Uma mãe incondicional de centenas de estudantes

Por Guilherme Peters

– Ô meu filho, o que cê precisa?

É assim que Dona Vera recebe todos que conhece. Como uma grande mãe amorosa, sempre está disposta a atender a qualquer pedido que a ela for feito, não importando se já estiver fazendo algo. Pega um pano ali, busca outra coisa lá… O “não” está fora de seu vocabulário. Seu jeito solícito e sua força de vontade são parte de sua marca registrada. É com essa forma de viver que Vera Lúcia de Oliveira tem conquistado o carinho de tantas pessoas e famílias nos 22 anos que trabalha no Colégio Salesiano São Paulo, o “CSP”, em Ascurra, no Vale do Itajaí. Hoje, aos seus 68 anos, ela ama o que faz. Está sempre pra lá e pra cá, acompanhada de seus óculos.

Vera se sente em casa no “CSP”, como o colégio é carinhosamente apelidado por seus alunos e funcionários, ou melhor, pelos integrantes de sua família. O Colégio São Paulo acumula 97 anos de história, sendo mais velho que o próprio município, já que Ascurra tem 60 anos de emancipação política. A escola católica faz parte da congregação Salesiana, fundada por São João Bosco ou apenas Dom Bosco. No passado, abrigava os jovens seminaristas que almejavam tornarem-se religiosos e durante muitos anos serviu como morada de vários padres.

Aos 68 anos, Vera Lúcia de Oliveira transformou o Colégio Salesiano São Paulo em seu segundo lugar, fazendo de estudantes e funcionários sua segunda família | Foto: Guilherme Peters

O início de seu trabalho

Foi na época que ainda havia padres no colégio que Vera foi contratada. Era horário de almoço de uma segunda-feira quando, avisada por seu ex-genro, Vera soube de uma vaga de trabalho na escola. Prontamente ajeitou suas coisas, arrumou-se e foi até lá. Chegando lá, ela aguardou os padres voltarem do horário de almoço e depois conversou com eles, que disseram que retornariam. Ela então deixou o telefone da floricultura de sua filha, Andreia, que era catequista e já conhecia o padre, tendo participado de encontros e formações. O padre não sabia que Vera era mãe de Andreia e ficou positivamente surpreso com o fato. Vera então foi embora do colégio, mas a resposta chegou antes mesmo de voltar para casa. Às 15h daquele mesmo dia, o padre passou na floricultura da filha de Vera e disse que no próximo dia ela já poderia ir pronta para trabalhar.

Assim, na manhã do dia 16 de fevereiro de 2001, Vera começou seu novo emprego, o tão sonhado “emprego fixado”, como ela conta. Foi acordado um salário inicial e que ela receberia um aumento após o tempo de experiência. Não deu nem uma semana para Vera ser chamada para conversar de novo com o padre. No fim da sexta-feira daquela semana ela foi até o escritório da escola e teve a boa notícia: ela havia passado na experiência e já receberia mais pelo seu serviço. “Nunca entrou uma pessoa aqui pra fazer o que a senhora tá fazendo” foi o que ela ouviu pelo seu árduo trabalho dando conta da limpeza de dois andares enormes do colégio. Pelos três anos seguintes, Dona Vera assumiu todo o trabalho sozinha. Limpava todas as salas de aula, escritórios, corredores e todos os outros espaços.

Com mais de 20 anos de dedicação ao trabalho na escola, dona Vera se tornou conhecida pelo seu famoso “chazinho milagroso” capaz de curar qualquer indisposição ou mal-estar | Foto: Guilherme Peters

A vida fora da escola

Mas Dona Vera sempre esteve acostumada a enfrentar batalhas, já que sua vida nunca foi fácil. Nascida no dia 29 de junho de 1955 na cidade de Santa Mariana, no Paraná, Vera cresceu no interior do estado. Morou nas cidades de Rolândia e Barbosa Ferraz, mudando-se para essa última aos nove anos de idade. Filha mais velha de uma leva de mais seis irmãos, durante sua infância e adolescência trabalhava com seu pai na lavoura em uma fazenda de café. Foi ainda no Paraná que Vera conheceu seu marido, José Simão de Oliveira, com quem casou aos 20 anos e permanece até hoje. Do casamento, surgiram três filhos: Adriana, Andreia e André.

Antes de vir para as terras catarinenses, Vera, o marido e as crianças também moraram no Mato Grosso, em uma propriedade no interior, longe de tudo, há 84 quilômetros da cidade de Chapada dos Guimarães. Lá, José trabalhou numa fazenda onde o acesso era muito difícil. A família ficou por quatro anos vivendo no lugar, até decidir retornar ao Paraná, em 1984. Dona Vera explica que a razão de terem voltado foi a ausência de escolas para os filhos.

