Um professor para além da sala de aula

Por Caçane Maloz

Em um mundo repleto de informações instantâneas e distrações digitais, encontrar alguém como Jorge Gustavo Barbosa de Oliveira é uma verdadeira raridade. Aos 64 anos, ele personifica a busca pelo conhecimento, com uma visão crítica pouco comum da realidade.

Nascido em Cruz Alta (RS) e residente em Santa Catarina há mais de três décadas, mudou-se para Blumenau para ser professor na Universidade Regional de Blumenau (FURB) em agosto de 1990, quando fez concurso para o departamento de Ciências Sociais e Filosofia, para a área de Ciência Política, onde leciona até hoje.

O professor Jorge Gustavo trilhou um caminho acadêmico notável. Iniciou sua licenciatura e bacharelado em Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), concluiu o curso no final de 1984, demonstrando desde cedo uma paixão por compreender as complexidades da sociedade. Especializou-se em Política Internacional na Universidade de Brasília (UnB) em 1988 e obteve também o título de mestre em Desenvolvimento Regional pela FURB no ano de 2019.

Amor pela leitura

A influência de seus pais foi fundamental. Ambos lhe proporcionaram um ambiente propício à leitura com uma ampla variedade de revistas e jornais, apoiados por uma diversificada biblioteca familiar. Essa influência contribuiu para incentivar o hábito da leitura entre Jorge Gustavo e seus três irmãos.

Desde então, ele mantém uma busca constante por conhecimento, imergindo-se em leituras que abrangem diversos temas e campos do conhecimento, como Antropologia, Sociologia, Política Nacional e Internacional, Geografia, História, Filosofia, Ficção, entre outros.

“Me falta espaço para guardar todos os meus livros”, relata Jorge Gustavo em uma conversa intrigante sobre seu acervo pessoal. Quando questionado sobre seu livro favorito, ele enfrenta o dilema de não conseguir nomear apenas um.

Durante suas imersões literárias, ele utiliza canetas marca-textos para destacar passagens e ideias que julga fundamentais, tanto para compreender o texto quanto para lecionar. Cada cor é empregada para realçar passagens que se conectam.

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Jorge Gustavo carrega consigo um mini caderno no qual anota referências bibliográficas. Ao longo de sua vida, preencheu vários desses cadernos. Eles apoiam a memória e integram as fontes de busca bibliográfica, em diferentes circunstâncias e momentos.

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Um eterno estudante

Em uma era dominada pela tecnologia, Jorge Gustavo é uma notável exceção ao dispensar o uso do celular. Ele possui um computador de mesa em seu escritório, onde passa a maior parte do tempo imerso em livros e buscando se informar sobre notícias locais, nacionais e internacionais.

Sua busca por perspectivas diversas o leva a acompanhar canais de TV nacionais, como a Globo News, Band News e CNN Brasil, além de internacionais, como RTP, SIC, DW, RAI, TV5, Euronews, RT, Telesur e CNN, para além da Internet. Considera a análise de diferentes posicionamentos e abordagens essencial para se formar juízo sobre questões complexas.

Ações que fazem a diferença

A paixão do professor Jorge Gustavo por compartilhar conhecimento não se limita à sala de aula. Ele integrou o Comitê Pró-Federalização da FURB, desde a sua criação, em 2002, lutando pelo acesso à educação pública, gratuita e de qualidade. Contribuiu para a fundação, em 1993, do Sindicato dos Servidores Públicos do Ensino Superior de Blumenau (SINSEPES), integrando a diretoria nos dois primeiros mandatos.

(Jorge Gustavo, em 2017, em uma entrevista para o Cidadania em Debate, quando abordou os conflitos na Espanha e na Coreia do Norte, programa criado pelo SINSEPES. Foto: Reprodução)

Em maio de 1998, os professores Mércio Jacobsen e Egon José Schramm, à época respectivamente reitor e vice-reitor da FURB, nomearam Jorge Gustavo o primeiro coordenador de Relações Internacionais da Universidade, com o objetivo de ampliar o relacionamento com instituições estrangeiras.

Paralelamente, Jorge Gustavo trabalhou na tradução do livro História da Noruega: da independência ao Estado de Bem-Estar Social, escrito pelo já falecido professor Berge Furre, que na época atuava na Universidade de Oslo, na Noruega, e também na vice-presidência do Comitê Nobel da Paz. O trabalho de tradução, revisão e editoração foi concluído em 2006, e a impressão ocorreu em 2007, com a publicação em língua portuguesa realizada pela Edifurb.

