciclo se repetiu e Graça continuou pressionando. Ao menos, conseguiram filtrar a água e instalar uma grande caixa d’água. Infelizmente, Graça não pôde testemunhar a instalação pela prefeitura, pois já havia deixado a cidade.

Novo milênio em Tijucas e em Blumenau

Após se casar em 1999, teve três filhos. Seu marido, Francisco, trabalhava numa usina de açúcar em Porto Belo. O escritório central foi mudado para Florianópolis nos anos 1990, quando atuou como gerente financeiro, a sede foi posteriormente trocada para Tijucas.
De lá, continuou a lecionar. Desta vez, no Colégio Coração de Jesus.

Assumiu as disciplinas de Moral & Cívica, Organização Política & Social Brasileira, e Religião, além de ter participado da coordenação. Educava desde a 5° série do primário (atual ensino fundamental) até a última série do ensino científico (atual ensino médio).

Na época, era um colégio caro e inacessível para muitas pessoas, só estudavam filhos de diretores de empresas. Mas, por causa da política de mensalidades, havia uma brecha que permitia filhos de professores de estudar gratuitamente no colégio. Assim, conseguiu matricular seus filhos.

Devido às mudanças no currículo estudantil, que transformaram as três matérias que lecionava em uma única, passou a ensinar apenas Filosofia, até então, era comum que as matérias tinham o foco de trabalhar para com as famílias dos alunos com livros sobre respeito e empatia. Também fazia parte do currículo a importância do voto para a sociedade.

Sua última ocupação na carreira como professora foi na área de História, no Colégio Santos Dumont em 2012, substituindo uma professora ausente por seis meses. Aposentou-se em agosto do mesmo ano.

Graça explica que teve que se mudar para Blumenau devido à mudança de emprego do marido: “Ofereceram para ele (Francisco) a administração de uma loja [de revestimentos cerâmicos], aqui em Blumenau e nós viemos para cá, como gestor dessa rede de lojas. Nos apegamos e continuamos por aqui”.

Hoje, aos 71 anos, procura ser professora dos netos que visitam a sua residência nas férias. Busca trabalhar artes e outras matérias escolares com eles por meio da metodologia de Maria Montessori.

Série de perfis

Este perfil integra uma série em parceria com o curso de Jornalismo da FURB. A iniciativa promove textos produzidos durante as aulas da disciplina de Gêneros Jornalísticos, ministrada pela professora Magali Moser, na quarta fase do curso. O perfil é um dos formatos possíveis de textos jornalísticos que busca valorizar uma personagem.

As reportagens-perfis assumem um papel focado na experiência do outro, tendo como centralidade uma pessoa. Na parceria estabelecida entre O Município Blumenau e o curso de Jornalismo FURB prevê que a cada semana, o perfil escrito por um(a) estudante da turma seja publicado no portal, sempre nas terças-feiras.