De volta ao Paraná, a oportunidade de trabalho em um hospital apareceu para Vera. Como era de se esperar, seu trabalho era amado por seus patrões. Mas a vida não era das mais fáceis, já que apenas Vera trabalhava, em função de seu marido ter contraído uma hepatite na época, além de ser uma região com poucas ofertas de emprego. O cunhado de Vera era natural da cidade de Rodeio, vizinha de Ascurra, e fez propaganda da região. “Vão pra Santa Catarina que lá é muito bom, todos vocês arrumam emprego”, ele dizia. Vera e sua família tinham muito medo da mudança e ficaram quase dois anos pensando, até 1995. Adriana, a filha mais velha da família, pesquisou muito e decidiu vir para Ascurra ver como era a cidade. Passada uma semana, ela ligou de volta para os pais e confirmou o que já havia sido falado: “mãe, vamos vir embora pra cá que aqui é muito bom”. E é dessa forma que Dona Vera e sua família chegam a Ascurra no dia 14 de julho de 1995.

Vista como uma outra mãe para os alunos, Dona Vera conta que até hoje é abordada por alunos que já se formaram e ainda mantém o carinho por ela | Foto: Guilherme Peters

Hoje, fora do trabalho, Vera aproveita seu tempo com a família. Todos os anos no fim de ano ela volta para sua terra natal e visita os seus parentes e os do marido. Ela se define como uma pessoa bem caseira, não é de frequentar muitas festas. Ao invés disso, ama ficar com suas filhas e netas, sair para jantar em algum lugar é o que mais fazem. Suas opções favoritas? Pizza e sushi! Inclusive, ela conta com um sorriso no rosto que nunca achou que fosse comer peixe cru e hoje ama. Seu outro hobby é ver televisão. Não perde um capítulo das novelas das 18h e das 19h e não pode deixar de assistir ao programa do Luciano Huck aos domingos. A felicidade de Dona Vera está nas coisas simples.

Uma personalidade que vale ouro

Honestidade é uma das virtudes que acompanhou Vera em toda a sua vida. “Ela sempre teve as chaves da casa e sempre é a primeira pessoa a chegar. E essa responsabilidade pode dar para Dona Vera, porque ela é espetacular”, assegura Maria Elena Faggiani Tomio, 58 anos, diretora executiva do Colégio São Paulo há sete anos. Durante toda sua caminhada profissional, sendo 13 anos na escola, Maria Elena conviveu muito com a Dona Vera e afirma que ela sempre foi assim: determinada, dedicada e compromissada. Ela é uma pessoa que não nega serviço. Faltas? São pouquíssimas ao longo desses anos, apenas para ocasiões realmente necessárias, como ir ao médico. “Não se encontra mais pessoas assim”, reforça a companheira de trabalho e também amiga.

Ao longo de 22 anos de trabalho no Colégio São Paulo, Dona Vera é lembrada por todos por seu carisma. Ao todo, o Colégio atende a oito municípios do Vale do Itajaí e por ele já passaram inúmeras famílias… todas elas lembram com carinho de Dona Vera. Ela conta que viu várias crianças crescerem e se tornarem adultas que hoje já quase nem reconhece mais quando é abordada fora do colégio. “Ela é a mãe de todos aqui” confirma Junia Alessandra Cordeiro, de 46 anos, responsável pela cantina e refeitório do CSP e colega de trabalho de Vera há dois anos. Junia também é mãe das ex-alunas do colégio Lara e Mariana Bartel, 20 e 17 anos, respectivamente, que conviveram por mais de 10 anos no ambiente escolar com Dona Vera e que confirmam também o carinho imenso que ela tem pelos alunos.

Uma das lembranças mais notórias que qualquer um pode relatar de Dona Vera é sem dúvidas o seu famoso “chazinho milagroso”. Seja dor de cabeça, febre, mal-estar, cólica ou qualquer outra dor, o chá feito todos os dias por ela ajuda na recuperação em todas as ocasiões. Ela revela que não há nada de especial e nenhuma receita mirabolante e que inclusive faz chás diferentes todos os dias. Talvez o toque a mais seja o amor e a ternura que sempre acompanham Dona Vera em seu trabalho.

Acostumada a uma vida de batalhas, Vera é sinônimo de determinação e dedicação quando o assunto é trabalho | Foto: Guilherme Peters

Assim como cada aluno e professor têm lembranças boas com Dona Vera, ela também tem um carinho por cada um que já passou pela escola: ela ama o CSP. “Às vezes eu tô em casa e falo “meu Deus, eu não vou aguentar trabalhar hoje”, mas eu chego aqui e acaba [essa sensação]! Eu falo: “mas o que será que é isso? É uma energia boa”. Sempre rezando à Dom Bosco, é assim que ela segue trabalhando, sem intenções de parar. Certamente, é difícil imaginar hoje um Colégio São Paulo sem a querida e amável Dona Vera. Todavia, a certeza é que uma marca de amor foi deixada na história do CSP, na vida de Dona Vera e na de milhares de pessoas.

Série de perfis

Este perfil integra uma série em parceria com o curso de Jornalismo da FURB. A iniciativa promove textos produzidos durante as aulas da disciplina de Gêneros Jornalísticos, ministrada pela professora Magali Moser, na quarta fase do curso.

O perfil é um dos formatos possíveis de textos jornalísticos que busca valorizar uma personagem.

As reportagens-perfis assumem um papel focado na experiência do outro, tendo como centralidade uma pessoa. Na parceria estabelecida entre O Município Blumenau e o curso de Jornalismo FURB prevê que a cada semana, o perfil escrito por um estudante da turma seja publicado no portal, sempre nas terças-feiras.