Por Gabriel Cestari

Na movimentada cidade de Blumenau, onde buzinas e conversas podem deixar muitos ambientes barulhentos, há vozes que se destacam pelo seu silêncio. Mayara Simon é uma delas. Esta mulher de 28 anos tem deficiência auditiva desde o seu nascimento, e nos mostra um mundo que muitos de nós raramente paramos para observar.

Mayara é formada em Design, pela FURB, atua na área há cerca de 9 anos, criando etiquetas, tags e botões para roupas. Criou vários designs aprovados e que foram incluídos no catálogo da empresa onde trabalha e também já participou de congressos da área. Ela diz amar o que faz.

Atualmente, ela mora com seu marido, Vinicius Soares Judes, que também é uma pessoa com deficiência auditiva. A comunicação entre eles nunca foi um problema: o casal se comunica através da linguagem de Libras (Língua Brasileira de Sinais). Porém, Mayara tem uma peculiaridade: ela consegue fazer leitura labial. Assim, com pessoas próximas, seja família ou amigos, apenas pede para que falem lentamente, para que desta maneira ela faça a leitura labial e entenda o que estão dizendo.

Mas nem sempre teve essa facilidade na comunicação com as pessoas, principalmente com desconhecidos. Ela lembra que as pessoas falam muito rápido, esquecendo de sua condição de pessoa com deficiência auditiva, o que lhe dificultava a leitura labial.

Mayara é uma “surda oralizada”, ou seja, é uma pessoa que aprendeu a língua oficial do país e pode fazer leitura lábia, usar ou não aparelho auditivo e ter implante coclear. Este implante se refere ao uso de um dispositivo utilizado para restaurar a função da audição em pacientes com deficiência auditiva profunda que não se beneficiam do uso de aparelhos auditivos convencionais.

Com a habilidade de leitura labial desenvolvida por Mayara, acabou se tornando mais fácil ter contato com outras pessoas e socializar experiências. Mas a condição de pessoa com deficiência auditiva teve também seus desafios. Na pandemia, por exemplo, com todas as pessoas utilizando máscaras, ficou complicado para ela se comunicar, já que não tinha como fazer essa leitura dos lábios. E mesmo tendo uma distância da pessoa, não podiam retirar a máscara devido às questões de prevenção exigidas pelo período; isso ocorria com os professores e pessoas do trabalho. A solução foi as pessoas escreverem via aplicativo WhatsApp ou em um papel para poderem se comunicar com ela.

Com sorriso contagiante, Mayara espalha boas energias e positividade com quem convive com ela. Foto: acervo pessoal

Desafios da infância

A família de Mayara descobriu que ela era deficiente auditiva quando ela tinha 1 ano. Naquela época, em meados dos anos 1990, ainda não existia um exame para fazer o diagnóstico e verificar o nível da perda auditiva em Blumenau e Região. Seus familiares tiveram que se deslocar até Curitiba (PR), onde foi constatado que Mayara tinha perda bilateral de severa a profunda, ou seja, um nível alto de perda auditiva.

Sua mãe, Marcia Suavi e a avó Lúcia Suavi, recorreram à prefeitura de Blumenau e ABADA (Associação Blumenauense de Amigos dos Deficientes Auditivos) em busca de maneiras de conseguir os aparelhos. Foram encaminhadas para o Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC-USP/Centrinho), especializado na reabilitação de pessoas com deficiência auditiva, em Bauru-SP, onde Mayara conseguiu acessar seu aparelho auditivo. Até hoje, Mayara vai ao Centrinho para fazer a troca do molde de silicone e a manutenção do aparelho.

Desde pequena, Mayara fez acompanhamento com uma psicopedagoga e fonoaudióloga para auxiliar na sua comunicação. O auxílio e acompanhamento de profissionais especializados ajudaram muito em sua alfabetização e qualidade de vida.