A ideia por trás da tradução desse livro para o português era facilitar o acesso dos brasileiros ao conhecimento sobre os países nórdicos, que oferecem valiosas lições sobre a construção de sociedades mais justas, democráticas e com qualidade de vida. Esses países alcançaram a universalização do acesso à educação, saúde, moradia e cuidados com a infância e os idosos, por meio da desmercadorização desses serviços, ou seja, tornando-os direitos sociais.

Perspectivas do professor Jorge Gustavo

Há diferentes visões sobre o professor Jorge Gustavo. Enquanto alguns podem argumentar que 33 anos de carreira são suficientes, a percepção que seus alunos têm é diferente. Seu amplo conhecimento e habilidade para recordar datas históricas de cabeça são intrigantes, e sua disposição para envolver os estudantes em debates sobre uma variedade de temas não só os instiga a pensar, mas também os leva a uma profunda reavaliação desses assuntos.

(Jorge Gustavo, seus alunos e colegas de trabalho de Ciências Sociais no Interação FURB 2023. Reprodução)

A percepção que sua esposa, Fraya Tiefensee, tem é a de que Jorge Gustavo se revela como um ser humano generoso e carismático, com uma inclinação natural para fazer o bem.

O relato de Josué de Souza, seu antigo aluno e agora colega de trabalho, é um testemunho vívido desse espírito solidário. Após um acidente que o deixou em coma, Josué considerou desistir de sua graduação em Ciências Sociais, entre 2007 e 2008.

No entanto, Jorge Gustavo fez algo excepcional: foi pessoalmente à casa de Josué e se dispôs a lecionar a disciplina de Política Internacional de modo diferenciado para atender à especificidade do então estudante. “Aos sábados à tarde, durante o semestre em que Josué estava matriculado, ia a Gaspar, à casa dos seus então sogros, onde pessoalmente lhe lecionava”, comenta. E continua:

“Por vezes, quando Josué fazia perguntas ou comentários, se eu não conseguia entendê-lo, devido a uma traqueostomia que ele fizera, solicitava a ajuda de sua então esposa. Ela estava habituada a compreender o modo como ele conseguia se expressar. A seguir, respondia-lhe”.

Na percepção do ex-aluno Josué: “Todos os professores demonstraram solidariedade, mas Jorge Gustavo foi além, sendo o maior incentivo que recebi na minha vida para estudar. Em um momento muito difícil, ele não apenas acreditou que eu sairia daquela situação, mas também me deu o ânimo necessário para me tornar cientista social e professor, e ainda me deu forças para sobreviver naquele momento”.

(Divulgação da semana acadêmica de Ciências Sociais, na qual Josué e Jorge Gustavo participaram da mesa redonda. Reprodução)

Novo capítulo para o professor

À medida que Jorge Gustavo se aproxima da aposentadoria, planeja dar seguimento à sua jornada de aprendizado. Seu objetivo é estudar questões críticas e continuar a participar do meio acadêmico sempre que for convidado. Com mais de 28 países já visitados, ele anseia explorar o mundo, compreender como diferentes povos enfrentam seus desafios, quais soluções encontram, ou não, para seus problemas.

Além disso, também deseja dedicar mais tempo à sua família, especialmente em sua cidade natal, Cruz Alta, onde cresceu.

Sua mensagem é clara: o conhecimento nunca é demais. Em uma era em que muitos se acomodam com a facilidade da informação digital, ele nos convida a repensar nosso compromisso com o estudo e a busca constante pelo saber.

Para quem convive com ele, Jorge Gustavo é uma permanente inspiração.

Série de perfis

Este perfil integra uma série em parceria com o curso de Jornalismo da FURB. A iniciativa promove textos produzidos durante as aulas da disciplina de Gêneros Jornalísticos, ministrada pela professora Magali Moser, na quarta fase do curso.

O perfil é um dos formatos possíveis de textos jornalísticos que busca valorizar uma personagem.

As reportagens-perfis assumem um papel focado na experiência do outro, tendo como centralidade uma pessoa. Na parceria estabelecida entre O Município Blumenau e o curso de Jornalismo FURB prevê que a cada semana, o perfil escrito por um(a) estudante da turma seja publicado no portal, sempre nas terças-feiras.