Por Bruna Marques Friedel

Odilia Nicolau Fernandes Bauer, 54 anos, é uma das confeiteiras mais prestigiadas da região de Jaraguá do Sul, norte de Santa Catarina. Especializou-se na produção de pasta americana – um tipo de massa feita de açúcar que se solidifica após a aplicação e é usado para cobrir e decorar bolos extremamente detalhados, esculpidos à mão.

Natural de Imaruí, sul do estado, a confeiteira se mudou para Jaraguá do Sul em 2002. Mas, foi somente dois anos depois que sua jornada pelo empreendedorismo começou, com o nascimento prematuro de sua única filha, Luiza.

Aroma de bolo de laranja

Durante o inverno, a produção de farinha de mandioca começava cedo, pela manhã, permitindo que todos os processos fossem concluídos com calma. Odilia e sua família costumavam acordar às 3h da manhã para iniciar as atividades no engenho, em Imaruí.
Ela fazia um bolo de laranja de massa simples, para o café da manhã.

Usava uma forma quadrada e optava por não fazer decorações. O aroma do bolo perfumava a casa inteira, contribuindo para dissipar o cansaço do trabalho manual. Todos amavam, elogiavam e pediam mais. “Eu tenho a memória da mesa do café da manhã, o bolo retangular… E eu lembro da alegria de ter feito alguma coisa que alguém gostou”, recorda.

Odilia nunca se sentiu desmotivada com os estudos, nem cogitou parar de estudar, o que atribui à mãe professora e principal entusiasta. Quando terminou o Ensino Médio, mudou-se para Laguna, no litoral sul catarinense, e iniciou a faculdade de Contabilidade. Lá, sofreu com a dificuldade de equilibrar os estudos e as despesas.

Encantada com a oportunidade de morar na capital do estado e estudar no campus da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Odilia embarcou em busca desse sonho. Iniciou como estudante de Ciências Sociais e arranjou um emprego como corretora de imóveis, mas, ao receber a notícia de que um membro da família estaria com graves problemas de saúde, largou tudo e se mudou para Joinville, no norte do estado, determinada a ajudar.

Retomou seus estudos assim que a situação se estabilizou. Odilia deu início ao seu terceiro e último curso: Administração com habilitação em Comércio Exterior, na Universidade da Região de Joinville (Univille), onde conseguiu seu diploma.

Esse é percurso de uma mulher que atravessou do sul ao norte de Santa Catarina em busca dos seus sonhos. Ela mesma conta a difícil trajetória com um sorriso no rosto e um bolo de laranja no forno. Odilia afirma que a receita não é a mesma que fazia quando criança, mas o aroma invade a cozinha do mesmo jeito que na infância e desperta suas memórias.

O bolo de laranja despertou o interesse e a curiosidade da confeiteira desde a infância, atraindo-a para a cozinha

A pensão

Foi no Bairro Bom Retiro, na Rua Humaitá, 112, em Joinville, que Odilia e Clóvis se conheceram. A pensão que ambos moravam abrigava estudantes universitários. O estudante de Engenharia Elétrica pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) ficou impressionado quando conheceu Odilia.

Sua empatia, preocupação com os outros e seu talento na cozinha chamaram a atenção de Clóvis. Todos os finais de semana, quando apenas alguns estudantes ficavam na pensão, Odilia reunia as sobras de todos e criava verdadeiros banquetes. Essas reuniões encantavam os moradores, especialmente Clóvis, que mais tarde se tornaria seu marido.
Foi na pensão que o amor e o dom de Odilia destacavam-se. A preparação desses jantares reacendeu a paixão que ela sentia ao se dedicar ao que amava.

Depois de se formarem e consolidarem seu relacionamento, Odilia e Clóvis se mudaram para Jaraguá do Sul à procura de mais qualidade de vida. Com o tempo, o desejo de construir uma família cresceu e Odilia engravidou. No entanto, o período que deveria ser tranquilo, veio com algumas dificuldades, uma vez que as complicações da gravidez poderiam prejudicar a vida da mãe e/ou do bebê.

Luiza

Odilia percebeu que o mercado de trabalho lhe fechou as portas em função da maternidade. Ao assistir todas as oportunidades profissionais desaparecerem, ela se viu obrigada a ficar em casa, pela primeira vez.

Além disso, uma pedra ainda maior surgiu em seu caminho: Odilia sofreu com um princípio de aborto aos três meses de gravidez, e ao seis, teve uma pré-eclâmpsia, diagnóstico de hipertensão arterial que potencializa complicações graves durante a gravidez.