Em casa, sua mãe e avó usavam técnicas para que Mayara conseguisse desenvolver sua fala, colando cartões nas geladeiras, armários e mesa, com os nomes de cada objeto. A iniciativa tinha o objetivo de incentivá-la a pedir o que realmente queria.

Durante a infância, aos 10 anos, Mayara quebrou sua perna e foi morar em Brusque com seus avós, pois sua mãe trabalhava e fazia faculdade. Para não ter que parar os estudos e sair do trabalho, decidiram que Mayara iria morar com os avós na cidade vizinha. E, assim, ela acabou ficando por lá, onde terminou o ensino fundamental e médio.

Mayara persegue seus objetivos em busca de voos cada vez mais altos e com a mesma determinação que a caracteriza. Foto: acervo pessoal

Em busca de seu sonho

Após a conclusão do ensino médio, Mayara foi em busca de seus sonhos e, com isso, retornou a Blumenau, onde iniciou o curso técnico de moda no Senai e depois fez cursos de programas específicos, como Photoshop, Illustrator e CorelDRAW.

Com o término dos cursos, Mayara ingressou na graduação, no curso de Design, na FURB. No começo, não teve instrutor, acompanhava as aulas por conta própria. Mas, no ano seguinte, havia outro aluno surdo, e ele se comunicava apenas por Libras. Esta condição fez com que passassem a ter um intérprete de Libras em cada aula.

No começo, ser uma pessoa com deficiência auditiva ocasionou em muitas dificuldades porque os professores falavam muito rápido e às vezes esqueciam que Mayara é surda. Então, o intérprete de Libras recomendou que ela se sentasse ao lado do aluno surdo para traduzir em Libras. No entanto, como Mayara não sabia nada de Libras, pedia ao intérprete para falar com leitura labial junto com Libras.

Desta maneira, iniciou o processo de aprendizagem junto ao outro aluno surdo, que hoje se tornou um grande amigo: Aloisio Henrique Boeing.

Mayara Simon se formou no ano de 2021, mostrando para si mesma que é possível vencer os próprios desafios e limitações. Segundo sua mãe Márcia Suavi, a dedicação da filha fez desse momento algo muito especial: “Foi uma realização e um sentimento de orgulho, pois ela se esforçou muito para concluir a faculdade que sempre quis fazer”.

Hoje, ao olhar para trás, Mayara carrega a certeza de que tomou a decisão correta. “Então, sempre falo que é preciso ir atrás do seu sonho, para se realizar e se formar na faculdade que você gosta, e depois trabalhar na área em que se formou”, defende.

Mesmo sabendo que ainda vivemos em uma sociedade que precisa avançar muito ainda em termos de inclusão, Mayara não têm dúvidas de que este caminho é irreversível. Às pessoas que apresentam uma condição semelhante, ela sugere: “Tente buscar uma instituição/empresa que seja realmente inclusiva, pois muitas têm a inclusão somente no papel, porém não trabalham junto aos seus colaboradores a importância da inclusão”.

A história de Mayara Simon é um lembrete poderoso de que a determinação, força e paixão podem superar qualquer obstáculo. Ela ilumina não apenas as pessoas ao seu redor, mas também os corações de quem têm o privilégio de conhecê-la. Mayara é um exemplo inspirador de como o amor e os sonhos podem transcender as barreiras sonoras.

Série de perfis

Este perfil integra uma série em parceria com o curso de Jornalismo da FURB. A iniciativa promove textos produzidos durante as aulas da disciplina de Gêneros Jornalísticos, ministrada pela professora Magali Moser, na quarta fase do curso.

O perfil é um dos formatos possíveis de textos jornalísticos que busca valorizar uma personagem.

As reportagens-perfis assumem um papel focado na experiência do outro, tendo como centralidade uma pessoa. Na parceria estabelecida entre O Município Blumenau e o curso de Jornalismo FURB prevê que a cada semana, o perfil escrito por um(a) estudante da turma seja publicado no portal, sempre nas terças-feiras.