“Fui ao hospital fazer exames de rotina e quando Clóvis chegou, a enfermeira disse: ‘A pressão dela está muito alterada, nesses casos a gente procura salvar primeiro a mãe e depois o bebê’. Então eu comecei a chorar, estava muito nervosa porque eu não sentia nenhuma dor, e não entendia como eu e meu bebê estávamos correndo risco”, relembra.

O olhar triste ao recordar essa época não é capaz de expressar toda a dor que acompanhou Odilia. A possibilidade de perder o bebê e carregar as sequelas poderia tê-la feito desistir. No entanto, quem consegue confrontar o amor de mãe?

Luiza nasceu com apenas seis meses de gestação. A pré-eclâmpsia causou a baixa oxigenação do feto, o que provocou a prematuridade do bebê. Hoje, aos 19 anos, ela apresenta atrasos no desenvolvimento e enfrenta episódios de epilepsia, mas, infelizmente, os médicos não conseguem explicar a origem de sua deficiência.

Com a necessidade de ficar em casa para cuidar da filha, Odilia enxergou a possibilidade de empreender. Em 2008, começou fazendo marmitas, depois salgados e bolos caseiros, até que a criatividade e as demandas não couberam mais na pequena cozinha do apartamento.

Luiza (à esquerda), Clóvis e Odilia (à direita) desfrutando um café da tarde em casa

Detalhes

A mudança para a casa que está atualmente fez toda a diferença. A cozinha especial fica no mesmo terreno, mas separada de onde moram, e repleta de fôrmas, fornos, bancadas e ingredientes. É lá que a magia acontece, onde ela passa o dia dedicando-se aos mínimos detalhes das decorações e preparando recheios deliciosos para cada massa.

São mais de dez anos construindo técnicas, receitas e a confiança dos clientes. Sua constante busca por aprendizado e aperfeiçoamento reflete em seu trabalho. Cada pessoa tem uma história, cada cliente tem uma personalidade única, e são exatamente essas particularidades que Odilia busca colocar em cada doce. Sua paixão pelo próprio trabalho e a maneira como se realiza com ele são visíveis.

Esse amor é despejado como um ingrediente em cada massa. Cada sorriso na preparação faz com que o resultado seja ainda mais gostoso. E a bagagem que ela carrega mostra que seu trabalho é digno de reconhecimento.

Quando chega o dia das entregas, todo sábado, Odilia prepara o carro com seu marido e sua filha, que a acompanham nessa jornada. Ela costuma chegar horas antes do evento, principalmente em casamentos, mas, apenas auxilia na montagem da mesa quando é amiga dos clientes ou dos outros fornecedores.

Uma tarde de trabalho resulta em conversas, risadas e agradecimentos. Além, é claro, de uma montagem impecável da mesa. Odilia compartilha um segredo após a mesa estar montada: Sem fotos antes do evento, para não estragar a surpresa para os convidados.

Além do trabalho

Suas parcerias e clientes se desdobram em amizades. E esse carinho foi o responsável por criar um ambiente de trabalho mais leve, um pedido que termina em abraços e uma entrega de bolo que termina em risadas.

“A partir desse relacionamento de cliente e fornecedor, criamos um vínculo de amizade. Ela acompanhou todos esses momentos: chá de bebê da minha filha, aniversários e todas as outras comemorações em família!”, relata Blaine Alves Diogo Nunes, 43, cliente que se transformou em amiga de Odilia.

Blaine guarda as memórias dos bolos em álbuns de fotos, e expressa a alegria que sente ao falar do trabalho da amiga que, além de trazer o bolo, participa das festas.
A evolução do trabalho de Odilia se revela em fotografias nos álbuns de fotos por toda a cidade, a cada cliente que conquista, a cada amizade que cultiva.

Série de perfis

Este perfil integra uma série em parceria com o curso de Jornalismo da FURB. A iniciativa promove textos produzidos durante as aulas da disciplina de Gêneros Jornalísticos, ministrada pela professora Magali Moser, na quarta fase do curso. O perfil é um dos formatos possíveis de textos jornalísticos que busca valorizar uma personagem.

As reportagens-perfis assumem um papel focado na experiência do outro, tendo como centralidade uma pessoa. Na parceria estabelecida entre O Município Blumenau e o curso de Jornalismo FURB prevê que a cada semana, o perfil escrito por um(a) estudante da turma seja publicado no portal, sempre nas terças-feiras.